quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Doria versus Bolsonaro: o primeiro agiu certo




Não gosto de fazer previsões em assuntos nos quais sou leigo, como é o caso das políticas sanitárias para conter pandemias. Quando Bolsonaro entrou em guerra com vários governadores por conta das medidas contra o coronavírus, decidi não fazer avaliações antes de observar os resultados dessas medidas. As considerações que farei agora sobre o modo como o Brasil vem lidando com o problema vão ter como focos principais o governo federal e o do estado de São Paulo, que é o estado com maior número de casos e de mortes.

De início, é bom notar que as projeções catastrofistas do Imperial College of London (IC) e do biólogo Atila Iamarino erraram feio ao desenharem cenários sobre a velocidade com que a doença se espalharia no Brasil e sobre o número de mortes. O próprio Iamarino reconheceu mais tarde que o Brasil estava em situação melhor do que EUA, Itália, Espanha, França e Reino Unido, mas, para não ter de admitir que exagerou, disse que o Brasil estava melhor por ter agido rápido, afirmação essa que contradiz o que ele mesmo havia publicado no Twitter, em 13 de março, sobre a demora brasileira em agir (aqui). No começo de maio e, outra vez, no começo de junho, as medidas de distanciamento estabelecidas pelos governadores, que desde o início eram brandas em comparação com as recomendadas pelo IC e por Iamarino, foram relaxadas (aqui). Ainda assim, o contágio perdeu velocidade em São Paulo, Rio de Janeiro e também no Norte e Nordeste, de sorte que as curvas nacionais de casos diários e também de mortes diárias foram "achatadas" (acima). Só não houve queda na média nacional de casos e de mortes porque a pandemia se acelerou em Minas Gerais, no Sul (com o início do inverno) e também no Centro-Oeste, onde o vírus demorou mais tempo para chegar.

Bem, isso significa que Bolsonaro tinha razão em minimizar o problema e em recusar-se a fechar as fronteiras do país? Ele estava certo em ficar fazendo críticas e provocações contra os governadores que decidiram tomar medidas de distanciamento social e em criar empecilhos normativos até para a obrigatoriedade do uso de máscaras? Observando-se os números, está claro que, se Iamarino e outros especialistas exageraram muito o problema, Bolsonaro errou feio no sentido contrário.

Escolhas trágicas

Ora, o objetivo das variadas políticas de distanciamento social, isolamento, supressão, lockdown, etc. é "achatar a curva" do número de casos de modo a evitar que a demanda por hospitalização e por serviços de UTI ultrapasse a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde. Após o início da pandemia (embora não de forma imediata, é óbvio) a oferta de leitos de UTI cresceu 45% no Brasil. Ainda assim, houve vários casos localizados de saturação dos serviços hospitalares, sendo Manaus o pior de todos, com a capacidade do sistema superada em 500% (aqui)! Na capital paulista, a ocupação de leitos hospitalares chegou a 91%, mas recuou, mesmo depois que as medidas de distanciamento já tinham sido relaxadas. 

Diante desse quadro, é fácil perceber que, se nada tivesse sido feito, haveria muito mais episódios de colapso dos sistemas de saúde no Brasil, levando a ainda mais mortes por covid e também por falta de atendimento de pacientes com outros problemas graves de saúde. Nesse sentido, podemos concluir que Doria e vários outros governadores e prefeitos agiram de forma acertada. De um lado, evitaram implementar uma política de supressão rígida e prolongada, a qual salvaria mais vidas no curto e médio prazos, mas sem garantia de continuar salvando no longo prazo[*], e cujos efeitos sociais seriam ainda mais destruidores do que os causados pelas medidas de distanciamento efetivamente tomadas. De outro lado, não minimizaram o problema e nem tentaram justificar a pouca ação com discursos que exageram a eficiência de certos medicamentos ou que não passam de tolices sobre "histórico de atleta", entre outras falas populistas de Bolsonaro.

Mas não quero fazer uma análise moralista e ingênua, segundo a qual os políticos que agiram da forma como eu considero mais acertada assim fizeram por terem tido maior sensibilidade para a situação dos pobres sem descuidarem da pandemia. O homem reage a incentivos, afinal, e é ao considerar os incentivos que influenciam as decisões políticas que conseguimos entender melhor as escolhas dos dirigentes. No caso, os governadores agiram com um olho nas urnas e outro no caixa do governo. Trato disso no próximo post, pois este já ficou muito grande.

[*] Diversas pesquisas internacionais levaram à hipótese de que a aplicação por seis meses ou mais de medidas rígidas de lockdown ou de quarentena severa é a estratégia que mais salva vidas no curto e médio prazos, mas, no longo prazo, pode matar tanto quanto não fazer nada. As medidas mais eficazes para salvar pessoas sem prejudicar demais a economia seriam a aplicação de testes em massa e isolamento dos doentes, segundo esses estudos (aqui).

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3 comentários:

  1. https://noticias.criticanacional.com.br/2020/08/06/isolamento-social-deixa-9-milhoes-de-desempregados-em-tres-meses/

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    1. Estou bem ciente de que as políticas de distanciamento trazem consequências econômicas e sociais terríveis, como desemprego em massa, pobreza, miséria e fome. Já escrevi sobre isso no post "Quarentena: quantos milhões de pobres em nível subsaariano essa medida vai produzir?". Esse post está indicado no final do texto, aliás, como se vê acima.

      Todavia, as críticas permanentes de Bolsonaro aos governadores que tomaram essas medidas provam de forma clara que, se dependesse dele, teríamos sido muito mais brandos. Mas, se o sistema de saúde da capital paulista chegou a ficar comprometido em 91%, se o mesmo aconteceu em MG, se no RJ chegou a haver saturação, assim também como em Porto Velho, se em Manaus a capacidade do sistema foi extrapolada em 500%, então está muito claro que fazer ainda menos do que foi feito traria consequências terríveis em termos do número de mortes por covid e também por outros problemas de saúde que demandam hospitalização.

      Ora, se isso acontecesse, o pânico gerado poderia ser de tal ordem que levaria a população a praticar um "lockdown endógeno", i.e., um autoisolamento espontâneo mais rígido até do que o exigido pelas autoridades. E, se isso acontecesse, as consequências em termos de desemprego, pobreza, etc. seriam ainda mais sérias do que as geradas pelas medidas oficiais.

      As críticas de Bolsonaro aos governadores (principalmente a Doria) têm objetivos eleitorais. Assim como eles, Bolsonaro age com um olho nas urnas e outro no caixa do governo. A diferença é que os governadores agiram de um modo que permitiu salvar vidas sem provocar efeitos tão destruidores na economia e na sociedade como aqueles que teriam sido provocados se nada fosse feito ou se aplicássemos a política de supressão recomendada por Atila Iamarino.

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  2. http://www.folhapolitica.org/2020/08/bolsonaro-destaca-que-foi-cerceado-pelo.html?m=1

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