segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Thiago Amparo usa "bullshit" racialista para atacar Leandro Narloch

Como dizem, "contra fatos não existem argumentos". A crítica de Thiago Amparo a um texto de Leandro Narloch que foi publicado na Folha de São Paulo é a prova disso. Narloch resenhou um livro de Antonio Risério, o qual baseou-se em pesquisas realizadas por historiadores para tratar das "sinhás pretas", ou seja, das negras brasileiras que, ainda no período da escravidão, conseguiram comprar sua liberdade, acumularam bens e se tornaram donas de escravos. Um exemplo citado por Narloch:

Em 1836, Marcelina Obatossi comprou sua alforria de um outro negro liberto e a partir de então acumulou 18 escravos, meia dúzia de casas no que hoje chamamos de centro histórico de Salvador e muitas joias (aqui).

Muito bem: qual é a crítica de Thiago Amparo a essa resenha? Rigorosamente falando, nenhuma! Ele apenas ataca uma exposição baseada em fatos usando "bullshit", ou seja, palavras e imagens com forte apelo emocional que visam convencer as pessoas sem a apresentação de argumentos racionais. Vejamos:

1 -  Qual foi a fonte de pesquisa histórica usada por Amparo para contestar os fatos relatados por Narloch? Nenhuma!

2 - Amparo afirma que "Narloch usa histórias individuais para mascarar a brutalidade do seu argumento: legitimar a escravidão ao relativizá-la". Portanto, Amparo reconhece que os fatos citados por Narloch são reais, e sua crítica às conclusões que esse autor extrai dos fatos não tem base racional nenhuma. Afinal, Amparo não explica o que entende por relativizar a escravidão, não demonstra que Narloch a relativizou e nem explica qual seria a ligação entre relativizar e legitimar no caso da resenha criticada; 

3 - Como não consegue contestar os fatos e nem esclarece o seu raciocínio, Amparo encena indignação e apela para o emocionalismo: "senti ânsia de vômito, literalmente; um misto de repugnância e desânimo. [...] Imagino como se sentiriam as escravas diariamente estupradas lendo seu texto; ou os escravos doentes jogados ao mar: faltou-lhes capitalismo?".

Mediunidade e capitalismo

A indigência intelectual do texto de Amparo é tamanha que lê-se nele até o truque retórico de falar pelos mortos! Para demonstrar a desonestidade intelectual desse truque, é o caso de perguntar a Amparo o que ele imagina que Marcelina Obatossi, Francisca Maria da Encarnação, Custódia Machado de Barros e Joaquina Borges de Sant’Anna, entre outras sinhás pretas, pensariam se lessem o texto de Narloch... Ou ainda: como ele reagiria se alguém, imaginando o que os mortos pensariam, sugerisse que as sinhás pretas sentiriam orgulho ao saberem que seriam lembradas por suas conquistas sociais e econômicas quase 200 anos no futuro?

E vale dar uma resposta à pergunta retórica e irônica: "faltou-lhes capitalismo?". E a resposta é: sim, os horrores da escravidão só podem existir sob formas de capitalismo não plenamente desenvolvidas, como dizem autores marxistas, ou baseadas em instituições extrativistas, como afirmam os autores institucionalistas. No primeiro caso, autores marxistas sustentam que a relação de produção fundamental do capitalismo é o assalariamento, de sorte que sociedades nas quais vigoram regimes de trabalho compulsório, como a escravidão, não são "capitalistas por excelência". Por sua vez, os institucionalistas afirmam que o capitalismo só realiza seu potencial de inclusão dos pobres na economia de mercado quando é sustentado por um arcabouço institucional que, sem privilegiar nenhum grupo oligárquico ou empresarial, promove a livre concorrência e protege as transações entre todos os agentes econômicos. Portanto, nem é preciso ser um entusiasta do capitalismo para reconhecer que o desenvolvimento desse sistema econômico exige a abolição da escravatura e, portanto, de toda a crueldade que acompanha esse regime de trabalho forçado - o qual já existia na África antes do capitalismo e antes do colonialismo, aliás.

Censura racialista

Não bastasse usar de tanta "bullshit", Thiago Amparo acusa Narloch de racismo e reclama que o pluralismo da FSP acabou servindo para dar espaço a um texto racista... Ora, o texto de Amparo é a maior prova de que certos discursos que se apresentam como antirracistas são extremamente autoritários, intolerantes e obscurantistas, pois atacam textos de divulgação científica por meio de "bullshit", exigem que fatos históricos sejam escondidos da opinião pública e ainda usam falsas acusações de racismo para censurar as verdades que afrontam as narrativas de certos grupos militantes.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Sociedade alternativa, com esquerda identitária, é sociedade repressora

Quando eu era aluno da USP, na segunda metade dos anos 80, um dos cantores mais tocados nas festas da geografia era Raul Seixas. E uma das músicas dele que quase sempre tocava era Sociedade alternativa. Eu gosto dessa música do Raul (entre outras dele), cuja letra diz:

Viva a sociedade alternativa

Se eu quero e você quer
Tomar banho de chapéu
Ou esperar papai noel
Ou discutir Carlos Gardel
Então vá!
Faz o que tu queres
Pois é tudo da lei!
Da lei!

Na época, a esquerda universitária era pautada principalmente pelas teorias econômicas marxistas, mas, como também tinha incorporado a cultura do sexo, drogas e rock and roll, legada pela geração de 68, nutria muita simpatia pela ideia de um modo de vida hippie, ou seja, com pouco trabalho, pouco consumo e liberdade para viver como se deseja.

