Num artigo publicado na Revista Cepal, o economista Ricardo Bielschowsky aponta as três principais contribuições de Celso Furtado ao pensamento econômico estruturalista e procura mostrar como as teorias deste último continuam atuais. Não vou fazer um resumo do texto, mas apenas jogar tomate em uma afirmação do autor sobre as privatizações que revela como a esquerda desenvolvimentista não fica atrás da socialista quando se trata de defender o indefensável. Vejamos:
[...] antes das privatizações as empresas estatais investiam com menos preocupações com a rentabilidade e com menor aversão a riscos e incertezas. Isto leva a pensar que as privatizações reduzem a propensão a investir na economia, ainda que eventualmente possam aumentar a eficiência microeconômica dos investimentos (Bielschowsky, s.d., p. 189).
Em primeiro lugar, é falso que privatizações possam aumentar a eficiência microeconômica dos investimentos "eventualmente". Como já comentei num post sobre a Vale do Rio Doce, estudos feitos pela área técnica dessa companhia mostram que, quando uma empresa se livra de todas as restrições legais e burocráticas inerentes ao funcionamento de uma empresa estatal, os custos das compras e os custos administrativos caem em 20% e 30%, respectivamente. E isso sem mencionar os benefícios advindos da maior liberdade de gestão financeira e da mão de obra. Portanto, privatização é sinônimo de aumento de eficiência sempre.
Em segundo lugar, é interessante que, embora um princípio teórico fundamental do pensamento econômico seja a constatação de que o homem reage a incentivos, os economistas de esquerda têm o estranho cacoete de falar como se as estatais fossem instituições administradas por entes abstratos movidos só por ideologia, não por pessoas com interesses particulares como quaisquer outras. Mas a verdade é que, como empresas estatais são administradas por funcionários públicos subordinados a políticos, seus investimentos e todos os aspectos da administração acabam sendo ditados pelos interesses desses agentes. E os interesses dos políticos, mesmo quando nada têm a ver com corrupção, nepotismo e aparelhamento, jogam contra a eficiência das empresas, e por motivo simples: político pensa sempre na próxima eleição, que demora de dois a quatro anos, no máximo, mas grandes empresas exigem sempre planejamento de longo prazo.
Interesses no curto e no longo prazos
Uma evidência recente disso foi a política de contenção das tarifas de energia elétrica, a qual se encaixava nas ideias heterodoxas da Dilma - se é que ela realmente tem ideias... - mas também funcionou bem como política populista para angariar votos.
Mas a maior evidência é que, apesar da menor preocupação das estatais com rentabilidade, riscos e incertezas, não são essas empresas que ocupam a vanguarda da inovação tecnológica. Isso já foi demonstrado, involuntariamente, por dois marxistas bastante endeusados pela intelectualidade brasileira, e nos quais eu já joguei alguns tomates: Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo. Num texto para lá de desonesto, esses autores disseram que as privatizações dos anos 90 tiveram efeito negativo para o desenvolvimento tecnológico brasileiro, visto que, antes de serem vendidas ao capital privado, essas empresas já haviam constituído um importante, embora ainda "incipiente", núcleo de inovação tecnológica (Belluzzo; Tavares, 2002).
Tenham a santa paciência! A Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional, para citar só dois exemplos, foram fundadas nos anos 40 e, meio século depois, seus investimentos em tecnologia levaram à suposta formação de um núcleo de inovação que ainda era "incipiente"! Quanto tempo mais esses autores acham que teríamos de esperar até que as estatais nos dessem um núcleo de inovação tecnológica que eles pudessem chamar de "amadurecido"? Mais meio século?
Então, voltando ao texto de Bielschowsky, por que as estatais nunca alcançaram resultados mais rápidos em termos de inovação, tendo em vista a menor preocupação com rentabilidade, riscos e incertezas? Afinal de contas, os investimentos tecnológicos, sobretudo quando se trata de inovações que rompem paradigmas em tecnologias de produto e de processo, são elevados e de alto risco.
A resposta é que, submetidas a interesses de políticos, burocratas e funcionários com estabilidade no emprego, as estatais deixam a rentabilidade em segundo plano para melhor atender a tais interesses, não para gerar efeitos positivos em termos de desenvolvimento econômico e tecnológico de longo prazo.
A resposta é que, submetidas a interesses de políticos, burocratas e funcionários com estabilidade no emprego, as estatais deixam a rentabilidade em segundo plano para melhor atender a tais interesses, não para gerar efeitos positivos em termos de desenvolvimento econômico e tecnológico de longo prazo.
Desenvolvimentismo, crise econômica e corrupção
E isso para não dizer que, quando um governante resolve usar as estatais para implementar uma estratégia de desenvolvimento centrada no Estado, bem ao gosto de autores como Furtado, Tavares, Belluzzo e Bielschowsky, os resultados são desastrosos para as estatais e também para a economia. Basta ver a política de contenção de preços da gasolina e das tarifas de eletricidade: a inflação não deixou de disparar, a economia desacelerou, depois entrou numa depressão, enquanto o endividamento da Petrobrás e da Eletrobras explodiu!
E que se note: a Lava Jato provou que, mesmo com toda a convicção teórica e ideológica de Dilma nas ideias econômicas heterodoxas, marxistas e desenvolvimentistas, nem por isso a Petrobras deixou de ser usada à vontade por uma corja de bandidos que faziam investimentos planejados propositalmente para gerar prejuízos e, assim, desviar dinheiro para financiar campanhas eleitorais e para enriquecer políticos, empresários e diretores de estatais. Como o homem reage a incentivos, a despreocupação com rentabilidade e riscos abre espaço para casar políticas macroeconômicas heterodoxas e desenvolvimentismo com corrupção sistêmica. Quem disse que ideologia e interesse não andam de mãos dadas?
