terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Socialismo, campesinato e sabedoria oriental: a soma de todos os males

Três coisas que a maioria dos intelectuais "críticos" adora fazer são: malhar o ocidente, malhar o capitalismo e idealizar o "campesinato". Pois vou apresentar mais um relato da jornalista Xinran, extraído da obra As boas mulheres da China: vozes ocultas (Companhia das Letras, 2003), para demonstrar como a China comunista provou que combinar socialismo, campesinato e a milenar "sabedoria oriental" resulta no cúmulo de tudo o que há de pior na face da Terra!



É a história de Shilin (os nomes verdadeiros foram mudados pela autora). Ela era filha de um general do Kuomitang e, ao contrário dos pais e irmãos, não conseguiu fugir para Taiwan quando a cidade onde moravam foi tomada pelo exército de Mao. Sua tia, Wang Yue, que também não conseguiu fugir, passou a cuidar da menina como se fosse sua mãe. A menina era sempre instruída a nunca contar a ninguém o nome do seu pai. Durante uma fuga, tiveram a sorte de ser acolhidas por uma família, que as protegeu mesmo depois de saber sobre suas identidades verdadeiras. Wang Yue até se casou com Guowei, o varão da família, que trabalhava como professor numa vila rural, e teve filhos com ele.

Shilin estudava na mesma escola em que o pai adotivo lecionava, e era uma excelente aluna. Tudo ia muito bem, até um dia em que aconteceu o seguinte:
Um menino mais velho quis abraçar Shilin, mas ela o rejeitou, dizendo-lhe que se comportasse. Furioso e envergonhado, ele apontou para ela e gritou: "Quem você pensa que é? Quem é o seu pai? Não há nem uma sombra de Wang Guowei no seu rosto. Vá para casa e pergunte à sua mãe com quem foi que ela dormiu para ter uma bastarda como você! Pare de fingir que é decente e pura". E mandou os meninos mais novos que estavam por perto xingar Shilin, ameaçando bater em quem desobedecesse. Guowei se enfureceu: sem a menor consideração pela dignidade da sua posição como professor e sem pensar nas consequências, foi procurar o garoto e lhe deu uma surra enorme (p. 193).
A menina ficou doente, mas se recuperou. Nunca mais foi a mesma, porém. Seu desempenho escolar já não era tão bom e, na escola, passou a ser muito calada. Mas o pior veio depois, quando ela já estava mais crescida: 
No início da Revolução Cultural, quando as relações extraconjugais eram vistas como um crime "contra-revolucionário", os guardas vermelhos rotularam Wang Yue de criminosa por ter tido Shilin antes de casar. Grávida do segundo filho, foi submetida a frequentes condenações públicas, mas nunca disse uma palavra. Wang Duo, Ling Tiu e Guowei foram presos e interrogados, mas os três sustentaram que não sabiam nada sobre o passado de Wang Yue e Shilin. Um dos guardas vermelhos que conduziram o interrogatório brutal foi o adolescente que tentara abraçar Shilin e fora espancado por Guowei. Humilhou a todos sem piedade, e bateu tanto em Guowei que lhe deixou o pé esquerdo com um defeito permanente (p. 194).
Os guardas vermelhos obrigaram Shilin a olhar pela janela enquanto interrogavam e torturavam a família Wang. Puxavam-lhe o cabelo e beliscavam-lhe as pálpebras para mantê-la acordada durante vários dias e noites e ver o pé de Guowei sangrando, Wang Yue segurando a barriga, Wang Duo e Liu Ting tremendo de medo, e o filhinho de Wang Yue chorando num canto. O rosto de Shilin permanecia sem expressão, mas ela suava e tremia. No momento em que os guardas vermelhos iam começar a bater no pé direito de Guowei com paus e porretes, Shilin gritou de repente, numa voz estridente e selvagem: "Não batam nele, não batam nele! Eles não são meus pais. O nome do meu pai é Zhang Zhongren, o nome da  minha mãe é Wang Xing, eles estão em Taiwan!" (p. 195). 
