quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

A arte das comparações estatísticas desonestas numa matéria da BBC

As comparações feitas na matéria Brasil tem mais mortes por covid em 1 semana do que 63 países juntos na pandemia inteira são desonestas. Os 63 países mencionados no título têm populações que, somadas, são muito maiores do que a nossa, mas o artigo não informa que a grande maioria destes é formada por países muito pobres, ou seja, países nos quais a confiabilidade dos dados é tão baixa que cientistas preferem desconsiderar esses dados na elaboração de estudos sobre a pandemia. É o caso de uma pesquisa sobre a possível correlação entre as políticas de aplicação universal de vacina BCG e a pandemia atual. Os cientistas que fizeram o estudo desconsideraram as informações de todos os países de baixa renda devido à falta de confiabilidade nas informações, e os dados brasileiros foram levados em conta porque o Brasil é um país de renda média.

O que se vê na matéria é uma tentativa de alarmar a opinião pública para induzi-la a apoiar medidas mais duras de restrição de contato. E, no afã de cumprir esse objetivo, manda a coerência às favas, como fica claro no momento em que a matéria compara os dados do Brasil com os do Japão e enfatiza que este último tem muito menos mortes... 

Ora, o Japão é um país que nunca aplicou lockdown, nem quarentena. Seu diferencial está justamente em aplicar medidas bastante brandas de distanciamento. Não fechou as fronteiras para viajantes vindos da China mesmo quando os hospitais de Wuhan já estavam sobrecarregados e outros países se fechavam. A pandemia chegou ao Japão em fevereiro, mas só em 07 de abril se decretou estado de emergência. Mesmo com a decretação, os estabelecimentos comerciais foram apenas "convidados" a fechar, e não havia nenhuma punição prevista para os estabelecimentos que abrissem. Em 25 de maio, o balanço das medidas tomadas no Japão e de seus resultados era o seguinte:
Não foram impostas restrições à mobilidade de residentes, e empresas, como restaurantes e salões de beleza, permaneceram abertas. Não foram implantados aplicativos de alta tecnologia que rastreavam os movimentos das pessoas. O país não possui um centro de controle de doenças. E, mesmo quando os países foram exortados a "testar, testar, testar", o Japão testou apenas 0,2% da população, uma das taxas mais baixas entre países desenvolvidos. No entanto, a curva foi achatada, com mortes bem abaixo de mil, de longe o menor número entre países desenvolvidos do G-7. Em Tóquio, com alta densidade populacional, os casos caíram para um dígito na maioria dos dias (aqui).
Agora, na segunda onda, enquanto a Europa já aplicava lockdown, o Japão nem sequer mandava fechar os cinemas: milhões lotaram as salas para assistir um desenho animado. Mesmo assim, a BBC usa a comparação entre Brasil e Japão para dizer que precisamos de medidas mais duras de isolamento! De outro lado, a matéria informa que o Brasil está em 19º lugar quando se trata de mortes por milhão de habitantes, mas não menciona que muitos países em situação pior do que a nossa aplicaram medidas rígidas de quarentena e de lockdown já desde a primeira onda. São os casos da Itália, Espanha, Reino Unido, França e Argentina. 

E, falando na Argentina, é importante ressaltar que a matéria só compara o Brasil com extremos de pobreza e riqueza, nunca com os países mais próximos de nós em termos geográficos e socioeconômicos, ou seja, com os países mais desenvolvidos da América Latina. Desonestidade intelectual absoluta.

Ora, os dados citados pela BBC sobre o aumento recente nos números de casos e de mortes no Brasil são preocupantes, e estão sendo levados em conta pelos governadores. São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul são três exemplos de estados que intensificaram as medidas de distanciamento social para evitar a saturação dos serviços de saúde. Não precisamos de comparações desonestas para justificar esse tipo de medida. E convenhamos: até agora, o Brasil não precisou de quarentena e nem de lockdown para evitar o colapso dos seus sistemas de saúde, ao contrário do que recomendaram vários especialistas que, embora tendo divulgado projeções erradas, ganharam muito destaque em certa imprensa ávida por fazer alarmismo.

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