sexta-feira, 9 de março de 2012

Aqui, jogar tomates é debater ideias

Li um texto muito bom do geógrafo Anselmo Heidrich intitulado A noite escura da amoralidade. Depois de uma digressão inicial sobre a questão da criminalidade (retomada mais ao final do artigo), ele faz uma crítica pertinente a Olavo de Carvalho. Conforme citado no texto, Carvalho afirma o seguinte:
[...] o que está em jogo não é realmente nenhuma "luta de ideias" e sim uma luta pela conquista dos meios materiais e sociais de difundir ideias – coisa totalmente diversa. Você pode provar mil vezes que tem a ideia certa, mas, se o sujeito que tem a ideia errada é o dono das universidades, da mídia e do movimento editorial, o que vai continuar prevalecendo é a ideia errada. [...] A luta pela ocupação de espaços pode comportar uma parte de debate político-ideológico, mas tem de ser uma parte bem modesta. O essencial não é vencer as "ideias" do adversário, mas o próprio adversário, pouco importando que seja por meios sem qualquer conteúdo ideológico explícito. Trata-se de ocupar o seu lugar, e não de provar que ele está do lado errado. Isso se obtém melhor pela desmoralização profissional, pela prova de incompetência ou de corrupção, pela humilhação pública, do que por um respeitoso "debate de ideias" que só faz conferir dignidade intelectual a quem, no mais das vezes, não tem nenhuma.
 A crítica de Heidrich vai ao ponto: 
[...] os grupos que, atualmente, mais nos influenciam culturalmente começaram no campo das ideias, quase que exclusivamente. E eles eram essencialmente professores que, por sinal, continuam ganhando mal e não sendo proprietários dos meios de produção intelectuais, dos quais Olavo clama pela tomada.
[...] Então deixemos a dominação material de lado e vivamos apenas de ideais? Não, mas a visão ideológica que deve ser endossada é justamente a que permite igualdade de direitos para que qualquer um possa deter domínio material próprio, que o torne o mais autônomo possível em relação a quem concentre mais recursos.
Eu já enfrentei várias vezes o problema de ver trabalhos meus serem rejeitados para publicação por veto ideológico - já contei um caso aqui e ainda vou contar outro -, mas nem por isso concordo com Carvalho de que devemos usar argumentos que não são de ordem teórica ou ideológica para fazer "desmoralização profissional". Admito que é impossível criticar as posições de esquerda sem reconhecer, com base em fatos, que os intelectuais críticos são dogmáticos, misturam indevidamente ciência e ideologia, partidarizam as funções públicas que exercem e, ainda por cima, recorrem frequentemente a mentiras para atacar o capitalismo ou mesmo para beneficiar os partidos de sua preferência. Mas admitir isso não significa fazer ataques pessoais, que é o que sobra quando se decide ir além do debate de ideias! Eu critico a ética profissional de autores como Chaui, Milton Santos, Conceição Tavares e Fiori, entre tantos outros, mas isso é muito diferente de atacar a moralidade dessas pessoas. A moral diz respeito ao comportamento dos indivíduos em suas vidas privadas, o que é muito diferente da ética, que trata das regras que devem reger o comportamento de grupos, como é o caso dos códigos de ética profissional.

Nesse sentido, eu não dou tomatadas metafóricas visando desmoralizar alguém e ocupar cargos na universidade ou em qualquer outro órgão para ter mais poder material de divulgação de ideias. Muito menos vou sair por aí chamando os autores de quem discordo de "canalhas", como faz o Olavo de Carvalho, ou de "cafajeste" e "pulha", como Marilena Chaui já fez com o mesmo Carvalho...

Meu objetivo ao jogar tomates virtuais é, antes de mais nada, científico. Viso apenas contribuir para restaurar o compromisso com a neutralidade na academia e nas intervenções dos intelectuais nos debates públicos. Noutras palavras, quero apenas ajudar para que a avaliação da credibilidade dos acadêmicos e das suas pesquisas seja feita apenas pelo critério do rigor lógico e empírico, e não com base na concordância ou discordância que possamos ter de certas bandeiras políticas e sociais relacionadas aos temas pesquisados.

