Em fevereiro de 2009, apresentei uma palestra durante a mesa redonda Capitalismo e agricultura, que fazia parte do XIX Encontro Nacional de Geografia Agrária – Enga. A pedido da organização do evento, elaborei um artigo detalhando o conteúdo da palestra, o qual deveria ser publicado numa coletânea com os artigos apresentados nas mesas redondas desse Encontro.
A palestra fazia refutações diretas e pesadas contra os mitos que povoam a geografia agrária brasileira, especialmente a suposição de que há necessidade de fazer uma "reforma agrária ampla e massiva" para resolver o problema da desnutrição (que praticamente já deixou de existir, mesmo sem essa política) e a falsa dicotomia agronegócio versus campesinato. Daí minha surpresa ao pensar que o artigo seria publicado na coletânea, sobretudo considerando que a editora com a qual estava sendo acertada a publicação era a Expressão Popular.
Mas a geografia não costuma surpreender. Faz alguns meses, recebi um e-mail de um dos organizadores do evento informando que os pareceristas haviam rejeitado o artigo. Ele ficou bastante chateado com isso e até se ofereceu para indicar o artigo para publicação em outros veículos, mas eu disse que não havia necessidade. Mandei o artigo para a revista RAE'GA: o espaço geográfico em análise, e ele foi aceito (deverá sair no próximo número da revista, no começo do ano que vem).
Ora, eu não sei quais foram as justificativas alegadas para a rejeição do trabalho, mas creio que a editora deveria ter entrado em contato comigo diretamente para informar isso. Afinal, críticas construtivas devem ser sempre bem aceitas, não é verdade?
De qualquer forma, considerando o que os geógrafos agrários costumam escrever, a quase total ausência de pluralismo nos eventos de geografia e, finalmente, o perfil das publicações daquela editora, é certo que se tratou de veto ideológico. Os stalinistas apagavam os registros documentais dos seus inimigos de partido e, de modo análogo, quem ler a coletânea dos trabalhos apresentados no XIX Enga sem ter estado lá vai ficar sem saber que a minha palestra aconteceu! Nada se parece mais com um partido autoritário do que uma comunidade de pesquisadores que rejeitam o compromisso com a neutralidade.
P.S. O link para o artigo publicado na RA'E GA encontra-se agora indicado na barra lateral deste blog.
P.S. O link para o artigo publicado na RA'E GA encontra-se agora indicado na barra lateral deste blog.
Caro,
ResponderExcluirEmbora seja mesmo nefasto o modo como seu trabalho foi "expurgado" da publicação (já que nos referimos a Stalin) eu gostaria de reiterar que há sim, necessidade de, se não ampla reforma agrária, no mínimo uma ampla revisão sobre o modo como se tem acesso a terra no país.
Também acho simplista supor que uma reforma agrária seria suficiente para resolver os problemas do Brasil, porém o acesso à terra, principalmente urbana, é um fator fundamental da organização da vida dos indivíduos e portanto, da sociedade como um todo.
Não se pode vislumbrar uma situação de razoável (se não podemos falar em "plena") satisfação das necessidades materiais humanas sob um sistema cuja primeira regra é cada um por si e que o mais forte vença. Este princípio é inerente à economia capitalista e lhe serve de guia, inclusive para empresários que têm escrúpulos e sensibilidades social. É de fato, um campo de contradições insolúveis. A questão agrária é, portanto, apenas um aspecto desse todo, o que nã permite tomá-la como questão central no debate sobre os rumos da economia "contemporânea".
Abraço!
Andrè.
Caro André,
ResponderExcluirO problema do seu comentário está na tese (essencial na geocrítica) de que o capitalismo é "um sistema cuja primeira regra é cada um por si e que o mais forte vença". Na verdade, a economia de mercado é um sistema simultaneamente competitivo e cooperativo, como eu afirmo no texto "Agricultura e Mercado no Brasil: revendo as visões da geografia sobre os condicionantes da produção agrícola no capitalismo", cujo link para acessar está no post acima.
É justamente por causa do entendimento equivocado dos efeitos sociais do funcionamento do mercado que os geógrafos erram tanto em seus diagnósticos e propostas de reforma agrária. E, quando aparece um único ensaio que defende um ponto de vista contrário ao que dá base a tais equívocos, ele simplesmente não é publicado...
Experimente ler o texto citado no post para avaliar melhor se não é assim como eu escrevi.
Um abraço,
Diniz