domingo, 10 de janeiro de 2016

A eterna insistência desenvolvimentista

Os intelectuais socialistas são conhecidos por insistir na defesa de um modelo de economia que fracassou completa e miseravelmente. Mas os desenvolvimentistas, de direita ou de esquerda, não ficam atrás quando se trata de defender ideias que já foram postas em prática com resultados negativos. Exemplo disso é o texto Condicionantes da inovação tecnológica na Argentina e no Brasil (Gonçalves; Lemos; De Negri, 2007). Ao analisar os problemas de atraso tecnológico na indústria desses países, os autores dizem:
Segundo Ranis (1984), a adoção da política de substituição de importações prejudicou a atividade tecnológica local por razões associadas ao objetivo de "conseguir coisas prontas", disponíveis no mercado mundial de tecnologias. A ênfase foi sobre acumulação física e não sobre a eficiência, colocando-se o problema da escolha de tecnologias apropriadas. Além disso, o sistema de proteção tarifária distorce os preços de fatores e produtos, criando-se lucros extraordinários para a classe empresarial, a qual se tornou menos interessada em buscar oportunidades tecnológicas locais. Outra característica importante do modelo de substituição de importações foi o estímulo que ele colocou sobre a livre entrada de  bens de capital, enquanto houve a proteção de segmentos de bens intermediários e finais com o sistema de proteção tarifária.
É mister destacar que esse tipo de crítica, recorrente na literatura, às políticas de substituição de importações é mais apropriado para o modelo adotado nos países latino-americanos, em que os condicionantes e reciprocidades do apoio à indústria infante foram em geral frouxos ou inexistentes. Como evidenciam Okimoto (1989) e Amsden (1989), as experiências dos países do sudeste asiático, em especial Japão e Coreia do Sul, mostram que o estabelecimento de regras de reciprocidades de desempenho (inovador e exportador) e de prazos (transitoriedade do apoio e cumprimento das reciprocidades) viabilizam uma sincronização entre os sucessivos estágios de substituição estrutural para o crescimento de longo prazo (Localização, 2)[*].
Ora, o grande problema com essa réplica dos autores aos críticos das políticas desenvolvimentistas é que, conforme Michael Porter avisava em 1990, esses exemplos de sucesso do Japão e da Coreia do Sul já então estavam completamente datados. E não vou nem comentar a avaliação de Porter sobre os vários fracassos das políticas industriais desses países (caso do programa coreano para desenvolvimento da indústria química) e nem que, segundo a pesquisa que ele coordenou, as políticas que realmente ajudaram Coreia e Japão a ganhar competitividade industrial não foram as políticas industriais, mas sim a política educacional e outras que contribuíram para melhorar a infraestrutura e demais fatores de produção (Porter, 1993). 

De fato, mesmo que aceitemos sem questionar a afirmação de que os países asiáticos provam a eficiência potencial das políticas desenvolvimentistas, não há como negar que os defensores dessas políticas estão há décadas sem ter mais nenhum suposto exemplo de sucesso para mostrar. Afinal, não é à toa que os dois estudos que os autores citam para provar a eficiência das políticas asiáticas sejam de 1989: é que, de lá para cá, não surgiu mais nenhum exemplo de sucesso das políticas de substituição de importações! E vale lembrar que a trajetória japonesa de baixo crescimento econômico, que dura até hoje, começou em 1990...

A atuação dos Estados da América Latina é tão fortemente prejudicada por um viés ideológico anticapitalista, bem como pelo patrimonialismo, corporativismo, clientelismo e corrupção, que, depois de quase um século de nacional-desenvolvimentismo, já era para os economistas terem se conformado com a ideia de que nós jamais teremos políticas industriais à moda japonesa e coreana por aqui. E, se isso não basta para eles desistirem, ao menos poderiam se tocar quando citam supostos exemplos de sucesso que, em 1989, já eram velhos.

E não vou nem falar em operação Zelotes, CPI do BNDES e prisão do Bumlai para mostrar que o desenvolvimentismo brasileiro costuma ser ainda muito pior do que os economistas contrários a esse modelo dizem.

[*] OBS.: O que os autores chamam de sincronizar os estágios de "substituição estrutural" é a passagem da industrialização por substituição de importações para um política de substituição de exportações, ou seja, mudar a pauta exportadora nacional de um perfil baseado em commodities para outro baseado em bens industrializados.

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GONÇALVES; E.; LEMOS, M. B.; DE NEGRI, J. Condicionantes da  inovação tecnológica na Argentina e no Brasil. Encontro Nacional da Anpec, 2007. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2007/artigos/A07A117.pdf> Acesso em: 11 maio 2014.

PORTER, M. E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993.

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