A frase que serve de título para este texto é do geógrafo Wanderley Messias da Costa, que a proferiu durante uma aula de pós. Realmente, o primeiro e maior objetivo da ONU é convencer a opinião pública de que existe uma contraposição entre desempenho econômico e qualidade de vida para, com base nesse diagnóstico falso, propor soluções políticas voluntaristas e, assim, justificar o dinheiro despendido na manutenção e ampliação dos aparelhos técnicos e burocráticos da própria instituição.
Um ótimo exemplo disso é o conhecido Índice de Desenvolvimento Humano. O IDH nasceu com o objetivo principal de ser uma alternativa à visão "economicista" do Banco Mundial, que avaliava o desenvolvimento com base na renda per capita. Mas, conforme demonstra Hans Rosling, não há nada melhor do que comparar rankings de países segundo IDH e PIB per capita para constatar que os dois indicadores evoluem concomitantemente, de maneira que o crescimento econômico acaba sendo um indicador de melhoria de qualidade de vida através do tempo tão bom quanto o IDH (ver aqui).
Mas a ONU nunca se faz de rogada na batalha para convencer as pessoas de que crescimento econômico é secundário e que o mais importante é distribuir renda e elevar o percentual do PIB investido em políticas sociais. Em 2005, o Estadão Online chegou a publicar uma matéria com o título IDH Ratifica: País gasta pouco com ensino. A matéria informa que o Brasil havia melhorado sua posição no ranking mundial do IDH devido à trajetória dos seus indicadores de saúde e de educação, mas conclui pela necessidade de mais investimentos nesse último setor usando a opinião de especialistas cujos argumentos não derivam da análise do índice! De fato, embora o Relatório do Desenvolvimento Humano da ONU mostrasse que o Brasil gastava 4,2% do PIB com educação, e que esse percentual estava bem próximo daqueles verificados em países como Alemanha (4,6%) e Espanha (4,5%), o senhor Jorge Wertheim, representante da Unesco no Brasil, afirmava que isso ainda era muito pouco tendo em vista o enorme atraso histórico brasileiro nessa área...
Ora, não há dúvida de que o Brasil demorou muito para universalizar o ensino fundamental (algo que só ocorreu nos anos 1990) por conta de uma despreocupação histórica com o problema educacional que só foi revertida nas últimas décadas, conforme já notou Claudio de Moura Castro. Mas os dados relativos à evolução do IDH não provam, de maneira alguma, que elevar o percentual de gastos com educação iria fazer esses indicadores avançarem mais depressa do que já vem acontecendo. Assim como ocorre em praticamente todos os países do mundo, a posição do Brasil no ranking do IDH corresponde à posição em termos de PIB per capita. Logo, as conclusões corretas a extrair desse índice são duas: a) não existe evidência de que aumentar o percentual do PIB gasto com educação poderia acelerar o processo de melhora dos indicadores educacionais; b) a melhor maneira de elevar o investimento per capita em educação é acelerar o crescimento econômico brasileiro, que há décadas vem sendo medíocre.
Sim, a ONU é mesmo uma estatal mundial, como disse Messias da Costa: grande, cara, burocrática, lenta. E, acrescento eu, uma estatal de tipo brasileiro ou latino-americano, pois fabrica índices para medir problemas sociais reais ou imaginários e propõe soluções políticas voluntaristas no intuito de justificar a enormidade de dinheiro que se gasta com a instituição. Tanto é assim que um texto publicado no blog do diplomata Paulo Roberto de Almeida mostra que ninguém no mundo sabe dizer quantas pessoas trabalham para a ONU!
Professor, poderia passar sua opinião a respeito do texto deste link? Agradeço a atenção. Um abraço.
ResponderExcluirhttp://leorossatto.wordpress.com/2013/10/17/como-a-desigualdade-social-explica-o-videogame-de-r-4-mil/
Vou responder na forma de itens para ser mais rápido.
Excluir1. É certo que o Brasil ainda possui uma desigualdade de renda elevada em comparação com outros países com renda per capita semelhante.
2. O Brasil, aliás, é um caso raro de país que tem carga tributária muito alta e desigualdade de renda elevada. Na Europa, por exemplo, as pessoas pagam muitos impostos e a desigualdade é baixa.
