sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Eugênio Bucci esbanja "bullshit" ao falar da reforma do ensino médio

Eugênio Bucci é, sem dúvida, o pior articulista que a revista Época publica atualmente. Ele tem a esperteza de reconhecer fragilidades nos argumentos da esquerda para ser visto como um autor moderado e lúcido, mas, logo em seguida, agride os fatos e usa de muita bullshit para manipular as emoções de seus leitores em favor dos esquerdistas. 

No texto Ainda sobre ocupar escolas (Época, n. 961, 14 nov. 2016, p. 24), ele chama os invasores de escolas de "adolescentes" e de "estudantes", muito embora grande parte deles, ou talvez até a maioria, seja formada por adultos que nem sequer cursam o ensino médio. Depois, afirma isto:
Essa meninada (sic) tem razão? É muito fácil dizer que não tem. Os argumentos que apresenta são pouco elaborados, desinformados, mal fundamentados.
Depois de admitir esse fato, afirma que a desinformação é um problema geral no país, pois todo mundo debate sem muito conhecimento de causa. Pode até ser, mas há uma diferença crucial entre o cidadão que não busca informação sobre política, mas respeita as leis e as regras do jogo democrático, e gente que procura impor suas opiniões por meio da força - a desinformação destes últimos acaba sendo um mal até pequeno comparado às violências que praticam. Mas vejamos o exemplo que Bucci deu para sustentar a ideia de que a desinformação não é exclusiva dos invasores:
Estamos num país que cassou o mandato de uma presidente da República por decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso Nacional e, até agora, ninguém deu conta de explicar para as pessoas comuns, as que não são juristas, que crime de responsabilidade foi esse.
Isso prova que o jornalista Eugênio Bucci é tão mal informado sobre o que sai na imprensa quanto pessoas que não têm qualquer preocupação com política. No blog do jornalista Reinaldo Azevedo, por exemplo, diversos textos deram conta de explicar todos os crimes que a gestão Dilma cometeu contra a ordem tributária, textos esses que, inclusive, reproduziam literalmente os artigos e parágrafos da legislação que foram descumpridos na gestão dela. E se o problema é preguiça de ler, bem que Bucci podia ter visto o vídeo em que Felipe Moura Brasil explica didaticamente o que são as "pedaladas fiscais" e as razões de essa prática configurar crime de responsabilidade.

Mais adiante, ele procura fazer os leitores acreditarem que os invasores de escola representam uma geração inteira de adolescentes revoltados com as más perspectivas em termos de obtenção de empregos e de qualidade do ensino. Para tanto, cita a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas - Ubes, que apoiou as invasões. Ora, se ele não fosse tão desinformado quanto as pessoas que acusa de debater sem ler, saberia dos fatos que evidenciam que a Ubes é um aparelho do PT e que, por isso mesmo, não tem representatividade nenhuma junto aos estudantes. 

Mas a passagem do artigo que usa mais descaradamente de bullshit para manipular as emoções do leitor é a seguinte:
Um adolescente, quando ocupa a sua escola, não é massa de manobra dos partidos políticos. Não é um "inocente útil", como diziam os torturadores no tempo da ditadura militar. É alguém que, mesmo sem ter consciência, se apossa do que deveria ser seu desde o início, dando um sentido humano para um prédio desumano.
A bullshit é uma afirmação indiferente à verdade, i. e., uma afirmação que pode ou não corresponder aos fatos, visto que seu poder de convencimento não reside na veracidade, mas sim na capacidade de gerar uma resposta emocional. No caso, a afirmação de Bucci é uma bullshit do tipo que nem sequer corresponde aos fatos! Afinal, além de todas as evidências factuais do vínculo que UNE, UBES e outras organizações estudantis mantém com partidos de esquerda, Bucci ignora o claro teor corporativista da oposição à reforma do ensino médio. Ou alguém acredita que os estudantes secundaristas são contra uma reforma que vai dar a eles uma liberdade um pouco maior para escolher quais disciplinas vão estudar, conforme suas vocações? 

