segunda-feira, 11 de abril de 2022

Lula e Bolsonaro são igualmente ruins (crítica construtiva a Fernando Schüler)

Discordo da conclusão de que Bolsonaro é menos ruim do que Lula, conforme se lê no texto de Fernando Schüler que eu reproduzo no final do post. O autor faz várias ponderações bastante pertinentes, mas, ao contrário dele, eu enfatizo que, se houve uns poucos avanços nas reformas modernizadoras durante o atual governo, não foi graças a Bolsonaro, mas apesar dele.

No Brasil é assim: reformas modernizadoras só acontecem quando a economia está em crise profunda e avançam o mínimo necessário para evitar que a casa desabe. Vimos isso nos governos Collor, Itamar e Temer: os três sempre jogaram a favor do status quo estatista e só avançaram com as reformas, muito a contragosto, numa lógica de entregar os anéis para não perder os dedos. Nos governos Lula e Dilma, não havia uma crise econômica herdada do governo anterior, mas, ainda assim, ambos se viram forçados a fazer reformas previdenciárias meia boca para evitar que o Estado ficasse insolvente em futuro próximo. O único ponto fora da curva foram os governos de FHC, em que as reformas eram coerentes com um ideário social-democrata modernizado, conforme as tendências da social-democracia europeia nos anos 90. Ainda assim, é fato que a aliança entre PSDB, PFL e PMDB, que dava sustentação a esse governo, se esfarelou na metade do segundo mandato tucano. E isso porque, uma vez tendo ficado claro que a inflação não iria retornar, mesmo após a instituição da política de flutuação cambial, os fisiológicos dos então PMDB e PFL retiraram o apoio às reformas. De fato, no segundo mandato tucano, a máquina estatal voltou a crescer, e as privatizações importantes pararam em 98.

Não por acaso, o PMDB, de 2002 em diante, passou a dar preferência ao PT, partido autoritário, estatista, corporativista e eivado de corrupção que investe no gigantismo estatal para aboletar políticos petistas e sindicalistas da CUT na máquina, além de operar um "capitalismo de compadres" muito lucrativo (*). Esse era o partido mais conveniente para o PMDB de Temer, para o PTB de Roberto Jefferson e para outras agremiações fisiológicas: quanto maior a máquina estatal, mais fácil de acomodar todo mundo (embora o mensalão tenha sido descoberto por causa de disputas em torno das nomeações para as Diretorias dos Correios, numa demonstração de que o apetite fisiológico é insaciável). 

Nesse contexto, também discordo quando Schüler diz que seria bom termos uma esquerda democrática e comprometida com a responsabilidade fiscal. E isso porque tal esquerda já existe no Brasil: é o PSDB. Como já escreveu o economista Samuel Pessôa, numa crítica ao filósofo Ruy Fausto: "o melhor governo de esquerda que o Brasil poderia ter já aconteceu: foi o governo FHC" (citação de memória).

Mas numa coisa eu concordo com Schüler: precisamos de uma vertente liberal que rejeite o passado autoritário e que não misture política com religião, tal como os bolsonaristas fazem. Enquanto a direita não se renova, não vou votar no Bolsonaro só porque, devido à falta de opção, ele fez meia dúzia de reformas (inclusive prejudicando a qualidade de todas elas, como se viu na reforma da previdência, em que esse corporativista descarado beneficiou os militares). Mesmo porque, se avançar minimamente com as reformas fosse critério para votar em Bolsonaro, teríamos igualmente motivo para votar em Lula, que também fez uma reforma previdenciária meia boca, e muito contra a vontade, em 2003, além de algumas privatizações no setor de infraestrutura.

Lula e Bolsonaro são puro entulho populista. Sem terceira via, vou votar nulo.

(*) No governo Dilma, o estatismo e a política econômica desastrosa foram motivados também por uma combinação de ideologia esquerdista com teorias econômicas heterodoxas ultrapassadas. É que Dilma, ao contrário de Lula, tem convicção nas ideias esquerdistas que defende, e isso demonstra que coerência teórica e ideológica pode gerar resultados ainda piores do que oportunismo populista. 

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O texto de Fernando Schüler foi compartilhado na página de João Luiz Mauad no Facebook:

A Polarização Brasileira
Por Fernando Schüler

Lula vem sendo particularmente claro sobre o que pretende fazer no governo. Já disse que é contra a regra do teto, que vai “regular os meios de comunicação deste país”, que é contra privatizações, que vai intervir na política de preços da Petrobras e que vai reverter a reforma trabalhista. “O que está havendo com Lula?”, me perguntou, dias atrás, um jornalista experiente. Fiquei pensando. Há quem dê de ombros e diga que tudo isso não passa de papo de campanha. Que Lula é uma “metamorfose ambulante”, e que logo teremos uma nova “carta ao povo brasileiro”, pedindo para esquecermos qualquer radicalismo. Não vejo as coisas assim. Penso que Lula está sendo sincero, e isso é ótimo para o debate democrático.