2 comentários:

  1. Olá, Luis, achei muito interessante o seu site.

    Mas aqui eu gostaria de fazer alguns comentários.

    1 - Vejamos a citação:

    "O essencial não é vencer as “ideias” do adversário, mas o próprio adversário, pouco importando que seja por meios sem qualquer conteúdo ideológico explícito. Trata-se de ocupar o seu lugar, e não de provar que ele está do lado errado. Isso se obtém melhor pela desmoralização profissional, pela prova de incompetência ou de corrupção, pela humilhação pública, do que por um respeitoso “debate de ideias” que só faz conferir dignidade intelectual a quem, no mais das vezes, não tem nenhuma."

    Acho que uma metáfora usada por Olavo, não lembro se foi num artigo ou no programa de rádio dele, pode ajudar a entender melhor esse trecho. Ele disse algo assim: se você for lutar boxe e o adversário entrar com uma ferradura escondida dentro da luva, o que você vai fazer? Vai entrar na luta contra ele, como se fosse de igual pra igual? Não, o que você deve fazer é denunciar a ferradura.

    No caso, partir para o "debate de idéias" com os vigaristas é dar-lhes legitimidade, é entrar numa luta perdida: a ferradura vai te estraçalhar.

    Ainda outra metáfora que ele usa: Se um bandido entra na sua casa pra te roubar, te matar e comer sua mulher, você vai querer argumentar com ele e entrar num debate teórico de ideias?

    A comparação implícita é que o movimento revolucionário não quer debater ideias de modo honesto, ele quer é eliminar a oposição à força.

    O Anselmo diz que Olavo desconsidera que

    "os grupos que, atualmente, mais nos influenciam culturalmente começaram no campo das idéias, quase que exclusivamente. E eles eram essencialmente professores que, por sinal, continuam ganhando mal e não sendo proprietários dos meios de produção intelectuais, dos quais Olavo clama pela tomada. O caso é que a ideologia se estendeu, atingindo esferas antes não contaminadas, como é o caso do domínio legal do qual falávamos mais acima."

    Parece-me que ele não só não entendeu direito o que o Olavo disse, mas também confirmou que o que ele disse é verdade, ao mencionar que a ideologia atingiu "esferas antes não contaminadas".

    Olavo afirma que a esquerda, a partir do estudo de Antonio Gramsci, montou uma estratégia de ocupação dos espaços, ou seja, uma estratégia para fazer com que os mais importantes cargos e os mais importantes meios de ação e de difusão de ideias seja exclusivamente controlado por esquerdistas. Como será que a ideologia atingiu esferas antes não contaminadas? Não teria sido pela estratégia de ocupação de espaços?

    O Anselmo argumenta que os professores esquerdistas são pobres e que, por isso, não são proprietários dos meios de produção cultural.

    Ora, mas o próprio conteúdo do Tomatadas não é um indício de que eles têm o controle quase total desses meios em seu campo específico? Eles não são autores de todos os livros didáticos? Eles não têm o poder de vetar trabalhos acadêmicos ou a contratação de um novo professor unicamente por motivos ideológicos?

    O alerta do Olavo é o seguinte: se os conservadores se preocuparem apenas com o debate teórico, sem se preocupar em retomar os meios de difusão que foram roubados pela estratégia de ocupação dos espaços, eles vão acabar falando só para as paredes.

    Wilson.

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  2. 2 - Sobre a desmoralização profissional, prova de incompetência ou de corrupção e humilhação pública que o Olavo sugere, também se trata de uma reação estratégica.

    Pois não é da estratégia esquerdista apresentar-se como o ápice da moralidade? Eles não se apresentam como santos e pintam os adversários como demônios?

    Você diz que se abstém de criticar a moralidade dos adversários. Mas eles, se puderem, não hesitarão em lhe chamar de fascista, nazista, racista, opressor e dizer que pessoas como você é que são a causa de todos os males do mundo.

    Depois dessas acusações e dos efeitos psicológicos que elas causam no público, por melhor que seja a resposta teórica, ninguém prestará atenção. É a ferradura dentro da luva entrando em ação.

    A desmoralização e humilhação pública é o modo de denunciá-la.

    Wilson.

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