Como dizem, "contra fatos não existem argumentos". A crítica de Thiago Amparo a um texto de Leandro Narloch que foi publicado na Folha de São Paulo é a prova disso. Narloch resenhou um livro de Antonio Risério, o qual baseou-se em pesquisas realizadas por historiadores para tratar das "sinhás pretas", ou seja, das negras brasileiras que, ainda no período da escravidão, conseguiram comprar sua liberdade, acumularam bens e se tornaram donas de escravos. Um exemplo citado por Narloch:
Em 1836, Marcelina Obatossi comprou sua alforria de um outro negro liberto e a partir de então acumulou 18 escravos, meia dúzia de casas no que hoje chamamos de centro histórico de Salvador e muitas joias (aqui).
Muito bem: qual é a crítica de Thiago Amparo a essa resenha? Rigorosamente falando, nenhuma! Ele apenas ataca uma exposição baseada em fatos usando "bullshit", ou seja, palavras e imagens com forte apelo emocional que visam convencer as pessoas sem a apresentação de argumentos racionais. Vejamos:
1 - Qual foi a fonte de pesquisa histórica usada por Amparo para contestar os fatos relatados por Narloch? Nenhuma!
2 - Amparo afirma que "Narloch usa histórias individuais para mascarar a brutalidade do seu argumento: legitimar a escravidão ao relativizá-la". Portanto, Amparo reconhece que os fatos citados por Narloch são reais, e sua crítica às conclusões que esse autor extrai dos fatos não tem base racional nenhuma. Afinal, Amparo não explica o que entende por relativizar a escravidão, não demonstra que Narloch a relativizou e nem explica qual seria a ligação entre relativizar e legitimar no caso da resenha criticada;
3 - Como não consegue contestar os fatos e nem esclarece o seu raciocínio, Amparo encena indignação e apela para o emocionalismo: "senti ânsia de vômito, literalmente; um misto de repugnância e desânimo. [...] Imagino como se sentiriam as escravas diariamente estupradas lendo seu texto; ou os escravos doentes jogados ao mar: faltou-lhes capitalismo?".
Mediunidade e capitalismo
A indigência intelectual do texto de Amparo é tamanha que lê-se nele até o truque retórico de falar pelos mortos! Para demonstrar a desonestidade intelectual desse truque, é o caso de perguntar a Amparo o que ele imagina que Marcelina Obatossi, Francisca Maria da Encarnação, Custódia Machado de Barros e Joaquina Borges de Sant’Anna, entre outras sinhás pretas, pensariam se lessem o texto de Narloch... Ou ainda: como ele reagiria se alguém, imaginando o que os mortos pensariam, sugerisse que as sinhás pretas sentiriam orgulho ao saberem que seriam lembradas por suas conquistas sociais e econômicas quase 200 anos no futuro?