Vale o mesmo para Bolsonaro. Não que ele apresente uma visão estruturada sobre o país, mas tudo o que seu governo vem fazendo caminha na direção contrária à de Lula. Bolsonaro diz que não vai regular a mídia nem as redes sociais. Dias atrás lembrou que não deixou de considerar o coronel Brilhante Ustra um “grande brasileiro”. Bolsonaro votou na regra do teto, na reforma trabalhista e aprovou a reforma da Previdência, já no seu governo. Fez andar à frente, ainda que aos tropeços, algumas privatizações e recentemente disse querer se ver “livre” da Petrobras, sugerindo que vai privatizá-la, caso reeleito.

De novo, pode-se dizer que tudo é balela, que o tal programa liberal de Paulo Guedes não andou e que lá no fundo Bolsonaro é tão “corporativista” quanto a esquerda. De fato, Bolsonaro tem um histórico corporativista, mas muitas das iniciativas do governo contam uma história um pouco diferente. Alguém acha corporativista a autonomia do Banco Central? Ou a lei da liberdade econômica? Ou quem sabe o novo marco do saneamento básico, chamado pelos deputados petistas de “privatização da água”?
Ainda na outra semana li um jornalista que escreveu que a terceira via erra ao equiparar Lula com Bolsonaro. Também acho. Se observarmos com alguma frieza, o grupo político ao qual Bolsonaro se associa, com idas e vindas, votou a favor de toda a série de reformas que o país fez, desde o processo de impeachment de Dilma. Teto de gastos, lei das estatais, reformas trabalhista e previdenciária, lei das terceirizações, Banco Central, novos marcos regulatórios, privatização da Eletrobras. A lista não é pequena. O grupo em torno de Lula votou contra tudo. Não estamos falando de retórica, mas de um
padrão consistente de votações no Congresso, ao longo de quase seis anos. Cada um pode ter a opinião que quiser sobre essas reformas. Mas não passa de discurso vazio sugerir que não existem diferenças bastante objetivas entre os dois blocos políticos. Por óbvio, há inconsistências por todos os lados. A falta de firmeza do governo em temas centrais, como as reformas administrativa e tributária, é exemplo disso. (...)

O curioso nisso tudo é o posicionamento da terceira via. O Radar do Congresso mostra que os partidos da chamada terceira via são, de fato, governistas, no mundo real das votações em Brasília. Ao longo do mandato de Bolsonaro, o PSDB votou 83% das vezes com o governo. João Doria pode dizer que Bolsonaro é o capeta, mas, a cada dez votações no Congresso, seu partido fechou oito vezes com o governo. No PSD, o índice de governismo vai a 91%. No União Brasil, o novo partido de Sergio Moro, vai a 90%. Do outro lado do jogo, de fato há uma oposição. O PT só acompanhou o governo em 24% das votações; o PSOL, em 18%. Lula e seus apoiadores foram coerentes não só durante o governo Bolsonaro, mas desde as primeiras votações no pós-impeachment.

A terceira via, numa palavra, carece de identidade. A retórica por vezes radical contra o governo, logo abaixo do teatro da política, se mostra um tanto vazia. Isso sob um aspecto vital da política, que efetivamente diz respeito à vida dos cidadãos: as leis e projetos votados no Congresso. Sob esse aspecto, só há efetivamente duas vias em disputa, nas eleições deste ano. Talvez isso explique um pouco de nossa polarização política, que é hoje ainda maior do que há quatro anos. Em abril de 2018, os dois líderes somavam 47%. Hoje, têm 69%. É difícil, ainda que não impossível, que a terceira via consiga se viabilizar. Seria ótimo que o país dispusesse de uma esquerda moderna, que não goste de ditaduras e leve a sério a responsabilidade fiscal; e uma vertente liberal, que não ache que 64 foi uma “revolução para salvar a democracia” e não misture política com religião.

Mas não há nada disso muito viável no horizonte político. E a culpa é única e exclusivamente dos eleitores. Aprendemos a nos contentar com isso que está aí. O que temos são opções com alguma nitidez, no terreno econômico, dadas pelo histórico de votações no Congresso. Elas projetam uma imagem do Brasil, para os próximos anos, e é bom que cada um forme seu juízo. Não sou dos que acham que há apenas um lado legítimo na democracia, ou que alguém seja o “dono” da própria democracia, como parece que virou moda por aí.

O melhor a fazer, em meio à tempestade, é largar um pouco o besteirol, o bate-boca do Twitter e os hooligans, de ambos os lados, e raciocinar sobre reformas e votações no Congresso. Observar o lado em que cada um esteve. Cada um pode ajudar a inocular um pouco de racionalidade em um mundo político que se tornou teatral e algo pueril. Se disser isso por aí e alguém lhe dirigir alguns palavrões, acredite: você está no caminho certo.

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