"Desconfio por princípio de todo idealista que lucra com seu ideal".
Millôr Fernandes
O predomínio da teoria social crítica nas ciências sociais brasileiras e na educação se deve, em grande parte, ou até principalmente, à doutrinação teórica e ideológica praticada nos três níveis de ensino. Professores doutrinam por terem sido igualmente doutrinados, e há muitos que fazem isso com boa fé: pensam que as teorias que incutem na cabeça dos alunos são expressões inequívocas da verdade e do bem, de modo que mesmo que achassem necessário ensinar outras perspectivas não saberiam fazer isso sem distorcê-las, já que só conhecem as ideias críticas.
Mas, como o homem reage a incentivos - e dizer isso não significa afirmar que o homem é incapaz de pensar e fazer qualquer coisa sem obter algum ganho econômico -, o fato é que as teorias críticas do capitalismo ensinadas pelos professores e educadores brasileiros são também as mais convenientes para legitimar suas reivindicações trabalhistas. E essa característica não muda nunca.
Do marxismo ao pós-modernismo
A corrente predominante da teoria social crítica foi, sobretudo até a Queda do Muro de Berlim, o marxismo, em suas inúmeras vertentes. E sempre se disse que a maioria dos marxistas brasileiros (especialmente os professores de ensino fundamental e médio) não leu nada da obra de Marx ou estudos aprofundados feitos por autores marxistas. Isso é verdade mesmo. Mas, no que diz respeito aos interesses econômicos mais imediatos dos professores, tais leituras nem são necessárias.
Com efeito, não é preciso entender a fundo as teorias econômicas marxistas para sair por aí dizendo que o trabalhador é "explorado" em virtude de que o salário pago pelos empregadores necessariamente teria de ser menor do que o valor efetivamente gerado ao longo dos processos produtivos, sendo justamente esse trabalho não pago a fonte do lucro capitalista. (Uma demonstração disso que chega a ser anedótica, aliás, é descrita no texto Marxistas de Facebook). Além disso, o desemprego figura, nas teorias marxistas, como um "exército industrial de reserva" produzido pelos mecanismos de mercado para regular o nível de salários de modo a assegurar essa diferença entre o valor pago e o valor efetivamente produzido pelos trabalhadores.
Pronto! Estão dados aí argumentos científicos para justificar toda e qualquer reivindicação salarial, já que, qualquer que seja o pleito, trata-se sempre de uma luta de supostos "explorados" para diminuir a injustiça inerente ao sistema - mesmo quando o empregador é o Estado... E, no caso dos funcionários públicos, essas teorias também servem como uma luva para legitimar a estabilidade no emprego e estender ao máximo o usufruto desse privilégio - a Andes, de fato, sempre defendeu com unhas e dentes a estabilidade no emprego desde o começo até o fim da carreira docente.
Só que o marxismo foi ficando com ares de coisa velha ao longo do tempo, especialmente após 1989. Mas a teoria social crítica não se fez de rogada, visto que a maioria dos autores anticapitalistas simplesmente reagiu por meio de uma guinada pós-modernista. Sentenciaram que as críticas de Marx ao capitalismo estavam todas certas, mas que ele errou em seu projeto de revolução por ser muito economicista, cientificista e por ter dado ênfase demais ao Estado como agente de construção do socialismo. Daí que, se na obra de Marx a palavra "utopia" tinha um sentido claramente pejorativo, já que o socialismo preconizado por ele se propunha "científico", os teóricos influenciados pelo pós-modernismo voltaram a usar a palavra "utopia" de maneira positiva. Assim, por meio da crítica da razão e da ciência, defendem um tal "socialismo do século XXI" sem se darem ao trabalho de formular propostas claras de reforma econômica, política e social.
Mudou para ficar na mesma
Em relação aos interesses corporativistas, as novas teorias anticapitalistas são tão úteis quanto as antigas, e com a vantagem de não se associarem diretamente ao fracassado socialismo real. A utilidade está na preservação da imagem marxista do trabalhador como vítima da exploração do capital e de um Estado supostamente controlado pelos "grupos hegemônicos" da sociedade. Mas também a crítica pós-modernista à ciência e à razão serve bem aos interesses corporativistas, como explica Gustavo Ioschpe:
Há muitos anos, dei uma palestra a professores de uma rede estadual de ensino. Muita gente, ginásio grande. Apresentei a saraivada de dados em que me baseio para estabelecer um diagnóstico da educação brasileira. Depois da fala, abriu-se espaço para perguntas. Lembro-me da primeira delas como se fosse hoje: "O palestrante que esteve aqui ontem nos advertiu de que números são como palavras: são criações humanas. E que por trás de toda criação humana existe a intencionalidade da pessoa que a criou. Qual é a sua?".É uma visão de mundo preocupante. Fruto do pensamento pós-modernista de viés marxista, postula que não existe uma verdade objetiva, depreendida do estudo de fatos através das ferramentas da ciência. O resultado dessa investigação científica seria apenas uma verdade, a versão inventada pelo homem branco ocidental para ajudá-lo a subjugar os povos subdesenvolvidos e as minorias dos países ricos. Existem, para os pós-modernistas, "verdades", no plural, ditadas pelas características históricas, culturais e econômicas de cada pessoa ou grupo (Cf.: Os pós-modernistas empenham-se em destruir o edifício da ciência).
Na sequência, o autor prossegue com uma série de refutações perfeitamente corretas a esse tipo de crítica contra a objetividade científica. Mas não vou detalhar todas essas críticas, pois o objetivo agora é destacar o uso interesseiro de ideias anticapitalistas.
Ioschpe fala sobre isso rapidamente no final do artigo, ao destacar que os governos insistem em gastar rios de dinheiro com políticas que as pesquisas provam ser ineficazes por não existir nenhum lobby em favor das práticas que realmente funcionam. Conforme ele ironiza, as pesquisas mostram que passar lição de casa e corrigi-la tem efeito altamente positivo, mas não existem empresas fornecedoras de dever de casa...
A essa avaliação, acrescento como o pós-modernismo serve feito uma luva aos interesses corporativistas dos professores. Afinal, toda vez que um economista mostra com estatísticas que os professores da rede pública faltam demais ao trabalho e que políticas de gratificações por desempenho têm um efeito muito benéfico, lá vêm os professores com a desculpa tola e desonesta de que números são tapeações criadas por mercenários a serviço do capitalismo selvagem e da obsessão "neoliberal" com eficiência.
E isso para não mencionar o fato de que as teorias marxistas e pós-modernistas radicais legitimam também as práticas autoritárias e violentas empregadas por certos professores para forçar o Estado a manter o pacto de mediocridade vigente em nossas escolas, conforme revelou de maneira límpida a aliança de professores grevistas do Rio de Janeiro com os anarquistas do Black Bloc.
Conclusão
Seria um erro criticar as práticas doutrinadoras dos professores com um discurso puramente moral e generalizante, como se eles todos mentissem de propósito e com má intenção, pois é preciso considerar as limitações da formação que receberam e entender que, segundo seu ponto de vista, as ideias que inculcam na cabeça dos alunos contribuem para o bem da humanidade. De outro lado, porém, seria ingênuo deixar de constatar que as teorias e ideologias anticapitalistas nas quais os professores acreditam são também as mais convenientes para seus interesses particulares, sendo esse um outro motivador da adesão dos professores a tais teorias e ideologias.
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