terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Arbitrariedade de Alexandre de Moraes reflete o autoritarismo usual do STF

Em 2014, Reinaldo Azevedo (que então fazia jornalismo, em vez de militância petista) citou uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso na qual este atribuiu aos juízes a função de "empurrar a história". Em seguida, Azevedo lembrou que essa era também a função que Lênin atribuía a si mesmo! E continuou dizendo, com propriedade:

Não existe democracia sem um Poder Judiciário independente, mas essa independência tem balizas. A decisão que desrespeita ou ignora a letra da lei agride o regime democrático, ainda que sob o pretexto de aperfeiçoá-lo. Juízes também são produto da ordem legal que eventualmente transgridem. Pergunta-se a Barroso: aquele que manda às favas uma decisão judicial porque está 'empurrando a história' merece aplauso ou punição? Sempre se pode argumentar que há o jeito certo e o jeito errado de dar esse empurrãozinho, mas isso é guerrilha ideológica, não Estado de direito (Azevedo, 2014, p. 51).

Naquele tempo, o PT estava no poder, e vários ministros do STF eram (como ainda são) simpáticos à agenda da esquerda. Mas o mundo dá voltas e, anos depois, um presidente de direita bradava publicamente que iria desrespeitar certas decisões do STF. Bolsonaro estava absolutamente errado em agir dessa maneira, sem dúvida, mas um Tribunal que conta com um ministro capaz de fazer uma declaração como aquela de Barroso não é muito melhor do que um Bolsonaro. E Barroso nem sequer é o pior exemplo que podemos encontrar dentro do STF. Em entrevista ao jornal A Manhã, também em 2014, o ministro José Dias Toffoli afirmou, aos risos, que é correto um advogado roubar um processo para impedir uma ação de despejo (vídeo)!

Judiciário antidemocrático

Em 2022 e 2023, as ações de Alexandre de Moraes contra o golpismo bolsonarista (que culminou na depredação do dia 08 de janeiro) implicaram em jogar as leis e garantias individuais na lata do lixo, além da usurpação de prerrogativas do Poder Executivo, como o poder de polícia!

O argumento usado para justificar essas arbitrariedades é que ele está seguindo a teoria jurídica da "democracia militante". Essa teoria foi formulada em 1937, na Alemanha, no contexto da ascensão do nazismo. Sua justificativa é que a democracia, por excesso de tolerância com o facciosismo, pode destruir a si mesma, sendo então necessário restringir os direitos políticos daqueles que atentam contra as instituições democráticas. O próprio Moraes não chegou a alegar esse princípio para se justificar, mas ministros como Edson Fachin e Gilmar Mendes já vinham fazendo isso desde alguns anos antes (aqui).

Bem, é possível que a aplicação da tal "democracia militante" possa ser defensável em países que contam com um Poder Judiciário exemplar, no qual os magistrados estão todos profundamente imbuídos da concepção de que não lhes cabe legislar para "empurrar a história" e de que os maiores deveres éticos a ditar suas falas e condutas são a imparcialidade e o respeito às leis. Mas não é esse o caso do judiciário brasileiro, nem sequer do STF, conforme os exemplos de Barroso e Toffoli. E há muitos outros casos que confirmam isso, sendo que o próprio Reinaldo Azevedo (2014, p. 52-53) fez uma pequena lista:

  1. Uma juíza do Mato Grosso concedeu liminar (mais tarde, cassada) para impedir proprietários rurais de fazerem um leilão de seus produtos para custear serviços de segurança privada, sendo que o objetivo era se protegerem de invasões de terra. Como lembrou o jornalista, a juíza proibiu os proprietários rurais de se defenderem!
  2. "Em outubro [de 2013], um juiz negou liminar de reintegração de posse à reitoria da USP, invadida por delinquentes de extrema de esquerda". O argumento do juiz era o de que uma "luta social" (sic) só alcança poder de pressão se causar "transtorno"! Na verdade, a reitoria foi vandalizada...
  3. Esse mesmo juiz é membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD, a qual declarou publicamente, em apoio à ação de invasores, que "não é verdade que ninguém está acima da lei" (citado por AZEVEDO, 2014, p. 52).

E os descalabros não pararam por aí. Em 2016, a esquerda invadiu cerca de 800 escolas e 120 campi universitários, e as redes sociais foram usadas para defender o que era chamado de "ocupações". Então, um juiz federal:

[...] negou liminar para a desocupação do Instituto Federal de Educação de São Mateus (Ifes) em ação de reintegração de posse interposta pela direção da escola. A defesa dos estudantes que ocupam o Anexo II do campus está sendo feita pela Defensoria Pública da União, que alegou não se tratar de questão possessória, mas sim de um movimento que tem o objetivo de expressar o pensamento sobre questões que se põem no debate político nacional (grifos meus - aqui).

No mesmo ano, a citada AJD veio a público "[...] afirmar o direito à livre manifestação (sic) de estudantes que participam de movimentos de ocupação das escolas e universidades no Brasil, diante da violência institucional (sic!) que vêm sofrendo e da omissão do Estado em garantir seus direitos" (aqui).

Já em 2017, a esquerda vandalizou a Catedral de Brasília e oito ministérios, chegando a atear fogo nas sedes dos Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Planejamento. E o STF aplicou alguma "democracia militante" para coibir o golpismo da esquerda? Não! Esse princípio só foi aplicado quando a direita, em janeiro de 2023, decidiu copiar os métodos fascistoides que a esquerda já usava.

Ditadura de toga

Os fatos mostram que não é em nome da democracia que Moraes está violando as leis e garantias individuais. O respeito absoluto e irrestrito à ordem legal nunca foi um valor fundamental para o nosso sistema judiciário, o qual conta com muitos juízes, em todas as instâncias, que acham certo liberar determinados grupos da obrigação de respeitar as leis e que não veem problema algum em usurpar prerrogativas do Legislativo e do Executivo para "empurrar a história", censurar a imprensa e perseguir certos indivíduos. Portanto, se a teoria da "democracia militante" já é discutível quando considerada em termos gerais, em se tratando do caso brasileiro, não há dúvida de que sua aplicação é perigosa para a democracia, contrariando os objetivos alegados.

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AZEVEDO, R. Objeções de um rottweiler amoroso. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

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