3. Isso ocorre porque o Estado dá bolsa com uma mão e tira com outra.
3.1. Conforme o texto diz, e é verdade, a tributação brasileira é muito concentrada no consumo, o que gera concentração de renda, já que ricos e pobres pagam o mesmo imposto quando compram um produto qualquer.
3.2. A universalização dos serviços públicos, em países com alta desigualdade, sanciona as diferenças em vez de diminuí-las. A maioria dos alunos das universidades públicas pertencem às classes A e B (as cotas não mudaram essa realidade).
3.3. O sistema previdenciário beneficia os funcionários públicos, que ganham acima da média salarial brasileira, concentrando renda.
3.4. Políticas setoriais transferem renda para setores produtivos de baixa eficiência, como demonstra, por exemplo, as benesses da indústria naval.
3.5. A política de preços da Petrobrás também concentra renda, já que as classes de renda mais alta consomem mais gasolina do que as de baixa renda.
4. Outra causa importante da desigualdade é a má qualidade da educação pública. Ver a respeito os posts que publiquei neste blog sobre Joelmir Beting.
5. A conclusão principal do texto, de que o PS4 custa extremamente caro em virtude de haver uma pequena parcela da população que se dispõe a pagar os preços cobrados por esse produto, me parece correta. A menos, é claro, que haja mais algumas informações importantes para avaliar a questão que o autor do blog não citou. Se ficarmos só nas evidências que ele apresentou, porém, a conclusão me parece correta.
6. Todavia, é justamente por essa avaliação estar correta que não tem sentido ele dizer que os preços cobrados pela Sony, bem como os lucros dessa empresa, são "abusivos". Quando uma venda é realizada, significa que o preço estabelecido foi considerado satisfatório pelas duas partes envolvidas. Se os consumidores que podem pagar R$ 4 mil pelo PS4 acham que vale a pena fazer isso, não importa se tal decisão ocorre pelo desejo de obter status, como diz o autor, ou se é somente pela diversão que o aparelho traz. Cada um sabe o que faz com o seu dinheiro, cada um tem sua própria escala de valores. Logo, não tem sentido dizer que um preço é "abusivo" só porque não concordamos com as motivações que nós imaginamos que as pessoas têm quando efetuam uma compra. Afinal, há pessoas para as quais pagar um único centavo que seja por um videogame já é consumismo, já que esse produto seria supostamente inútil...
7. O que Marx chamava de fetichismo da meradoria não é isso que o autor diz. Para Marx, o fetichismo consistia na crença de que o valor das mercadorias é um atributo intrínseco a elas, quando seria, na verdade, o resultado de relações sociais de produção. Mas o autor sugere que fetichismo da mercadora é a crença de que um produto vale mais do que ele realmente vale, o que não é a mesma coisa que Marx afirmava.
8. Melhor é explicar o fenômeno com a teoria do valor marginal. Os consumidores brasileiros podem perfeitamente substituir o PS4 por outros videogames. Se não o fazem, é porque consideram que o PS4 tem uma qualidade superior. Isso implica dizer que a competição nesse nicho de mercado é baixa, pois os consumidores não consideram que o custo/benefício dos produtos alternativos compense. Portanto, o produto tem oferta escassa em relação à demanda, o que eleva seu valor marginal e, portanto, seu preço. Nesse sentido, o preço é justo, sim, ao contrário do que diz o autor do texto.
9. Os preços de um produto só podem ser considerados injustos quando o mercado, por um motivo ou outro, não é livre. Não me parece que seja o caso. O que nós podemos fazer é lutar para reduzir os impostos sobre o consumo.
Para constar, a Sony está divulgando informações segundo as quais 63% do preço final do PS4 decorre da cobrança de impostos e taxas, conforme a notícia publicada aqui: http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/sony-explica-preco-de-3999-do-ps4-no-brasil-2524-reais-sao-impostos
ExcluirSe essas informações estiverem corretas, o problema maior não é a concentração de renda e nem os lucros "abusivos" da empresa, mas o protecionismo industrial brasileiro e o excesso de taxação do consumo.