sábado, 10 de agosto de 2013

Não houve "salto no IDH-M", mas mudança na forma de cálculo

O Brasil vem melhorando há muitas décadas
Anunciaram recentemente os resultados de uma pesquisa que apresenta a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM, para o período que vai de 1990 a 2010. Os petralhas que agem na internet ficaram excitados! Nem bem saíram as primeiras notícias sobre o assunto, comecei a receber e-mails que falavam de um enorme "salto" de qualidade de vida que teria ocorrido nos últimos vinte anos. Vejamos as informações em que essa gente se baseia para vender tal ideia:
O Índice do Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, divulgado nesta segunda-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revela o avanço do Brasil nos últimos 20 anos, mas também um quadro em que a educação se mantém como o principal desafio do país. Entre 1991 e 2010, o índice geral cresceu 47,5% – de 0,493 para 0,727. Feito com base no IDH global, publicado anualmente pelo PNUD, esse índice é composto por três variáveis: vida longa e saudável (longevidade), acesso ao conhecimento (educação) e padrão de vida (renda). O desempenho de uma determinada localidade é melhor quanto mais próximo o indicador for do número um.
A classificação do IDHM do Brasil mudou de "muito baixo" (0,493 em 1991) para "alto" (0,727 em 2010). É considerado "muito baixo" o IDHM inferior a 0,499, enquanto que a pesquisa chama de "alto" o indicador que varia de 0,700 a 0,799. Segundo os dados, 74% dos municípios brasileiros (4.122) estão com índices entre "médio" e "alto", e 25% deles (1.431) figuram nas faixas de "baixo" e "muito baixo" (Matéria completa aqui).
Esses números só impressionam quem não tinha visto os resultados das pesquisas anteriores. Conforme a figura acima, extraída de uma pesquisa realizada pelas mesmas instituições que agora divulgam o novo IDHM, houve um grande salto de desenvolvimento humano no período que vai de 1970 a 1991. Nesse primeiro ano, a maior parte dos municípios brasileiros tinha IDHM inferior a 0,500, sendo que, no Nordeste, quase todos estavam no nível "baixo", que ia até 0,300. Já em 1991, o que se vê é a quase inexistência de municípios com IDHM baixo, ao passo que, em quase todo o Sul e Sudeste, os índices se situavam na faixa média, que ia de 0,650 até 0,800. Nesse último ano, aparecem também os primeiros municípios com IDHM elevado, isto é, superior a 0,800: São Caetano, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, etc.

Mas como é então que, de uma hora para outra, municípios cujos índices para 1991 eram classificados como de nível "médio" despencaram para "muito baixo" e, depois, subiram até chegar no "alto"? Simplesmente porque houve mudanças no método de cálculo do IDHM e também nos critérios que definem os limites das faixas de classificação dos municípios! Note-se, por exemplo, que era preciso ter índices superiores a 0,800 para atingir a classificação "alto" na pesquisa de 1998, ao passo que, nesta última edição, basta ficar na faixa de 0,700 a 0,799.

Mas pior ainda é a forma como a pequisa mais recente define o nível "muito baixo". Conforme a passagem da matéria da Veja OnLine citada acima, a categoria "muito baixo" abrange os municípios com índices que vão até 0,499. Ora, isso é metade da escala que vai de 0,0 até 1,0! Enquanto isso, a outra metade, que vai de 0,500 a 1,000, é dividida nas categorias "baixo", "médio", "alto" e "muito alto". Assim é óbvio que fica fácil haver um grande número de municípios que passam de "muito baixo" para "alto", posto que a distância numérica entre uma categoria e outra é pequena.

Com efeito, na pesquisa de 1998, conforme a figura, a distância entre o limite superior da categoria "baixo" e o limite inferior da categoria "alto" era de 0,501. Já na pesquisa recente, a distância entre o limite superior da categoria "muito baixo" e o limite inferior da categoria "alto" é de 0,201. Essa forma de classificação de municípios nada mais é do que uma "matemágica" que cria a falsa impressão de que houve um grande salto de qualidade de vida onde isso não aconteceu de forma alguma!

E se nós recalculássemos o IDHM de 2010 seguindo a fórmula antiga? Conversei a respeito com um geógrafo amigo meu e ele produziu uma tabela com dados recalculados para os municípios do Paraná nos anos de 2000 e 2010. Os resultados são bem interessantes, mas vou deixar essa questão para outra hora. É possível que eu e ele venhamos a escrever um texto a respeito, com dados para todos os municípios brasileiros.

Por hora, as séries históricas e a comparação dos dados acima deixam as seguintes conclusões:
  • É óbvio que a qualidade de vida melhorou no Brasil durante os últimos vinte anos, pois esse é um processo que já vem acontecendo há muitas décadas, ininterruptamente, e em quase todas as regiões do globo;
  • A nova fórmula de cálculo do IDHM gera resultados tão díspares na comparação com pesquisas anteriores que justificaria mudar a própria denominação do indicador. "Novo IDHM" parece ser o mais apropriado;
  • Todavia, divulgam-se classificações de municípios e índices calculados de maneira muito diversa como se a série histórica do IDHM só tivesse começado em 1991 e como se os últimos resultados fossem comparáveis com os das pesquisas anteriores.
  • Isso engana a opinião pública e cai como uma luva para a propaganda petralha na internet.

3 comentários:

  1. Professor, teria como o senhor me enviar uma cópia dessas tabelas recalculadas, para que eu possa refazer os cartogramas que apresentei em meu blog? O endereço é: geojcarlos@live.com Desde já agradeço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Carlos

      Como não fui eu quem elaborou a tabela, é melhor você pedir autorização para o autor. Trata-se de Fernando Raphael Ferro de Lima, que escreve o blog Democracia e Liberdade, indicado na barra lateral do Tomatadas. A propósito, eu vou dar uma olhada nos cartogramas que você pôs no seu blog.

      Valeu!

      Excluir
    2. Agradeço. Peço que deixe seus comentários lá também. Um abraço.

      Excluir

Seu comentário foi enviado e está aguardando moderação.