domingo, 7 de julho de 2013

O povo é "safado" quando discorda da esquerda

Hipocrisia das esquerdas: elas não respeitam o "povo"
Intelectuais e políticos de esquerda costumam ser tão dogmáticos em suas convicções que acham impossível alguém discordar delas com boas intenções. Eles não têm o menor pudor de tachar todos que discordam deles de fascistas e mercenários do capitalismo, não importando se é um intelectual que pensa de modo diferente, um partido de oposição, ou até uma classe social inteira – não é assim, dona Marilena Chaui?


Mas e quando a maioria da população dá de ombros para as teses e bandeiras de esquerda ou até vota contra elas? Nesse caso, insistem que suas propostas são as únicas capazes de atender às "reais necessidades" objetivas e subjetivas das pessoas, mas que a vontade popular não prevalece porque a opinião pública é desinformada ou manipulada pela imprensa, ou porque os órgãos de representação política e de planejamento são controlados pelas "classes dominantes" ou "elites". O único esquerdista que já se recusou a usar esse tipo de desculpa foi Henfil, conforme expliquei aqui. Só que a emenda saiu pior do que o soneto.

Por que "o povo brasileiro é safado"


Henfil foi bastante suave em suas críticas ao totalitarismo chinês e severíssimo com a ditadura de 64. Apoiou a campanha das Diretas Já, sendo que, quando a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada, e as oposições resolveram formar a Aliança Liberal para eleger Tancredo Neves pela via indireta, Henfil acompanhou o PT na decisão de ficar contra esse acordo político. O PT não votou em Tancredo, mas a maior parte dos oposicionistas entendeu que derrotar Paulo Maluf seria a maneira mais segura de garantir a continuidade do processo de redemocratização do país. E a opinião pública, concordando com essa avaliação, concedeu amplo apoio à eleição de Tancredo pelo colégio eleitoral.

Foi esse o contexto que levou Henfil a proclamar "o povo brasileiro é safado" numa entrevista ao jornal O Pasquim, que era um baluarte de resistência à ditadura no jornalismo. Ele não estava querendo dizer que o povo brasileiro tinha mau caráter, e sim que estava sendo covarde, submisso. E explicou que fazia tal avaliação por ser daqueles livres pensadores que dizem o que pensam, doa a quem doer, e que criticam quem tiver de ser criticado, ainda que seja o próprio povo! 

Não bastasse a entrevista, aquela edição do jornal trazia uma história em quadrinhos de autoria de Henfil que explicava esse seu pensamento luminoso e independente. Pesquisei na internet para ver se achava a entrevista e/ou a história em quadrinhos, mas não localizei nada – talvez por não dispôr de tempo para abrir mais do que umas poucas páginas de pesquisa, ou talvez porque os admiradores do Henfil, não gostando dessa ideia em particular, preferiram deixá-la escondida no mundo dos arquivos de papel. 

Faço então um resumo de memória. Um personagem que personificava o povo ia cantarolando pela rua quando era violentamente chutado por um personagem anônimo, o qual, embora não se parecesse com Henfil, expressava a sua visão. Entre socos e pontapés, o alter ego de Henfil ia criticando o povo por ter dado apoio a Tancredo. O povo respondeu que era por causa dos anos de ditadura, que o tinham acovardado, e à manipulação da TV. Furibundo, o alter ego de Henfil disse "e desde quando você acredita na viada da TV?!" (sic). No final, o povo leva um safanão tão forte que a sua máscara cai. O verdadeiro rosto do personagem que representava o povo era a caricatura de uma personalidade muito bem conhecida à época. E o alter ego de Henfil, horrorizado, gritou: "o povo é o Golbery!".

Sinceridade desconcertante


Essa explicação política do Henfil não fez nenhum sucesso entre acadêmicos, políticos e jornalistas. Afinal, xingar o povo é um desastre como estratégia política e eleitoral. E qualquer pessoa de bom senso percebe que usar o adjetivo "safado" para desqualificar a opinião da maioria das pessoas de um país inteiro soa, no mínimo, arrogante e dogmático. De fato, o que ele pensou ser uma demonstração de independência e coragem intelectual foi apenas o escancaramento daquela presunção de superioridade moral e intelectual que é tão comum nas esquerdas, e em nome da qual os regimes comunistas praticaram as maiores atrocidades. É bom que as pessoas se  lembrem disso no próximo dia 11, quando os petistas planejam sair às ruas para capitalizar os vários descontentamentos manifestos recentemente em proveito do seu partido.

P.S.: Antes que alguém diga que Henfil era uma exceção na esquerda, ou reclame que tem gente de direita que também desqualifica moralmente os adversários, recomendo que leia os textos indicados abaixo.

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