Nesse sentido, a comparação com justificativas usadas por torturadores do tempo da ditadura é intelectualmente desonesta, pois ignora os fatos atuais e mistura alhos com bugalhos para manipular as emoções dos leitores. E essa manipulação se escancara plenamente no encerramento do artigo:
O ensino brasileiro, agora, não precisa tanto de quem tem razão. Precisa mais de quem tem coração.
O ensino e o jornalismo precisam de pessoas que expliquem as mudanças em curso para o leitor não especializado se posicionar com melhor conhecimento de causa, não de grupos fascistoides que se impõem pela força e nem de jornalistas que, mesmo reconhecendo a inconsistência dos discursos desses grupos, usam de bullshit para tentar fazer a opinião pública simpatizar com gente violenta e autoritária. 

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3 comentários:

  1. Alguém que diz que o ensino brasileiro precisa "de quem tem coração", e não "de quem tem razão", não tem o mínimo conhecimento dos problemas educacionais do país. Muitas atrocidades que são feitas na escola se devem justamente à falta de razão - melhor dizendo, de conhecimento racional (científico), que possa embasar as práticas pedagógicas. Um dos expoentes do pensamento educacional brasileiro é Paulo Freire, cujas teorias são explicitamente baseadas na emoção; basta ler um livro como "Pedagogia da autonomia" para constatar isso. A propósito, se o construtivismo segue sendo aplicado em escolas brasileiras como método de alfabetização, isso só prova quanto nosso sistema educacional é irracional, pois cientificamente já é comprovado que o método fônico - famigerado pelos construtivistas - é o mais eficaz.
    Da mesma forma, é irracional quem pensa que um adolescente que estuda em torno de 15 disciplinas diferentes no ensino médio (ou até mais, conforme eu mesmo constatei em minha prática como docente) conseguirá aprender razoavelmente todas essas disciplinas. Em Sociologia, e.g., os alunos têm apenas um período de aula - período esse muitas vezes utilizado pelos professores para proselitismo político (de esquerda, evidentemente).
    Aliás, a própria Dilma defendeu, em sua campanha eleitoral de 2014, a reforma do ensino médio; basta procurar no YouTube os vídeos de sua campanha. Se ela ainda fosse a presidente e colocasse em prática essa reforma, será que haveria todas essas invasões e manifestações? Fica a pergunta.

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    1. É verdade, Jonathan. O discurso dominante na pedagogia brasileira desqualifica a razão e o método científico e propõem valorizar o "amor" e o "afeto", exatamente como dizem Freire e seus seguidores. Pensei em tratar dessa questão no texto, mas aí ele ficaria extenso demais. E o que você disse sobre a carga de disciplinas obrigatórias e a reforma proposta por Dilma também está perfeito. Eugênio Bucci, com essa conversa mole, só contribui para que nossa educação continue trilhando o caminho do fracasso. Mas com muito coração!

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  2. "O ensino e o jornalismo precisam de pessoas que expliquem as mudanças em curso para o leitor não especializado se posicionar com melhor conhecimento de causa"

    De fato, essas duas categorias, educadores/intelectuais e jornalistas, há tempos perderam a capacidade de tecer análises factuais sobre a realidade. Justamente, por esta não ser exatamente aquilo que seu credo ideológico aspira. Emersos pela bolha progressista que são as metrópoles e as universidades, os intelectuais e os grandes veículos de comunicação falharam miseravelmente neste 2016, sobretudo acerca do Brexit e sobre a vitória de Trump. Penso que "transição em marcha" e as "linhas alternativas de ordenamento do território", tão alardeadas por Santos e Haesbaert já tenham tentado levar a sociedade rumo aquele ideal de paraíso na terra, em que finalmente as "contradições" tenham sido superadas. Tentativa que vem demonstrando fracasso. A desconstrução autoritária e intransigente desses tempos pós-modernos, a esperança dos progressistas, parece ter tido o efeito contrário, embora pretensa por ser o último reduto da benevolência infinita, da ética inabalável e daquilo que almeja ser politicamente correto. A desconstrução autoritária, como a própria pós-modernidade, é baseada na instabilidade, na fluidez, na mutabilidade, na falta de segurança ao espírito. Não há surpresa, a não ser aos progressistas, que o grande público, em desespero, queira o retorno àquilo que remete estabilidade, seja a família, as tradições, a religião. O que para meia dúzia de intelectuais progressistas cheira a conservadorismo ou mesmo a fascismo, para o grande público não passa de um retorno à segurança. Volta-se, portanto, à garantia de que as instituições básicas para a sobrevivência mantenham-se intactas e preservadas da premente desconstrução de tudo que gera um mínimo de estabilidade.

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