Faz décadas que acadêmicos, ambientalistas, militantes políticos e burocratas da ONU esperneiam contra a ideia de que o crescimento econômico seja uma condição necessária para a elevação da qualidade de vida, especialmente dos mais pobres. Afirmam ser essa uma visão "economicista" que precisaria ser substituída por uma ética que colocasse o homem em primeiro lugar. Daí concederem muito mais importância à distribuição de renda do que ao crescimento econômico e insistirem que o importante não é a elevação da renda per capita em si mesma, mas a forma como as sociedades se organizam para transformar os frutos do crescimento econômico em qualidade de vida. E foi no contexto desse tipo de debate que surgiu o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, indicador síntese que, mesmo sem negar a importância social do crescimento da renda per capita, serviria como um indicador muito mais eficiente de qualidade de vida e, por conseguinte, um instrumento muito mais útil para o planejamento de políticas públicas do que a renda per capita tomada isoladamente.
Mas, ora veja, basta olhar qualquer ranking de países organizado segundo o IDH para constatar que as condições de saúde e de educação acompanham muito de perto o crescimento econômico de longo prazo, medido pela renda per capita. Isso deveria ser o óbvio ululante, posto que o valor do investimento per capita em educação e saúde só pode estar mesmo relacionado diretamente à renda per capita. Lembro-me de uma palestra, proferida no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap, no início dos anos 1990, em que o já falecido sociólogo Vilmar Farias alertava que, se o Brasil investisse 100% do PIB unicamente em políticas sociais, ainda assim o nosso investimento per capita nessas políticas seria um terço do investimento per capita feito na Alemanha. Daí ele concluir que, para melhorar a qualidade de vida no Brasil, a economia tinha de crescer muito mais.
No entanto, o alarde que se faz toda vez que sai uma nova fornada de informações sobre a evolução do IDH é tão grande que os jornalistas passaram a falar como se a renda per capita realmente não tivesse importância, mas apenas o montante e a qualidade dos gastos com políticas públicas de saúde e de educação - e como se o setor privado não desse uma preciosa contribuição para a melhoria da qualidade desses serviços, a depender do país considerado. Nesse sentido, é interessante ler as observações de Hans Rosling no texto HDI surprisingly similar to GDP/capita (IDH surpreendentemente similar ao PIB per capita), conforme segue:
[...] IDH tem a reputação de ser um indicador melhor do que o PIB per capita como medida do progresso das nações. Mas olhe um gráfico da correlação entre IDH e PIB per capita de todos os países do Gapminder World. Você vai se surpreender! [...] Se você excluir 6 países do lado direito dessa forte correlação que têm PIB per capita maior do que o IDH devido a petróleo ou diamantes; e se você excluir 6 ex-Repúblicas Soviéticas com economia em colapso mas com alfabetização ainda elevada no lado direito da correlação; você verá que o PIB per capita e o valor do IDH seguem um ao outro muito de perto, desde o pior colocado Congo até a melhor colocada Noruega. A razão parece ser que as nações hoje são surpreendentemente capazes de converter a renda nacional disponível (medida pelo PIB per capita) numa vida útil mais longa para as pessoas (medida pela expectativa de vida ao nascer) e no acesso à educação (medida pela média de anos de educação para adultos com idade de 25 anos e esperança de anos de escolaridade para crianças em idade de entrar na escola). Mas a razão também pode ser que as nações de hoje são muito boas na conversão de melhoria da saúde e da educação em crescimento econômico. Mais provavelmente, a causalidade vai em ambas as direções.Em conclusão: se você quer melhorar a saúde e a educação, ajuste o crescimento econômico. Se você quer acelerar o crescimento econômico, proporcione melhor educação e serviços de saúde. PIB per capita parece ser tão bom como medida de progresso das nações quanto o IDH [tradução livre].
As recentes notícias sobre o dito "salto do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal" brasileiro (que não aconteceu, como se vê abaixo) destacaram que os indicadores de educação permaneciam sendo o ponto fraco do desenvolvimento brasileiro. Na verdade, a trajetória medíocre do crescimento econômico deveria preocupar tanto quanto a má qualidade dos gastos com educação. Isso é perfeitamente lógico e até evidente. Mas, no mundo de hoje, lembrar o óbvio acaba sendo a coisa mais necessária e urgente a dizer.
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O que chama atenção a esta falsa dicotomia proposta por esta visão 'estruturalista', para a qual o 'social' suplanta o 'econômico' em importância é que não se percebe que a renda é apenas um indicador e, como tal, expressão relações... Relações estas em que um índice econômico não é algo independente, autônomo, isolado, desvinculado de relações de independência em relação à políticas populistas de distribuição de renda, clientelismo governamental, ao mesmo tempo em que expressa uma maior dependência à agentes econômicos; que falar em "maior renda" significa falar em empreendedores, profissionais melhor capacitados, maior produtividade etc., elementos que geralmente dependem de um nível educacional mínimo. Que não se trata de criar cotas para uma minoria de uma minoria, mas de multiplicar vagas em sistemas de ensino básico.
ResponderExcluirRealmente, a acusação de que os economistas que usam o PIB per capita para falar de desenvolvimento são "economicistas" ou "reducionistas" é uma das maiores falcatruas intelectuais do mundo atual. Quem afirma a importância e necessidade do crescimento econômico sabe muito bem que esse processo é um meio, não um fim em si mesmo, pois o crescimento cria condições para, e ao mesmo tempo se alimenta de, transformações na sociedade! Empreendedorismo, inovação tecnológica, educação... tudo isso está diretamente associado ao crescimento econômico, sendo o PIB per capita o melhor indicador para acompanhar esse processo.
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