Acabou de sair um artigo na Revista da Anpege que desafina o coro dos pesquisadores do agro que, movidos por uma mistura de agrarismo ingênuo com marxismo, teimam em acreditar que a reforma agrária é a solução para os problemas sociais no campo brasileiro.
O objeto da pesquisa é o Programa Vilas Rurais, instituído no âmbito do Programa Paraná 12 Meses, um amplo programa de desenvolvimento rural que vigorou entre 1997 e 2006, fruto de uma parceria entre o governo do estado do Paraná e o Banco Mundial. O Vilas Rurais visava combater a pobreza no campo e o êxodo rural mediante a distribuição de pequenos lotes de terra (em média, meio hectare) para famílias pobres que vivem na área rural ou nas periferias de pequenos municípios. Daí porque o principal público alvo do programa eram as famílias de trabalhadores volantes ou "boias frias". O diagnóstico que lhe servia de base é o de que, no contexto do "novo rural", as ocupações rurais não agrícolas e urbanas oferecem oportunidades de geração de renda superiores à agricultura, de modo que a pluriatividade constitui a melhor estratégia de sobrevivência para as famílias rurais (Zafalon, 2015).
Ora, os geógrafos rurais, como Bernardo Mançano Fernandes, atacaram o programa com o argumento principal de que, dada a pequena dimensão dos lotes, não era possível às famílias sobreviver da agricultura, o que as transformava numa reserva de mão de obra para o agronegócio e para atividades não agrícolas. Nesse sentido, uma política de reforma agrária seria mais eficiente como forma de combater a pobreza no campo e o êxodo rural.
Todavia, essa visão negativa do trabalho assalariado fora dos lotes é informada por uma ideologia agrarista e pela teoria marxista da exploração do trabalho, vieses de pensamento que impedem os críticos de perceber que a ênfase na pluriatividade é o maior mérito do Programa Vilas Rurais, tendo em vista que: a) muitos habitantes pobres da área rural e assentados pela reforma agrária não almejam viver da agricultura, algo a que vários pesquisadores já chamaram atenção, e a pesquisa de campo que dá base ao artigo confirmou; b) a rentabilidade da agricultura é hoje muito baixa, pois, devido à modernização agrícola, é preciso produzir em escala considerável para obter uma boa renda vendendo produtos tão baratos.
Tanto isso é verdade que, num texto recente, o próprio Fernandes reconheceu o seguinte:
Nos assentamentos, esse benefício [o Bolsa Família] alcançou 37% das famílias. Com base nos dados do Censo Agropecuário 2006, no Brasil a renda média mensal de uma família assentada era de R$ 500,55, sendo Rondônia o estado com menor renda, igual a R$ 176,54, e São Paulo, com a maior renda, de R$ 1.266,36. Os agricultores não se mantêm com uma renda tão baixa e é evidente que essa reforma agrária não atrairá novos trabalhadores rurais (Fernandes, 2013, p. 197).
Nesse sentido, não há evidência empírica de que a reforma agrária seja mais eficiente do que o Programa Vilas Rurais, ao contrário do que os críticos desse programa afirmam. O que existe é apenas a hipótese de que um modelo de reforma agrária diferente do que foi implementado até hoje poderia gerar resultados melhores do que os obtidos até o momento, como defende Fernandes no texto citado, o que reforça a conclusão de que a crítica à pequena extensão dos lotes nas vilas rurais deriva principalmente de pressupostos ideológicos.
É lamentável que Roberto Requião, em sua última passagem pelo governo estadual, tenha abortado o Vilas Rurais por pura tacanhice ideológica. Mas as Vilas Rurais criadas no governo Lerner continuam existindo e, embora a renda auferida pelos vileiros não seja muito diferente daquela obtida pelos assentados, não há dúvida de que esse programa gerou benefícios sociais ao tirar trabalhadores volantes das favelas, e isso a um custo muito inferior ao da reforma agrária e sem alimentar a violência no campo.
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ZAFALON, R. O potencial do Programa Vilas Rurais na promoção do desenvolvimento rural. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege). p.343-371, V.11, n.16, jul-dez.2015.
FERNANDES, B. M. A reforma agrária que o governo Lula fez e a que pode ser feita. In: SADER, E. (org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil, 2013.
ZAFALON, R. O potencial do Programa Vilas Rurais na promoção do desenvolvimento rural. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege). p.343-371, V.11, n.16, jul-dez.2015.
Diniz, poderia esclarecer qual seria o modelo de reforma agrária diferente do que foi implementado até hoje, proposto pelo Bernardo Mançano Fernandes no referido artigo? Obrigado;
ResponderExcluirNa verdade, ele não esclarece como seria o tal modelo alternativo que o governo Lula não implementou, mas que poderia ter implementado. Diz muito de passagem que as entidades de pesquisa agropecuária estatais deveriam investir para desenvolver "tecnologias adequadas para a pequena escala" (sic), e não passa muito disso. Nesse sentido, a crítica dele ao Vilas Rurais é ideológica porque não encontra respaldo na atual política de reforma agrária e também porque a alternativa que ele postula, além de nunca ter se concretizado, não tem clareza alguma!
ExcluirÉ como eu expliquei no livro POR UMA CRÍTICA DA GEOGRAFIA CRÍTICA. Os autores anticapitalistas gastam muito tempo malhando o que está posto, clamam por mudanças radicais, mas são incapazes de apresentar propostas de políticas públicas claras e detalhadas.
O que me assusta é quando a realidade "diz" algo importante, mas por razões espúrias de ideologia ela é obscurecida.
ResponderExcluirMesmo não sendo o meu objeto (geografia agrária), bastaram poucas visitas em campo para constatar o seguinte:
as grandes trocas populacionais ocorreram entre "as microrregiões de Santa Rita do Sapucaí e Pouso Alegre, seguidas de Alfenas e Poços de Caldas, bem como entre Alfenas e Varginha. O autor confere às trocas migratórias internas das microrregiões os maiores números devido à proximidade entre as cidades, assim as populações
migram a encontrar esperança em outros territórios para a conquista de emprego e melhoria financeira, por exemplo." Pág. 108.
"Foi possível observar, durante as atividades em campo, que a vinda de empreendimentos corporativos gera pressões às infraestruturas da cidade, como maior fluxo de veículos
e pessoas às vias inter e intra urbanas, migração de mão de obra entre as cidades e aumento dos custos locais, como aluguéis. Todas essas características
operam a concluir que a vinda de empresas às localidades pode não gerar os efeitos
esperados à economia local.
Assim, por detrás de um discurso em favor dos incentivos fiscais, visto como benéficos para
toda a sociedade, pode-se esconder um privilégio perverso a um pequeno grupo econômico." Pág. 108.
Ou seja, ir a campo e trabalhar dados podem confirmar ou refutar muitas "coisas". Já que, ao que tudo parece indicar, a ideologia serve para manter privilégios.