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BIELSCHOWSKY, R. Vigência das contribuições de Celso Furtado ao estruturalismo. Revista Cepal, Número Especial em Português, s.d. Acessível em: <http://www.cepal.org/publicaciones/xml/4/39554/rvpbielschowsky.pdf> Acesso em: 14 abr. 2015.
TAVARES, M. C.; BELLUZZO, L. G. M. Desenvolvimento no Brasil - relembrando um velho tema. In: BIELSCHOWSKY, R.; MUSSI, C. (org.). Políticas para a retomada do crescimento: reflexões de economistas brasileiros.Brasília: Ipea; Cepal, 2002.
Diniz, esses tempos eu discutia com um amigo, 'desenvolvimentista' e após muitas idas e vindas, ele acabou se revelando no que antes tinha um certo pudor, de dizer, assumir que "o estado deve ser o indutor do desenvolvimento" e eu, claro, me opus a esta tese absurda. O detalhe nesta discussão, que pude observar é que, invariavelmente, os defensores do estado como indutor e pró-intervenção econômica é que eles centram sua defesa na crítica às crises e instabilidades da economia de mercado, ou seja, numa acusação do que funciona mal no objeto de oposição e não, note bem, no que eles acreditam que funcionaria melhor em seu instrumento institucional ou modelo econômico. Fazendo uma analogia grosseira é como se tu me perguntasse agora "Anselmo, o que é o céu?" e eu, contemplativo, olhasse para cima e dissesse enigmaticamente, "bem, não é uma nuvem..." Pode, Arnaldo?!
ResponderExcluirÉ isso mesmo, Anselmo. A esquerda desenvolvimentista aponta falhas (reais e imaginárias) na economia de mercado para concluir que, sendo assim, quanto mais intervenção econômica estatal, melhor. O problema é que o intervencionismo estatal já teve sua vez, de 1930 a 1989, no caso brasileiro, e o resultado foi péssimo. Aí a única coisa a fazer é ignorar o legado do nacional-desenvolvimentismo (uma sociedade iletrada e profundamente desigual, além de uma estrutura produtiva cheia de ineficiências e atrasos) para tornar possível um ataque permanente ao livre mercado.
ExcluirSer estilingue é sempre mais confortável do que ser vidraça, então, como você bem notou na conversa com seu amigo, o negócio é elogiar o Estado sempre por meio de críticas ao mercado...
E isso quando os desenvolvimentistas não acusam o livre mercado e o liberalismo por fenômenos que são causados pela própria intervenção do Estado na economia! No próximo post eu vou falar sobre isso usando um exemplo de geografia econômica.
Abraço!
É comum na argumentação deles tomarem "livre-mercado" como sinônimo de qualquer capitalismo, até do tipo de capitalismo cheio de deformidades que eles mesmos criaram.
ExcluirAbs.
Ótimo texto!
ResponderExcluirEsses dias conversando com um amigo petista sobre privatização, o cara diz: "Sou totalmente contra, pois as empresas capitalistas só visam o lucro e não traz nada de bom para a população..."
Aí eu disse: "Luiz, vou citar como exemplo a TELESP (Telefonia de São Paulo) ok? Bem, vc lembra de quando éramos crianças e só havia uma orelhão no bairro perto da escola? Vc lembra que pra comprar uma linha telefônica era preciso esperar em média mais de um ano para conseguir a linha? Vc lembra quando começou a surgir o cel. no Brasil e que vc precisava entrar numa fila de espera para pedir uma linha, e, ainda, pagava pra receber ligação? Então, Luiz, depois que a telefonia foi privatizada qq um pode ter um telefone fixo, basta ligar na VIVO e dentro de 5 dias o técnico instala pra vc; hoje existem mais linhas de celulares no país do que habitantes... Antigamente a TELESP era um cabine de empregos e corrupção, hoje em dia isso acabou. Claro que ainda o serviço não uma coisa de primeiro mundo, mas se ainda fosse TELESP, provavelmente não teríamos Speedy em nossas casas; cel. com internet etc...
Isso sem falar da EMBRAER que na década de 90 estava indo a falência e hoje em dia é a terceira maior empresa de aviação do mundo, sendo que é a única na América Latina a ter um centro computacional onde se pode construir um avião virtualmente e fazer todos os testes antes de iniciar sua montagem...
Maldito capitalismo opressor e retrógrado!
Eu acho impressionante como pessoas que viveram o período anterior à privatização do sistema Telebras podem vir com esse discurso de que empresa que visa lucro é pior do que empresa estatal. Em 1994, eu, que morava em São Paulo, paguei R$ 4.000,00 para comprar uma linha fixa já existente, no mercado paralelo, para não ter de ficar 2 anos esperando a TELESP instalar uma linha nova para mim. E vale notar que, naquele ano, o Real chegou a valer mais do que o dólar, o que implica dizer que eu paguei U$ 4.000,00 para ter um telefone fixo!
ExcluirJá em 1998, eu mudei de bairro e vendi aquela linha por... R$ 1.200,00! Efeito direto do aumento da oferta de linhas gerado pela privatização.
Perdi um bom dinheiro porque dei azar pegar a transição, mas, no longo prazo, até eu saí ganhando. Quando vim para Curitiba, uns dois anos depois, não devo ter gasto nem R$ 100,00 por uma linha fixa. Hoje, eu só uso celular...
As empresas privadas são melhores justamente porque visam o lucro e, para lucrar, têm de vender bens e serviços que atendam às necessidades e expectativas dos consumidores. Já as estatais, como não precisam dar muito lucro, servem aos interesses particulares de políticos, funcionários e de empresários corruptos.