O repórter Rafael Moro Martins publicou um artigo no The Intercept Brasil que expõe muito bem a lógica de um peso e duas medidas com a qual a imprensa trata o problema do terrorismo no Brasil. No início do artigo, vemos que a conivência inegável de algumas autoridades do Distrito Federal com o vandalismo perpetrado no dia 08 de janeiro dá ao autor a oportunidade de dizer algumas coisas sensatas, o que acaba disfarçando o viés ideológico e a incoerência dos seus argumentos.
De fato, é preciso concordar quando o repórter diz que, nos últimos anos, a conduta de certos oficiais de polícia e militares que difamam as instituições democráticas, declaram simpatia pela ditadura de 64 e ainda apoiam policiais acusados de violência desmedida foi extremamente grave. E faz todo sentido relacionar a falta de punição para esse tipo de conduta com o vandalismo do dia 8, já que anos de ataques públicos à democracia (espelhados em boa medida nos discursos do próprio presidente da República) levaram à formação desses grupos radicalizados. No entanto, o artigo faz uma generalização indevida quando fala das forças de segurança:
Quem quer que esteja disposto a enxergar as coisas como são já percebeu que as polícias, as Forças Armadas, parte do Ministério Público, do poder Judiciário e da classe política não estão à altura dos papéis institucionais que a Constituição e a sociedade lhes confiaram (negrito meu).
Ora, essa generalização é falsa porque o próprio artigo que ele escreveu mostra que a polícia do Distrito Federal agiu de forma conivente devido ao fato de que o governador Ibaneis Rocha tem ideias afinadas com o bolsonarismo e, sendo assim, nomeou o delegado da Polícia Federal Anderson Torres como secretário da Segurança Pública, o mesmo Torres que já havia sido Ministro da Justiça de Bolsonaro, em 2021. Não se trata, pois, de um problema da polícia em geral, mas da polícia do DF.
No caso das Forças Armadas, a generalização é ainda mais falsa. Isso porque, embora seja notório que muitos militares de alto escalão já manifestaram apoio a Bolsonaro e ao regime de 64, e embora o repórter informe que os baderneiros contaram com a conivência das tropas militares responsáveis por proteger a sede do poder Executivo, nada disso apaga o fato de que a atuação das FA ao longo dos últimos anos mostra que o comando da instituição se manteve leal à Constituição. No ano passado, as FA não compraram a teoria conspiratória de que haveria fraude no sistema de urnas eletrônicas, na qual Bolsonaro tanto insistiu. E, agora que o vandalismo estourou, à revelia do próprio Bolsonaro, Lula decretou intervenção federal em Brasília, convocou o exército, e as ordens dele foram cumpridas. O exército botou na prisão os idiotas que pediam intervenção militar, e fez isso a mando do presidente eleito: Lula. É isso mesmo que se espera que as FA façam quando a ordem democrática está sob ameaça!
Além disso, o texto de Martins usa um argumento desonesto quando culpa parte da imprensa pelo vandalismo. Segundo ele, a culpa residiria no fato de que, pouco antes do início da baderna, a Folha se referiu aos bolsonaristas que tinham chegado a Brasília como "manifestantes". Mas como ele queria que aquelas pessoas fossem chamadas? Queria que a imprensa se referisse a elas como terroristas antes que começassem com a violência, ou seja, quando ainda não havia fato concreto que justificasse qualificá-las como terroristas? A verdade é que o autor cobra que a imprensa demonize a direita mesmo quando não houver fatos objetivos que justifiquem isso, mas disfarça esse chamado à perseguição política fazendo referência a um fato ex post, que foram os atos terroristas efetivamente cometidos por aqueles grupos no dia 08. Ora, é público e notório que, a partir do momento em que a violência explodiu, a imprensa usou a palavra "terrorista" para se referir aos vândalos, e é assim mesmo que a imprensa deve proceder: sem pré-julgamentos e usando as palavras adequadas para descrever os fatos concretamente observados.
Por fim, é o cúmulo da contradição usar um fato ex post como argumento para insinuar que pessoas de direita devem ser demonizadas mesmo quando não praticaram atos concretos que justifiquem isso e, ao mesmo tempo, não dizer absolutamente nada sobre o fato de que a imprensa (inclusive a Globo) chamou os terroristas de esquerda que incendiaram os Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Planejamento, em 2017, de "manifestantes". E olhe que, naquele caso, a imprensa continuou chamando os terroristas de esquerda de "manifestantes" mesmo depois que os Ministérios já estavam sendo depredados e incendiados!
Conclusão: o artigo publicado no The Intercept Brasil é de péssima qualidade, pois conta meia dúzia de verdades notórias para delas extrair uma narrativa ideológica simplificadora e incoerente com certos fatos que o autor omite.
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