"Passagem livre para tráfico de drogas e armas". Grevistas da Polícia Rodoviária Federal, em cartaz num posto de policiamento na Via Dutra. O governo federal ameaçou demitir os autores da frase. Revista Época, 27 ago. 2012.
Não há dúvida de que as gestões do PT na área da saúde são um completo desastre, um retrocesso sem tamanho. Os números do IBGE mostram que, do último ano do governo FHC até 2005, o número de leitos hospitalares caiu 5,9%, chegando ao mais baixo patamar em três décadas. Isso fez a taxa de leitos cair de 2,7 para 2,4 por mil habitantes nesse período, sendo que a OMS considera recomendável haver entre 3 e 5 leitos por mil habitantes. Entre 2007 e 2012, a taxa caiu ainda mais, chegando a 2,3, e o número de leitos diminuiu até em termos absolutos (ver aqui). Diante disso, o descalabro que é a importação de escravos cubanos com diploma de médico acaba sendo café pequeno...
Apesar disso, os sindicalistas que atuam na área da saúde só se empenham em organizar "frentes de luta" quando alguma medida administrativa ameaça tirar-lhes a estabilidade no emprego e obrigá-los a trabalhar mais. É o que se tem visto com a mobilização feita pelos sindicatos para impedir a transferência da administração dos hospitais universitários à EBSERH, empresa pública de direito privado instituída em 2010 com essa finalidade administrativa.
Tudo bem, sindicato não existe para defender o que seria o "interesse geral" da população e nem para fazer valer ideias ou ideais, mas apenas para defender os interesses econômicos dos seus filiados, conforme tratei aqui. O problema está apenas no fato de que os sindicatos de trabalhadores da área da saúde têm procurado convencer a opinião pública da justeza de seus pleitos com discursos que os pintam como paladinos do interesse público contra a perversidade do capital. E aí, acabam produzindo discursos simplificadores, maniqueístas, demagógicos e até hipócritas.
Para mostrar isso, vou citar um único slogan usado na campanha que Sinditest-PR, APUFPR-SSind e "Movimento Estudantil da UFPR" estão usando contra a transferência da administração do Hospital de Clínicas da UFPR à EBSERH, que é o seguinte: "saúde não é mercadoria" (*).
Bem, podemos definir "saúde" simplesmente como ausência de doenças em um organismo. A OMS prefere usar uma definição mais ampla e com maior margem para avaliações subjetivas, qual seja: "um estado de completo bem-estar físico, mental e social". Qualquer que seja a definição, está claro que a saúde é um estado do organismo que resulta da ação de vários fatores e, como tal, não pode mesmo ser vendida, concedida, transferida de qualquer forma. O que pode ser doado ou comercializado são os bens e serviços cujo consumo afeta de alguma maneira a saúde dos indivíduos, tais como alimentos, remédios e a prestação de serviços médicos e hospitalares. Nesse sentido, está claro que a mercantilização dos serviços de saúde não ocorre apenas quando um paciente paga pelo tratamento que recebeu, mas também quando os trabalhadores da saúde recebem salários em troca dos serviços que prestaram.
De fato, quando um cirurgião recebe um salário após um mês realizando operações, o que se tem aí não é uma troca mercantil? Quando uma enfermeira recebe pagamento após um mês cuidando dos pacientes de um hospital, isso não é uma relação mercantil? Claro que sim! Mas os sindicatos dos trabalhadores da saúde falam como se o fato de esses profissionais cobrarem uma remuneração para cuidar dos doentes não fosse uma relação mercantil e como se isso nada tivesse a ver com seus interesses econômicos. Precisamente aí reside a hipocrisia desse argumento tolo usado pela "frente de luta".
Ora, os profissionais da área de saúde não só exigem dinheiro em troca do trabalho de cuidar dos doentes como ainda negociam para ganhar o máximo trabalhando o mínimo. Exatamente como fazem os empresários quando negociam preços com fornecedores e clientes e do mesmo modo como agem os profissionais de quaisquer outras áreas - professores universitários incluídos. Isso transparece no momento em que a "frente de luta" reclama que a EBSERH administra hospitais segundo a lógica do "produtivismo" e que a mudança administrativa poderá gerar demissões nos hospitais universitários (*).
Em tempo
Não estou aqui para defender o modelo da EBSERH. Em tese, acho uma ideia muito interessante, mas não vou dizer que o sistema é bom sem conhecer-lhe os detalhes.
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(*) Boletim Informativo da Frente de Luta contra a EBSERH, n. 1, nov. 2013.
Diniz: Outro dia a OMS falou do SUS na Folha de S. Paulo, o colocando como mal administrado. Entre as causas, a ênfase em unidades de atendimento pequenas e médias, sendo que o mais lógico seria o uso de grandes hospitais, além do excesso de atendimentos em unidades de pronto atendimento, sendo que o mais correto seria direcionar pacientes para clínicas. Enfim, além da queda no número de leitos, vivemos no Brasil um processo de má administração, salários muito díspares entre os diversos profissionais, privilégios absurdos (como o caso dos médicos que recebem sem trabalhar, e não só médicos), e impedimentos a expansão da oferta, com a abertura de novas faculdades e validação de diplomas obtidos no exterior. No fundo, a saúde neste país vai muito mal, mas o problema não é falta de dinheiro, mas incompetência. Excelente texto.
ResponderExcluirAbraço
Sim, a saúde vive o mesmo problema da educação: não falta dinheiro, mas eficiência administrativa e operacional. Como o desperdício de recursos é grande, reflete-se na redução do número de leitos hospitalares, entre outras distorções. Mas os sindicatos só se mexem para combater o "produtivismo", sem atacar privilégios como esses que você mencionou! Sindicalistas adoram falar em solidariedade, mas não há no mundo solidariedade mais excludente do que a dos sindicalistas.
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