quinta-feira, 1 de março de 2012

Defensores da heterodoxia econômica ficam entre a crítica desonesta e a demagogia explícita

Economistas heterodoxos são, na sua grande maioria, de esquerda. Mas em que consistiria o receituário dos heterodoxos esquerdistas? É difícil dizer, pois, assim como os maus perdedores do planejamento urbano, essa turma gasta muito tempo malhando as políticas macroeconômicas ortodoxas e quase tempo nenhum para explicar quais são suas alternativas. Mas, por algumas críticas que fazem às políticas macroeconômicas de que discordam, somadas a uma ou outra afirmação um pouco mais propositiva, é possível saber algo sobre o que desejam. Vejamos:
  • Um Estado que investe pesadamente em reformas estruturais (a fim de resolver os problemas próprios das economias "periféricas"), bem como em educação e em políticas de distribuição de renda. Aqui e ali, sugerem que é melhor haver mais distribuição com menos crescimento do que o contrário.
  • O Estado deve fazer tais investimentos mesmo que isso implique gerar déficits públicos por períodos  de vários anos.
  • O Estado pode perfeitamente aceitar que haja "um pouco de inflação" para financiar seus investimentos. Como dizia Celso Furtado, para um país como o Brasil, uns 15% de inflação ao ano estava de bom tamanho.
  • Em função disso tudo, o câmbio deve ser bastante desvalorizado e os fluxos de capitais, na medida do possível, controlados. 
As críticas heterodoxas feitas às políticas macroeconômicas aplicadas nos anos FHC mostravam claramente a rejeição à valorização do Real frente ao dólar, à política de metas de inflação e de superávits primários e ao monitoramento das políticas econômicas pelo FMI e pelo mercado financeiro internacional. Quem quiser ter uma ideia do tom furibundo com que esses heterodoxos manifestavam tais ideias pode ler, por exemplo, trabalhos de Maria da Conceição Tavares e de Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo (2002), bem como os documentos divulgados pela Sociedade Brasileira de Economia Política - SBEP (Almeida, 2004).

Mas o interessante é que, após a eleição de Lula, descobrimos que esses economistas alternativos, assim como os políticos do PT e seus aliados à esquerda, dividiam-se entre os que realmente acreditavam no que diziam e aqueles que apenas andavam usando as teses heterodoxas para fazer demagogia. Do mesmo modo que Heloísa Helena preferiu ser expulsa do PT a apoiar um governo que dava continuidade a tudo o que ela antes execrava, assim também a SBEP posicionou-se contra o continuísmo do governo Lula em relação à política econômica de FHC. De outro lado, Conceição Tavares e Belluzzo mostraram que seus trabalhos supostamente acadêmicos eram apenas retórica eleitoreira, posto que apoiaram esse continuísmo como se ele não fosse contraditório com o que eles publicavam antes de Lula vencer.

Mas não quero dizer com isso que, assim como Lula sempre foi um demagogo sem ideologia, Conceição e Belluzzo teriam passado décadas a defender teses econômicas heterodoxas nas quais nunca acreditaram. Há uma coerência inegável na obra deles, afinal. Apenas estou concluindo, com base na comparação entre o que eles escreviam até pouco antes da eleição de Lula e o que passaram a dizer e escrever depois, que eles haviam avaliado que a implementação de suas ideias heterodoxas não seria viável após as mudanças ocorridas em nível nacional e internacional nos anos 1990. Então, em vez de admitirem isso publicamente, como seria o correto para intelectuais e professores, preferiram enganar seus leitores e persistir na defesa raivosa de velhas teses econômicas, já que essa era a melhor estratégia política para garantir a eleição de Lula.

É nisso que dá a concepção marxista de "intelectual engajado". Vira-e-mexe, aqueles que se veem assim deixam de agir como intelectuais para fazerem retórica política travestida de ciência, o que é uma forma de tapear as pessoas que acreditam na competência e honestidade de acadêmicos conceituados. 

E quanto ao perigo de que essa politização do discurso destrua justamente a credibilidade acadêmica que dá certo peso às ideias deles nos debates públicos? Ora, no Brasil, isso não é problema. Como já demonstrei antes, os intelectuais de parolagem radical são protegidos de si mesmos pela bajulação de acadêmicos e jornalistas, proteção essa que vale tanto para seus erros teóricos e práticos quanto para sua manifesta desonestidade intelectual.

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ALMEIDA, P. R. A sociedade de economia política faz política com a economia. Brasília, 21 jul. 2004.

BELLUZZO, L. G. M.; TAVARES, M. C. Desenvolvimento no Brasil - relembrando um velho tema. In: BIELSCHOWSKY, R.; MUSSI, C. Políticas para a retomada do crescimento: reflexões de economistas brasileiros. Brasília: IPEA: CEPAL, 2002.

Um comentário:

  1. Parabéns por este excelente texto, Diniz. Já repassei para vários contatos e grupos de discussão. Não tenho nada a acrescentar, tocaste na ferida deles.

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