quarta-feira, 7 de março de 2012

Dos "de baixo" é que não vem nada mesmo

Antigamente, ouvia-se com certa frequência um adágio bastante otimista que dizia o seguinte: "de onde menos se espera, aparece a solução". Como contraponto, o humorista conhecido como Barão de Itararé cunhou uma versão paródica: "de onde menos se espera é que não vem nada mesmo". Vale como aviso bem-humorado para os intelectuais críticos que, com o fracasso da tese marxista da centralidade operária, ficaram viúvos de uma teoria da revolução. As tentativas de cobrir essa lacuna são várias, e vou citar três agora. 

A saída mais frequente é apelar para as críticas pós-modernas à razão e ao projeto iluminista para concluir que o capitalismo gera necessariamente preconceito e discriminação, o que faria das minorias sociológicas os construtores do "socialismo do século XXI". Boaventura de Souza Santos investe nessa ideia, e é um dos autores que mais têm inspirado as viúvas da revolução na geografia.

Outra saída é apelar para o conceito de semiperiferia formulado por Immanuel Wallerstein para concluir que "as elites" de países como o Brasil são corruptas, "cleptomaníacas" e socialmente insensíveis, de sorte que as alternativas teriam que vir "de baixo". Vemos essa ideia em Marcelo Lopes de Souza (2005), que, ao tratar da questão da criminalidade, assegura que "as elites" e grande parte da classe média preferem o auto-isolamento e soluções de cunho coercitivo, as quais passam ao largo dos "investimentos maciços" (quais?) que se fariam necessários para realmente enfrentar o problema.

É fácil ver que as respostas de Boaventura de Souza Santos e de Marcelo Lopes de Souza nada têm de geográficas. Milton Santos, sempre empenhado em assegurar autonomia epistemológica para a geografia, tentou formular a questão por meio de uma teoria do espaço. É aí que entra a sua distinção entre o "homem rápido" e o "homem lento". O primeiro está submetido ao tempo rápido da acumulação do capital, sendo então um sujeito desenraizado, que não vive efetivamente o território por estar inserido nas redes de relações do capitalismo globalizado. Já o segundo é representado principalmente pelos pobres do ambiente urbano, pessoas ligadas geralmente ao "circuito inferior da economia". Essas pessoas teriam sua rotina atrelada ao "tempo lento" do cotidiano, das relações de vizinhança, da vida citadina, de sorte que somente esses "homens lentos" vivenciariam de fato o território. Daí a conclusão: o futuro está com "os de baixo", como são esses homens lentos.

Essas respostas ao problema são satisfatórias? Claro que não! O pensamento de Boaventura de Souza Santos carrega um mal disfarçado viés stalinista, como já comentei em outro post. Além disso, os países capitalistas democráticos (o que se costuma chamar "Ocidente"), são aqueles em que as minorias sociológicas têm seus direitos assegurados, além de contarem com os poderes constituídos para se protegerem contra discriminações e para reivindicarem novos direitos (ou até privilégios, como as políticas de cotas). Por sua vez, Lopes de Souza e Milton Santos fazem deduções sobre o modo de pensar das pessoas que tomam como ponto de partida raciocínios gerais de cunho político-econômico ou geográfico para dar um verniz científico a pressupostos meramente preconceituosos e populistas.

Ora, a única maneira de saber como as pessoas pensam é perguntar para elas, não por meio de deduções desse tipo! Muito ao contrário do que esses autores afirmam, as pessoas com ensino superior completo, que, em geral, formam as "elites" brasileiras, é que são tolerantes com as diferenças e cultivam valores democráticos. Os "de baixo", principalmente por conta da baixa escolaridade, tendem a ter uma visão social hierárquica, maior intolerância em matéria de comportamento sexual, a ser mais indulgentes com a corrupção e com o "jeitinho" e a ter menos espírito público. A propósito, as pessoas de escolaridade mais baixa, ao contrário de quem possui diploma universitário, tendem a ser mais favoráveis ao uso de formas ilegais de punição de criminosos, como execuções e linchamentos! São esses aí que vão nos mostrar o caminho para combater a criminalidade, é?

Essa visão alternativa que resumi acima saiu da Pesquisa Social Brasileira - PESB (Almeida, 2007). Tal estudo tomou as teorias de Roberto DaMatta como base para a elaboração de hipóteses sobre os elementos que compõem a mentalidade dos brasileiros, as quais foram testadas com uma metodologia quantitativa, isto é, pela  aplicação de um extenso questionário junto a uma amostra de pessoas representativa da sociedade brasileira. As respostas dos entrevistados derrubam facilmente o preconceito contra "as elites" e a ideia gratuita de que o "homem lento" é progressista.

É incrível como os intelectuais críticos são despreocupados de provar suas conclusões com evidências e, mesmo assim, tanta gente engole o que eles escrevem!

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SOUZA, M. L. Clima de guerra civil ? ALBUQUERQUE, E. S. (org.). Que país é esse ? : pensando o Brasil contemporâneo. 1. ed. São Paulo: Globo, 2005.

ALMEIDA, A. C. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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