Uma das ideias mais empregadas para culpar o capitalismo pela dita "crise ambiental" é que as grandes empresas estimulam o consumismo, ideologia que obriga ao uso de quantidades crescentes de recursos naturais para a produção de coisas desnecessárias. Mas, como eu expliquei no post anterior, essa tese passa ao largo da incapacidade de decidir como deveria ser definido o equilíbrio entre poder de consumo, uso de recursos naturais e realização pessoal numa sociedade pós-capitalista. O melhor exemplo disso está num trecho de uma entrevista que Milton Santos concedeu à revista Caros Amigos, conforme segue:
Milton Santos - Sim. Esses objetos que são exatamente portadores de uma ideologia. É típico de nossa época. Durante a história, o homem tinha comando sobre os objetos. Eram poucos, na minha própria infância e juventude eram poucos objetos, e eu os comandava. Hoje, são eles que me comandam. E a gente acaba sendo perseguido pelos objetos, você tem fax em casa, e-mail, é um inferno... (risos)Marina Amaral - A questão seria a recusa ao consumo ou a reivindicação coletiva pelo direito de consumir tudo?Milton Santos - Acho que há uma contradição entre a produção do consumidor e do cidadão, a ideia de cidadania é ligada à ideia de indivíduo forte. E a ideia de consumidor ligada à de indivíduo débil. Objeto forte, indivíduo fraco, débil. E às vezes debiloide. (risos) Essa contradição às vezes nos parece difícil de ser superada, a gente tem a impressão que está chegando a um mundo onde uma reversão se torna impossível. Mas não é isso, não creio que seja isso. A gente vê aqui e ali esses movimentos...
Aí está outro exemplo cristalino da retórica chinfrim de Milton Santos. Diante da pergunta que nenhum teórico ou militante socialista é capaz de responder, ele usou o velho estratagema de desviar-se do assunto (Schopenhauer, 1997): falou da contraposição que ele pensa haver entre cidadão e consumidor e não explicou se a alternativa estaria em consumir menos ou em dar a todos um poder de consumo elevado. Encerra dizendo que ainda pode haver uma "reversão" do problema, mas não diz em qual das direções perguntadas essa reversão deveria se dar!
É por isso que os intelectuais de esquerda, quando se põem a culpar o capitalismo por problemas ambientais, fingem que esse dilema não existe. Milton Santos não era diferente, mas deu azar de ser perguntado diretamente sobre a questão nessa entrevista. Bem, na verdade, nem se pode dizer que ele tenha tido azar. Apesar da resposta ser pífia, duvido que os entrevistadores e a grande maioria dos leitores tenham percebido assim. Ao menos no Brasil, quem repete mantras anticapitalistas é sempre visto como lúcido, inteligente, culto, etc e tal; mesmo quando faz uso de um truque retórico manjado para não explicitar sua incapacidade de dar consistência às teses anticapitalistas. E depois os outros é que são "debiloides"...
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SCHOPENHAUER, A. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas: (dialética erística). Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
O MS foi totalmente evasivo com uma pergunta mais contundente e usou de subterfúgios para responder.
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