quarta-feira, 28 de março de 2012

Aziz Ab'Saber, Millôr Fernandes e um urubu

Lamento muito a morte de Millôr Fernandes, humorista e escritor a quem eu admirava. Ele era inteligente e culto, sendo que eu trago diversas frases de sua autoria na memória, exemplos admiráveis do melhor mau humor. Vou citar agora apenas uma, que serviu de epígrafe para a minha dissertação de mestrado: "o Brasil é a prova de que geografia não é destino". 


Essa ironia dele serviu à perfeição para ilustrar algumas discussões feitas na minha pesquisa, que analisava as leituras ideológicas da ditadura do Estado Novo sobre o território brasileiro. Nos discursos de Getulio Vargas e outras peças de propaganda desse regime fascistoide, o território era sempre interpretado à luz da ideologia do "destino nacional", que seria radioso graças à suposta capacidade de um governo forte para harmonizar o povo com seu espaço e realizar plenamente o potencial oferecido pelos recursos naturais à disposição. Mas, como lembrou Millôr, nada melhor do que o Brasil para provar que recursos vastos não são destino coisa nenhuma!

Com a morte dele, a presidência da república seguiu a praxe. Divulgou uma nota oficial em que Dilma Rousseff o chama de "gênio", "ícone do humanismo" e afirma que "o Brasil e toda a nossa geração perdem uma referência intelectual". Bem, os governos do PT são o avesso de qualquer humanismo, dada a forma como apoiam as mais covardes e obscurantistas ditaduras do planeta, desde Cuba até o regime dos aiatolás iranianos. Mas, vá lá, qualquer presidente faria o mesmo que ela fez diante da morte de Millôr: lamentar o passamento de intelectuais destacados é de praxe, afinal.

Problema mesmo foi a reação de Lula diante da morte de Aziz Ab'Saber. Esse pesquisador realmente vai fazer falta para a geografia e para a ciência brasileira. Embora eu já tenha comentado que as ideias econômicas de Ab'Saber não passavam de ideologias populistas sem qualquer fundamento, considero-o uma referência importante para os estudos da natureza e das questões ambientais no país. 

Nesse sentido, não posso deixar de fazer um rápido comentário sobre o modo como Lula, por meio de algum assessor que sabe escrever, tirou proveito da morte de Ab'Saber para recontar a história conforme suas conveniências políticas. Uma nota divulgada pelo Instituto Lula afirma que Ab'Saber "ajudou a construir muitas das políticas públicas brasileiras". Bem, não deve ter sido nos governos do PT, já que Ab'Saber acusou Lula, logo no início do seu primeiro mandato, de haver jogado fora ideias para a preservação da Amazônia com as quais os dois haviam concordado por escrito! E isso sem falar que Ab'Saber detonou com o Fome Zero e outras políticas do governo Lula, para as quais deu "nota zero", conforme eu já destaquei em outro post (ver aqui). Finalmente, vale destacar este testemunho da jornalista Cynara Menezes:
Aziz Ab’Saber era um homem de esquerda, no sentido mais utópico do termo – nada a ver com partidos políticos, como as pessoas teimam em confundir hoje em dia. Foi dele a ideia, que deu a Lula, de fazer pelo País as caravanas da cidadania. E lembro de como ficou chateado por nunca ter sido convidado para ir ao Palácio do Planalto, depois da posse… Mais triste ainda ficou quando seu amigo operário foi capaz de dizer, em 2006, em tom de pilhéria: “se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas”. Ab’Saber foi de esquerda até o fim.
Meu adeus para Aziz Ab'Saber e Millôr Fernandes. Para Lula, xô, urubu!

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