Uma ideia repetida à exaustão pela maioria dos especialistas brasileiros em economia regional - e até por alguns economistas de outras áreas - é a de que o livre mercado não promove automaticamente a redução das desigualdades regionais de renda e a localização ótima de recursos. Sendo assim, qualquer movimento de desconcentração econômica induzido pelo mercado será insuficiente para gerar uma diminuição significativa das desigualdades regionais, fazendo-se necessário que o Estado implemente políticas regionais explícitas para chegar a tal resultado (Diniz Filho, 2005).
Nos anos 1990, autores como Wilson Cano, Tânia B. Araújo, Clélio C. Diniz, Mauro B. Lemos, entre outros, vaticinaram que, com a abertura da economia e a redução do intervencionismo estatal, a atividade econômica tenderia a continuar concentrada no Sudeste, ou até a concentrar-se ainda mais "nas regiões desenvolvidas". A fórmula era simples: quanto mais livre o comércio externo, maior desigualdade regional; com mercado protegido e políticas regionais explícitas, menor a desigualdade.
Bem, eu já demonstrei que as previsões desses autores fracassaram completamente, pois a verdade é que a abertura da economia e demais reformas dos anos 1990 tiveram o efeito inverso: favoreceram uma desconcentração das atividades produtivas induzida pela própria lógica do mercado (Diniz Filho, 2000; 2005). Neste post, vou apresentar os resultados de uma pesquisa feita por Vladimir Fernandes Maciel, o qual, embora usando um aporte teórico e metodológico bem diferente do meu, demonstra não só que a abertura econômica induz à desconcentração industrial como também que as políticas protecionistas contribuem muito para a extrema concentração espacial da economia nos países de industrialização tardia.
A Nova Geografia Econômica
Maciel começa por destacar que, quando autores como aqueles que eu citei afirmam que a abertura ao comércio exterior aumenta as desigualdades regionais, estão negando uma conclusão central da chamada Nova Geografia Econômica. De fato, autores como Fujita, Krugman e Venables afirmam que, quando a economia é voltada primordialmente para o mercado interno, as empresas tendem a se concentrar em uma ou duas capitais para terem melhor acesso aos insumos produzidos no país (encadeamentos produtivos entre setores) e também ao mercado consumidor. Mas, quando a economia é mais aberta, a vantagem da localização nesses centros diminui muito, pois é possível utilizar mais intensamente insumos importados (Maciel, 2003, p. 46).
Além disso, quando empresas podem utilizar mais insumos importados, tendem a ganhar vantagem competitiva internacional, exportando mais. Isso faz com que as cidades médias fora das regiões metropolitanas tenham muito mais oportunidades de crescimento, pois, ao invés de se converterem em "periferias" que fornecem matérias primas para o principal centro econômico do país, podem utilizar suas vantagens comparativas locais para vender produtos no mercado internacional, alcançando um desenvolvimento mais rápido do que o das metrópoles e capitais.
Segundo os autores dessa corrente, os custos de transporte e as políticas protecionistas, extensamente praticadas nos países de industrialização tardia, explicam a razão de as desigualdades regionais serem muito maiores nesses países do que no mundo desenvolvido. Evidência: em 1985, das 100 maiores aglomerações urbanas do mundo, 60 ficavam nos países em desenvolvimento, sendo que, das 11 metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes, nada menos que 7 ficavam nesses países.
O Brasil de ponta cabeça
Com base nas informações de emprego da PNAD e da RAIS, o autor utiliza alguns modelos econométricos para testar aquelas teorias no estudo do caso brasileiro. Duas conclusões dessa pesquisa são, conforme Maciel (2003, p. 61):
a) "O processo de substituição de importações capitaneado pelo Estado acentuou sobremaneira as desigualdades e, dadas as características das indústrias implantadas, resultou em concentração industrial";
b) A abertura comercial ocorrida nos anos 1990 favoreceu o crescimento mais rápido do emprego industrial nas cidades médias, ao contrário do que aconteceu nas metrópoles e capitais.
Nesse sentido, podemos concluir (embora o autor não diga isso) que tal pesquisa contribui para corroborar duas assertivas dos críticos das políticas desenvolvimentistas, a saber: os problemas do mercado se corrigem com mais mercado e as políticas intervencionistas, ao tentarem produzir um resultado qualquer, geram efeitos colaterais que pedem outras formas de intervenção para serem corrigidos, num ciclo vicioso cujo resultado final é o contrário do esperado pelos defensores do intervencionismo: mais atraso industrial com mais desigualdade regional.
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DINIZ FILHO, L. L. A dinâmica regional recente no Brasil: desconcentração seletiva com internacionalização da economia internacional. São Paulo: Tese (Doutorado) USP/Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, 2000.
DINIZ FILHO, L. L. Para onde irão as indústrias? In: ALBUQUERQUE, E. S. (org.). Que país é esse? : pensando o Brasil contemporâneo. 1. ed. São Paulo: Globo, 2005.
MACIEL, V. F. Abertura comercial e localização da atividade industrial. Revista de Economia Mackenzie, Ano 1, n.1, p. 37-64, 2003.
Muito bom, Diniz. Embora eu tivesse a noção, até porque vivi esta mudança (parcial) com a entrada do Plano Real, de que a abertura (Collor) e a estabilização cambial permitissem a expansão dos pequenos negócios, esta abordagem em escala mais ampla me pareceu perfeitamente lógica.
ResponderExcluirSim, perfeitamente lógica. Mas nossos economistas regionais veem a lógica de ponta cabeça...
ExcluirNa verdade a "criação" de um polo de crescimento tem alguns efeitos positivos para a localidade e, num processo de espraiamento, com o passar do tempo "deveria" ocorrer o efeito de gotejamento na vizinhança.
ResponderExcluirMas o que acontece é que a criação de pólos é um tanto quanto horrenda no Brasil (isso pensando no que você disse no post). Criasse mandarins e amigos do "rei" no poló e toda a infraestrutura do pólo é sobrecarregada diante das ineficiências... E assim vai-se aglomerando no distrito industrial do pólo et. alie., já que a vizinhança não tem suporte para crescer.
É exatamente como você disse Diniz: "Mas nossos economistas regionais veem a lógica de ponta cabeça..."
Esse seu comentário sobre a má qualidade dos "polos" nos países em desenvolvimento é muito pertinente. Tanto que Krugman e Livas já afirmaram que as metrópoles do Terceiro Mundo são "Romas sem império".
ExcluirTexto divulgado (link) no grupo: Geógrafos Capitalistas!
ResponderExcluirOpa, não sabia da existência desse grupo. Mas o link que você indicou não saiu. Por favor, mande outro comentário com o link, até para eu poder indicar na barra lateral do blog.
ExcluirEncontrei-os no facebook: https://www.facebook.com/groups/495368077301769/
ExcluirEsse grupo é no novo e publiquei esse texto lá e indiquei o link do blog.
ResponderExcluirMas seria muito legal se vc tb participasse do Blog tb.
Link do Grupo: http://zip.net/bysN54
Eu agradeço muito o convite, Leandro, mas não tenho Facebook e pretendo continuar de fora. Mas vou colocar o link do Grupo na barra lateral do blog. Parabéns pela iniciativa!
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