Margaret Thatcher se elegeu primeira-ministra do Reino Unido em 1979, quando eu era adolescente, e ficou no cargo até 1990, quando eu estava concluindo a faculdade e já trabalhando como estagiário da Fundação Economia de Campinas - Fecamp. Por conta do que aprendi no ensino médio e também na universidade, tinha uma visão bastante negativa dela à época. Embora em 1990 eu já tivesse rompido com a ideia de socialismo, continuava bastante influenciado pelas teorias utilizadas no Instituto de Economia da Unicamp, as quais se baseiam principalmente em Marx e Keynes, mas também em algumas teses cepalinas, para propor a necessidade de uma forte intervenção do Estado na economia e na distribuição de renda.
De fato, as propostas heterodoxas de política econômica e industrial que eu mencionei na postagem anterior (aqui) eram fortemente defendidas pela turma da Unicamp, como vemos nos escritos de Maria da Conceição Tavares, João Manuel, Wilson Cano, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Luciano Coutinho, e muitos outros. Uma boa síntese dessas propostas, aliás, está no primeiro volume da Coleção São Paulo no Limiar do Século XXI (Seade, 1992) - eu trabalhei nessa pesquisa, mas contribuí apenas no volume 6, com textos sobre as tendências do comércio e do mercado imobiliário na Grande São Paulo.
Quem cantou de galo?
O fato é que essa turma sentenciava que, sob Margaret Thatcher, a Inglaterra havia tentado "cantar de galo" (expressão do Belluzzo) em seu esforço para aumentar a competitividade da economia, mas com resultados opostos aos pretendidos: os campeões da competitividade internacional seriam a Alemanha e o Japão, que, graças a um modelo de "capitalismo organizado", apresentavam desempenho muito superior em termos de crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda, e tudo isso sem destruir as "conquistas dos trabalhadores". Margaret Thatcher e Ronald Reagan, ditos "neoliberais", teriam promovido apenas desindustrialização, baixo crescimento econômico e aumento das desigualdades sociais.
Concordei com as coisas que essa gente escreveu, mas sei avaliar quando a realidade não corresponde ao que está no papel. Já no início dos anos 1990, o Japão entrou num ritmo de baixo crescimento que dura até hoje! A Suécia, outro país muito elogiado por esses autores, teve de promover reformas liberais para sair da estagnação econômica - hoje, o Estado do Bem-Estar sueco é sustentado pelo dinamismo de uma economia bastante aberta. E o Reino Unido, ao contrário do que diziam nossos intervencionistas, começou a se beneficiar das reformas realizadas por Thatcher já na segunda metade dos anos 1980, o que se verificou pela aceleração do crescimento econômico, pelo aumento da produtividade do trabalho e pelo dinamismo empreendedor. Na década seguinte, tanto EUA quanto Reino Unido viveram um longo período de crescimento com baixo desemprego, enquanto a Alemanha e o Japão experimentaram situações opostas.
Questão de competitividade
No final das contas, quem acertou na avaliação comparativa desses países foi o economista americano Michael Porter, em seu livro A vantagem competitiva das nações (1993), cuja primeira edição é de 1990. Ele baixou a bola desses que viviam cantando as glórias do planejamento estatal de países como Japão e Coreia do Sul, ao alertar que os exemplos de sucesso extraídos das experiências desses países eram datados.
Ao mesmo tempo, esse autor ressaltou que, embora fosse muito difícil um país que conseguiu atingir altos níveis de riqueza e de competitividade chegar a perder o que conquistou, havia dois exemplos para provar que esse perigo existe: Argentina e Inglaterra. Ambos experimentaram processos de decadência econômica que se arrastaram por várias décadas em virtude de um intervencionismo estatal que fez a economia perder a capacidade de elevação rápida da produtividade do trabalho. O que diferenciou a trajetória dos dois países é que, no caso da Inglaterra, os anos 1980 foram marcados pelas vigorosas reformas implantadas por Margaret Thatcher com vistas a ampliar a competitividade, as quais Porter qualifica como até muito mais efetivas e consistentes com esse objetivo que aquelas executadas por Reagan no mesmo período. Agora comparem a Argentina dos Kirchner com o Reino Unido atual para ver a diferença.
Uma lágrima
Parodiando o jornalista Daniel Piza (que faleceu muito cedo, infelizmente!) encerro dedicando uma lágrima em memória de Margaret Thatcher e agradeço a ela por haver demonstrado, na prática, quais teorias eram mais adequadas como suporte para a elaboração de políticas de competitividade. Ah, e sem esquecer que, embora ela tenha deixado o cargo em grande parte, ou até principalmente, por sua oposição ao projeto de integração europeia, a crise atual da UE demonstra que, mais uma vez, ela estava certa em muitas coisas!
Postagens relacionadas:
PORTER, M. E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993.
SEADE. Cenários e diagnósticos: a economia no Brasil e no mundo. São Paulo: Seade, 1992 (Coleção São Paulo no Limiar do Século XXI, 1).
Professor, a pergunta que fica é: se os países que se reestruturaram economicamente através do planejamento estatal - diga-se de passagem bem feito - e pagaram caro pela dependência econômica do estado, onde entraria o Brasil - com seu planejamento estatal feito "às coxas" - nessa história toda?
ResponderExcluirProfessor, você poderia comentar o relato (não esquerdista) desse jornalista esportivo inglês da BBC, num programa esportivo da sportv, complementado pelos seus pares brasileiros da globo e da sportv?
ResponderExcluirhttp://globotv.globo.com/sportv/redacao-sportv/v/tim-vickery-sobre-margareth-thatcher-estou-de-luto-pelo-dia-em-que-ela-nasceu/2506411/