Para estimar o efeito das medidas de isolamento contra o coronavírus no aumento da pobreza, elaborei uma pequena tabela com dados de crescimento econômico e de população pobre para os anos 2014-2016 (ver aqui). Usei uma linha de pobreza absoluta de US$ 1,90 por Paridade do Poder de Compra (PPC) porque esse é o parâmetro recomendado para medir a pobreza monetária nos países mais pobres do mundo. Ou seja, é um indicador que capta situações de pobreza aguda mesmo para os padrões de países com renda muito baixa.
Bem, os dados mostram que o desempenho da economia foi péssimo nesse período, pois houve um crescimento de apenas 0,50% do PIB em 2014, seguido de forte retração nos dois anos seguintes, com variação negativa de 3,50% e de 3,28%, respectivamente. O resultado foi que o número de pobres passou de 9,18 milhões em 2014 para 10,94 milhões no ano seguinte e para 12,05 milhões em 2016. E, de acordo com a Síntese de indicadores sociais (IBGE, 2019), continuou havendo aumento da pobreza em 2017 e 2018, embora o país já tivesse saído da recessão.
Ora, a Fundação Getúlio Vargas - FGV, estima que, por conta da crise econômica gerada pela pandemia, o PIB de 2020 poderá sofrer redução de 4,4% - a maior queda desde 1962 (aqui). Uma projeção um pouco mais recente, do Itaú Asset, prevê redução de 3,3%, e com impacto maior no setor de serviços, justamente aquele que mais emprega. Essa gestora afirma ainda que, mesmo havendo recuperação nos dois últimos trimestres deste ano, o ritmo deverá ser lento "seja pela volta ao dia a dia atrasada pelo medo de contágio, seja por efeitos colaterais do baixo crescimento prejudicando empresas e população" (aqui). Portanto, os dados de crescimento e pobreza para o triênio 2014-2016 permitem estimar, por comparação, que as medidas de isolamento praticadas no Brasil (embora descoordenadas em níveis federal, estadual e municipal), poderão produzir facilmente bem mais de um milhão de pessoas com nível subsaariano de pobreza monetária em apenas um ano!
E isso para não comentar que, de acordo com uma pesquisa divulgada em outubro do ano passado, e realizada por uma equipe de médicos e economistas, a crise econômica vivida pelo Brasil de 2012 a 2017 está relacionada a 31 mil mortes, sendo que o resultado dessa pesquisa foi publicado numa revista internacional da área de ciências da saúde (aqui). Não há soluções fáceis, pois não fazer nada pode matar muita gente, mas a recessão econômica gerada pelas medidas de isolamento horizontal também matam muitos milhares.
E vale dizer que essas péssimas projeções sobre o PIB de 2020 se baseiam na expectativa de que as políticas de isolamento atual durem por cerca de apenas um mês. Mas o que aconteceria se o Brasil fizesse uma política de "isolamento social extremo" de toda a população por tempo indefinido, e com perspectiva de durar, no mínimo, de 12 a 18 meses, conforme a recomendação do Imperial College of London? E se o Brasil praticasse essa mesma política de supressão (isolamento horizontal) de março até agosto, conforme propôs o epidemiologista Atila Iamarino, em um vídeo bastante compartilhado nas redes sociais?
Ora, se essas medidas extremamente radicais propostas pelos epidemiologistas vierem a ser praticadas no Brasil, poderá haver uma explosão da pobreza como nunca se viu aqui. A epidemiologia é uma ciência, mas a economia também é. Epidemiologistas podem projetar o que seria ideal fazer, mas é a economia que diz se existem recursos suficientes para chegar nesse ideal e quais são os efeitos sociais das medidas de isolamento, que podem matar até mais do que o Covid-19.
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IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da
população brasileira: 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2019 (Coleção Estudos e pesquisas. Informação demográfica e
socioeconômica, n. 40).
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