quarta-feira, 10 de abril de 2013

Professores fazem doutrinação por terem sido igualmente doutrinados

Aqui está outro post que escrevi para dar uma resposta mais elaborada a um comentário, o qual foi publicado em Geografia escolar despreza a boa ideia de Yves Lacoste. Vejamos o inicio do comentário:
Não concordo que na maior parte das vezes quem escolhe o livro é o professor. Isso não ocorre nem mesmo nas escolas públicas, onde, EM TESE, o professor escolhe 3 livros e o Estado escolhe o mais viável (barato). Mas na prática, nem isso acontece, mesmo esse processo, em que os livros são pré-selecionados pelo Estado e depois pelo professor, não costuma ocorrer assim. Nas particulares então nem se fala, a maioria já trabalha com seus livros e metodologias, às quais os professores se adaptam, quando não adotam sistemas de ensino apostilado. Nesses escolas, quanto mais conceituadas a tendência é maior, muitas vezes os professores nem tem muita opção de acreditar ou não nas visões distorcidas dos livros, simplesmente não podem descredibilizar o material didático que costuma ser um trunfo das escolas, suas supostas garantias de qualidade.
[...] O seu terceiro parágrafo eu concordo, mas não acho que sejam tantos os professores que defendem o PT tão abertamente.

O autor diz que os professores são obrigados a transmitir um conteúdo com viés ideológico porque têm de seguir os livros didáticos, mas é curioso notar que várias pessoas já comentaram o oposto neste blog, ou seja, que o conteúdo desses livros não seria evidência de doutrinação porque os professores os utilizariam apenas como material de apoio...

De qualquer forma, o comentário não justifica a afirmação de que, nas escolas públicas, não são os professores que escolhem os livros. Pelo contrário, o texto confirmou que são eles que escolhem os livros das listas oferecidas pelo Estado (cabendo a este último apenas verificar quais itens escolhidos estão mais em conta) sem explicar a razão pela qual as coisas funcionariam assim apenas "em tese". Aliás, eu já fui a uma reunião na escola (pública) onde meu filho estudava para reclamar dos livros didáticos - as cartilhas do Mário Schmidt e da Marilena Chaui - , e os professores reconheceram que a escolha foi deles. 

Mais adiante, o comentário acaba incorrendo em contradição. Vejamos:
Quem transmite imagens mentirosas do Brasil e do Mundo são os livros didáticos, os professores reproduzem o que lhes chega em mãos como material de trabalho com o aval do Estado, ou do diretor da escola particular. Os professores não deviam mesmo confiar muito nos livros, mas o fato é que são mal formados e essa desconfiança não é incentivada por ninguém, a começar pelo discurso dos livros, invariavelmente monológicos e peremptórios (você mesmo já fez observações interessantes a respeito da desatenção para a variedade de explicações).
Dizer que os professores não desconfiam dos livros por serem "mal formados" acaba por dar razão ao meu diagnóstico de que os professores usam esses livros porque concordam com seus conteúdos e concordam com seus conteúdos porque aprenderam no ensino médio e na faculdade as mesmas coisas que estão escritas nesses livros. A geografia rural é exemplar nesse sentido: o que está escrito nos livros didáticos são as mesmas bobagens que os pesquisadores da área escrevem em seus textos acadêmicos e expõem em suas palestras. Ver a respeito o artigo Agricultura e mercado no Brasil. Trato mais a respeito disso no livro Por uma crítica da geografia crítica, ainda no prelo.

Uma pesquisa necessária, realmente

Ao final, o comentário diz o seguinte:
Por isso chamo atenção para a produção dos livros didáticos e sistemas de ensino, quem os faz e em quais condições? Quais as mudanças em relação aos anos 1960? Um começo necessário para esta discussão é descobrir qual livro a escola da filha do autor utiliza.
Estou de acordo que esse é um tema importante de investigação. Tanto que já publiquei um texto na revista Conhecimento Prático Geografia para tratar disso: A doutrinação no ensino brasileiro de geografia

Sobre o livro que a filha dele usa, já mandei um e-mail perguntando qual é para eu poder mandar cópia do texto que ele escreveu para o site Escola Sem Partido, mas ele ainda não teve tempo de me responder. De todo modo, não acho que isso faça diferença, pois os livros didáticos de geografia são bastante homogêneos quanto ao viés ideológico dos conteúdos, conforme eu já verifiquei nos meus levantamentos e foi confirmado por outras pesquisas. Nem mesmo o fato de uma escola ser pública ou privada faz diferença. Trato disso com mais detalhes no livro Por uma crítica da geografia crítica, mas vou publicar um outro post resumindo as evidências que estão no livro e acrescentando mais algumas específicas para o caso das escolas privadas. Assim a minha resposta ao comentário ficará completa.

Encerro indicando algumas postagens deste blog que tratam da doutrinação em perspectiva histórica, tal como sugerido no comentário:

2 comentários:

  1. Diniz, o comentário deste, eu suponho, professor é interessante porque toca em um ponto que muitas vezes passa batido, sem que tenhamos dado a devida atenção. Ele diz que o fato do professor escolher (eu diria sugerir), três livros didáticos para as secretarias de educação, municipais ou estaduais proferirem o veredicto final, não implica que ele tenha muita influência no processo decisório e, portanto, em sua capacidade de doutrinar. Ora, a premissa do comentário é equivocada, pois a capacidade de doutrinação não tem uma forçante formal, não é porque o estado ou município vaticina algo que os professores consentem. Se fosse assim tão simples, não teríamos oposição na ditadura porque o que mais tínhamos era censura e nem por isto professores, artistas e, muito menos, alunos concordavam com a ideologia oficial e sua propaganda. Ele diz que nas escolas particulares é bem pior porque, muitas vezes, se adota o sistema apostilado onde “tudo já vem pronto”. Outro equívoco, o que uma escola particular quer é que seu aluno fique satisfeito e não haja reclamações dos pais (daí a difícil tarefa de lidar com indisciplina, sobretudo quando ela é majoritária). Portanto, se o professor entrar com camiseta do Che Guevara na aula de História ou Geografia(!), mas for um “professor-show”, i.e., um entertainer ou, de modo menos adocicado, um palhaço está valendo. Eu já vi vários casos, que não creio ser a maioria, em que professores seduziam alunos (sobretudo alunas com seu charme de gigolô) e se faziam de amigos de adolescentes com seus crônicos déficits de presença paternal. Em um dos mais bizarros casos que vi, um professor de história entrou assoviando e cantarolando em sala de aula após o atentado de 11 de setembro nos EUA. Mais tarde ele se tornou um vereador em Santos, SP... Em suma, tem IBOPE? Os professores pintam e bordam. E se for em escola pública, nas quais a aceitação por parte dos alunos não é levada em conta como no setor privado? Se o professor concursado já tiver obtido sua estabilidade estatutária, eles também pintam e bordam.

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    1. O comentário, longo, ensejou um post em meu blog: http://inter-ceptor.blogspot.com.br/2013/04/doutrinacao-e-empulhacao-no-ensino-de.html

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