[...] Os guardas vermelhos lançaram as garras sobre os nomes que Shilin dissera. Com base na confirmação da sua filiação e em outras provas incriminatórias que alegaram haver apurado, a família Wang foi presa [durante dez anos!]. 
[...] No final dos anos 80, Wang Yue e Guowei [já libertados] toparam com um dos guardas vermelhos que os haviam perseguido. O  homem admitiu que, com exceção dos nomes dos pais de Shilin e de uma foto mostrando os líderes do Kuomintang, as provas contra Shilin e a família Wang tinham sido forjadas.
Shilin ficou mentalmente doente, mas o seu estado variava e havia dias em que estava melhor. Os guardas vermelhos a mandaram para uma área montanhosa em Hubei para ser "reeducada" pelos camponeses. Não podia trabalhar no campo devido à instabilidade mental, por isso lhe deram o trabalho relativamente leve de pastora. Logo os homens da aldeia começaram a inventar pretextos para subir até as vertentes remotas aonde Shilin levava as vacas para pastar. Tinham descoberto que, para fazê-la perder o controle, bastava perguntar: "Quem é o seu pai?" (p. 196). 
Ela se punha a rir e gritar loucamente, e em seguida desmaiava. Enquanto ela estava perturbada, os homens a estupravam. Se ela se debatia eles gritavam sem parar: "Quem é o seu pai? Você é bastarda?", até que ficava tão desorientada que cedia às ordens deles (idem). 
Uma avó de bom coração soube do que estava acontecendo ao ouvir um homem brigando com a esposa. [...] Levou Shilin para morar consigo, mas a jovem tinha perdido toda a noção de onde estava (idem).
No começo de 1989, Wang Yue e a família encontraram Shilin na aldeia em Hubei e levaram-na para casa. Shilin não os reconheceu e também eles mal a reconheceram depois de dez anos no interior. Wang Yue pediu que lhe fizessem um exame médico completo no hospital. Quando leu os resultados, adoeceu. Segundo o relatório, o torso de Shilin tinha cicatrizes de mordidas, parte de um mamilo fora arrancada e os lábios vaginais estavam dilacerados. O colo e o revestimento do útero estavam gravemente danificados, e os médicos encontraram um galho quebrado dentro dele. Não foram capazes de determinar  quanto tempo ela tivera aquele galho alojado no útero (idem). 
Depois de se recobrar, Wang Yue telefonou aos funcionários do Partido na aldeia de Hubei e disse que ia processá-los pelos maus tratos dispensados a Shilin. Os funcionários lhe imploraram que não fizesse isso: "Este lugar é muito pobre. Se todos os homens da aldeiam forem presos, as crianças vão passar fome". Wang Yue decidiu não processar. Ao desligar o telefone, pensou: "Deus os castigará" (p. 197).
Depois disso, Shilin foi internada num hospital psiquiátrico, de onde nunca mais saiu. Ela não fala e quase nunca reage a qualquer coisa que lhe digam ou mostrem. E essa é a síntese de socialismo, campesinato e cultura oriental.

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2 comentários:

  1. Que faz apologia a estes regimes comuna-assassinos nem imaginam o que é viver sob ele. A percepção à priori de espaço no ser humano, assim como seu egoísmo inviabilizam a convivência social. A única forma de agrupar pessoas por um objetivo comum é o incentivo, o livre mercado (O homem reage a incentivos (DINIZ, 2013)).

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  2. É chocante. Estas formas totalitárias só reforçam o barbarismo já presente e latente nestas sociedades. Seja com a limpeza étnica perpetrada nos Bálcãs durante os anos 90, seja na China pós-revolucionária ou no Oriente Médio e Índia atuais, isto só prova que a submissão feminina é condição para a manutenção do atraso. Horrível.

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