E hoje? Bem, a esquerda não abandonou as velhas críticas econômicas ao capitalismo, mas suas pautas políticas estão muito mais atreladas ao politicamente correto e ao identitarismo. Resultado: segundo uma "Nota de Esclarecimento" divulgada em 2014 pelo Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários - Caell, da USP, houve um conflito durante uma festa a fantasia organizada por esse Centro. O problema começou quando travestis militantes de um "coletivo" que luta pelos direitos dos transgêneros acusou três alunos gays de desrespeito e discriminação porque estes estavam fantasiados de Sailor Moon. Os rapazes acusados tiraram as fantasias em público, no meio da festa, tal como os travestis exigiram, mas estes não sossegaram. Segundo afirma o Caell, as discussões com os travestis militantes continuaram até chegar o ponto em que estes últimos exigiram que a festa fosse encerrada imediatamente e que as mulheres do Centro, que eram as responsáveis pela organização, fizessem um mea culpa diante de todos os presentes, confessando que a gestão do Caell era transfóbica, homofóbica e machista (oi?)! Mas, como os integrantes do Caell se recusaram a atender às exigências, os travestis chamaram a polícia militar... 

Paro aqui a descrição dos acontecimentos narrados pela nota do Caell, a qual está disponível na internet para quem quiser ler. Afinal, o que está dito acima já é suficiente para eu fazer alguns apontamentos. O primeiro deles é que a esquerda universitária dos anos 80 falava em democracia e em liberdade de costumes, mas queria transformar o Brasil numa nova Cuba, país onde não existem nem uma coisa, nem outra. O segundo é que a esquerda atual só fala em combater preconceitos, mas, quando os militantes se reúnem para festejar, quem age como desmancha prazeres e estraga festa não são os "caretas" de antigamente ou a direita religiosa atual, mas sim os próprios militantes identitários, cuja intolerância é inegável 

Encerro dando um aviso de quem já conviveu com muitos militantes universitários e que ainda observa a atuação deles, agora na qualidade de professor: quando virem esse pessoal curtindo o trabalho bem humorado de artistas como Raul Seixas, não se deixem enganar: ontem como hoje, esquerdistas radicais costumam ser gente mal humorada, intransigente, intolerante e preconceituosa. O humor que melhor se encaixa no perfil deles é o do Porta dos Fundos mesmo...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Atila Iamarino presta desserviço à ciência e à democracia

Em março do ano passado, Atila Iamarino divulgou projeções erradas sobre números de casos e de mortes por covid no Brasil. Depois, caiu em contradição ao tentar explicar por que os números reais não bateram com a previsão. No começo de maio, usou um estudo diferente para concluir que tinha sido "muito otimista" ao prever que haveria mais de 1 milhão de mortes até final de agosto se não fossem adotadas as medidas que ele recomendava. Errou de novo e, em junho, mesmo tendo finalmente admitido o erro, usou uma retórica risível para nos convencer de que os números que ele divulgou, embora errados, continuavam "válidos"! [*]

Ele também diz e repete que as pesquisas científicas já provaram que a cloroquina não é eficaz contra a covid e que pode provocar efeitos colaterais muito perigosos. Curioso, pois a Associação Médica Brasileira - AMB, em comunicado oficial, afirma que os estudos sobre a eficácia desse remédio e seus efeitos colaterais ainda não são conclusivos. A AMB é formada por gente ignorante no assunto e que espalha notícias falsas, ou é Atila Iamarino quem faz isso? 

Agora, Iamarino diz que vacinação obrigatória é "autoritarismo necessário". Ora, mas quem diz que vacinação obrigatória é medida autoritária são justamente aqueles que preferem basear as políticas de combate à pandemia na distribuição de cloroquina! Portanto, Iamarino acabou de dar um argumento para os inimigos da vacinação obrigatória: "até o Atila reconheceu que obrigatoriedade é autoritarismo"...

Não bastasse tudo isso, ele diz que "calar" aqueles que criticam a vacinação é também uma forma de "autoritarismo necessário", e a única coisa que podemos fazer se não for decretada vacinação obrigatória. Ora, estou de pleno acordo que os movimentos anti-vacina são irracionais e que prejudicam a saúde pública, mas discordo da ideia de censurar as pessoas que espalham esses discursos. 

Informações falsas se combatem com a divulgação de informações corretas. Desde o começo da pandemia, Iamarino divulgou projeções erradas às pencas e usou argumentos contraditórios e sem sentido para fazer de conta que tinha acertado, mas acha que, agindo assim, contribuiu com a qualidade dos debates públicos. Na verdade, ele prestou um enorme desserviço à ciência, pois suas previsões furadas e argumentos toscos serviram para a produção de centenas de memes que se espalharam pelas redes sociais e, assim, estimularam a desconfiança em relação às intervenções de cientistas nos debates públicos. 

Resumo da ópera: Atila Iamarino é um divulgador científico que fomenta involuntariamente a desconfiança do público contra os cientistas e que ainda reforça essa desconfiança ao propor censurar quem nega a eficácia das vacinas. 

As pessoas que Iamarino quer censurar realmente andam espalhando ideias perigosas, mas um pesquisador que divulga projeções erradas repetidamente e que usa artifícios retóricos para tentar induzir a população a acatar as recomendações de políticas que ele faz também não é perigoso e autoritário? Afinal, há pesquisas, elaboradas por cientistas renomados, que contestam ou relativizam muito a eficácia das medidas rígidas de quarentena e de lockdown que Iamarino e outros defendem[*]. Mas nem por isso vamos sair por aí dizendo que Iamarino tem de ser censurado. Ele se beneficia da liberdade de expressão que deseja negar aos outros.

[*] Referências