quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A China responde a Celso Furtado

É óbvio que o consumo de recursos naturais cresce à medida que a renda per capita em um país se eleva. Mas sempre é bom lembrar que, de acordo com o estudo que serviu de base para o famoso documento Os limites do crescimento, do Clube de Roma, essa relação entre as duas variáveis não é constante. Uma vez atingido um alto patamar de renda per capita, o consumo de recursos naturais por habitante já não cresce tão depressa, tendendo a estabilizar-se a proporção. 


Nesse sentido, uma das conclusões que se pode tirar desse estudo é que a principal ameaça para a sustentabilidade do crescimento econômico está na elevação da renda per capita nos países em desenvolvimento, não no aumento do consumo dos norte-americanos, que já possuíam renda muito elevada na época em que a pesquisa foi feita. E essa conclusão era um dos grandes argumentos de Celso Furtado (1974) para defender a necessidade de um modelo de desenvolvimento no qual o combate à pobreza se fizesse mais pela distribuição de renda do que pelo crescimento econômico. 

Segundo ele, a generalização do modo de vida dos habitantes do mundo desenvolvido para o conjunto da população do globo era simplesmente impossível. Essas pessoas gozam de alto poder de consumo combinado com elevada homogeneidade social, mas, se as populações dos países subdesenvolvidos tentassem reproduzir esse padrão, o crescimento acabaria bloqueado pela falta de recursos naturais suficientes no planeta e também pelos elevados custos do controle da poluição e de outros impactos ambientais resultantes desse processo. Em consequência, os países periféricos teriam de optar entre garantir um padrão de vida equivalente ao dos norte-americanos, mas acessível apenas à uma minoria, ou priorizar a distribuição de renda para garantir a todos os seus habitantes um bom padrão de vida, embora modesto em comparação com o dos norte-americanos. 

Obviamente, Furtado deixava claro que somente essa segunda opção era eticamente aceitável e politicamente factível, pois a alta concentração de renda já era uma característica dos países subdesenvolvidos, gerando desequilíbrios econômicos e tensões políticas e sociais que tendiam a se tornar insuportáveis. 

Bem, mas haveria exemplos de países que estivessem implementando esse modelo distributivista e ambientalmente sustentável? Num texto publicado já nos anos 1990, Furtado elogia a China e a Coreia do Norte por apresentarem um “modelo alternativo de desenvolvimento, orientado para o social” - sic!!! (Furtado, 1992, p. 13-14). 

Francamente... a Coreia do Norte é, sem sombra de dúvida, um dos países mais miseráveis do mundo, e tanto que chegou a viver até uma epidemia de fome nos anos 1990. Por seu turno, o padrão de vida dos chineses dos idos tempos comunistas não era modesto, mas muito pobre mesmo! A China só vem logrando efetivamente tirar grandes contingentes populacionais da pobreza graças às reformas pró-capitalistas realizadas de 1978 em diante, as quais deram à economia chinesa taxas de crescimento de até 10% ao ano. E o interessante é que esse crescimento econômico acelerado, ao mesmo tempo em que reduziu o número de pobres em 250 milhões, vem produzindo também um aumento sensível das desigualdades de renda em âmbito pessoal e regional. A China já tem mais de 50 bilionários na lista da Forbes, enquanto a renda per capita e os indicadores de educação e saúde da população urbana desse país já são muito superiores àqueles da população rural, conforme informações do PNUD. 

Economistas como Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares sempre gostaram de dizer e escrever que, se todos os chineses tivessem um padrão de vida equivalente ao dos norte-americanos, o mundo naufragaria numa crise ambiental e de escassez de recursos sem precedentes. Se isso é verdade mesmo ou não, a China vai responder. Afinal, o modelo de desenvolvimento trilhado por esse país nas últimas décadas caminha na direção do crescimento econômico acelerado com menos pobreza e menor homogeneidade social. Ainda vai demorar muito para que todos os chineses tenham padrão de vida comparável ao vigente nos EUA, mas é nessa direção que a China está seguindo, contra as expectativas daqueles autores. 

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FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1974. 

FURTADO, C. O subdesenvolvimento revisitado. Economia e Sociedade, Campinas, n. 1, p. 5-20, ago. 1992.

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