quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Aumentar salário mínimo não diminui a miséria e nem a desigualdade

Na campanha presidencial em curso, assim como em todas as anteriores, vemos a cambada do PT a falar como se os seus adversários fossem contra a política de elevação do valor real do salário mínimo, a qual seria indispensável para reduzir a pobreza e a concentração de renda. Temos aí duas mentiras descaradas que se valem de duas estratégias diferentes para ludibriar os eleitores.


A primeira mentira consiste em falar como se a trajetória de aumento do salário mínimo acima da inflação tivesse começado no governo Lula, quando foi o Plano Real que deu início a esse processo. De 1994 a 2002, quando se encerra o governo FHC, a taxa de variação real do salário mínimo foi de 4,7% ao ano. Nos dois governos Lula, em que a economia se beneficiou de um cenário internacional favorável na maior parte do tempo, a taxa anual subiu para 5,5%. Mas, na gestão Dilma (até 2013), a taxa caiu para 3,5%. Na média dos onze anos de governos petistas, a taxa ficou em 5,0% ao ano, praticamente a mesma dos governos tucanos (Giambiagi; Schwartsman, 2014). Trata-se então da velha e conhecida estratégia petista de mentir descaradamente até que a mentira vire verdade.

A segunda mentira se vale de uma estratégia mais sutil, que consiste em tirar proveito da falta de informação das pessoas quanto ao real impacto dos aumentos de salário mínimo sobre a pobreza e a distribuição de renda. Pesquisas realizadas pelo IPEA, com base nas informações da PNAD, demonstram que os aumentos do salário mínimo tiveram um efeito significativo de redução da desigualdade de renda nos primeiros anos do Plano Real, mas esse efeito já não se repetiu nos anos 2000 (Barros; Foguel; Ulyssea, 2006). 

Uma explicação para isso é que a crise inflacionária de 1980 a 1993 havia feito com que o salário mínimo perdesse muito valor, afastando-se da média salarial. Daí que, quando o Plano Real estancou a inflação e o salário mínimo começou a subir mais rapidamente do que a média dos salários, o resultado foi uma sensível contribuição para o processo de redução da desigualdade de renda iniciado com esse Plano. Mas, em meados dos anos 2000, quando o salário mínimo já havia praticamente dobrado de valor, os novos aumentos reais aplicados já não tinham como alterar significativamente a concentração de renda. Além disso, os pesquisadores do IPEA levantam a hipótese de que, justamente por ter acumulado um grande aumento real de valor, o salário mínimo já está funcionando como um desestímulo à contratação de trabalhadores com esse nível salarial (Idem). 

Outro motivo pelo qual é bobagem achar que aumento de salário mínimo ainda pode ajudar na redução da desigualdade é que, ao contrário do que se pensa, os trabalhadores mais pobres não se beneficiam desse aumento. Dados da PNAD para 2005 atestam que 20% dos trabalhadores brasileiros ganhavam menos do que o salário mínimo, enquanto na região Nordeste esse contingente ficava entre 40% e 50% dos trabalhadores. Isso significa que "o salário mínimo não é mínimo no Brasil"  (Giambiagi, 2007, p. 90).

Daí que a elevação do salário mínimo também não é eficaz para a redução da pobreza extrema, já que os muito pobres ganham menos do que o mínimo! Mesmo em domicílios onde moram aposentados (que recebem uma renda pelo menos igual ao mínimo) há bem poucas pessoas situadas entre os mais pobres. Isso ocorre porque o valor do salário mínimo, dividido entre todos os membros de uma família de tamanho médio (quatro pessoas), já é suficiente para fazer com que a renda domiciliar per capita fique acima da linha de pobreza extrema. E isso mesmo sem considerar que a grande maioria dos domicílios onde mora uma família com ao menos um aposentado conta ainda com outras fontes de renda além dessa, especialmente os salários recebidos pelas pessoas que ainda não se aposentaram (Idem, ibidem).

E a oposição?

Nesse, assim como em qualquer outro assunto, o PT usa mentiras descaradas e tira proveito da desinformação das pessoas para ganhar votos. Mas isso não significa que as oposições estejam contribuindo para esclarecer os eleitores. Pelo contrário, prometem mais e mais aumentos do salário mínimo, perpetuando os equívocos! Disputar para ver quem promete aumentos maiores do salário mínimo é uma estratégia eleitoral de ganhos comprovados para os candidatos de todos os partidos. Até porque as pessoas que ganham mais do que o mínimo ainda pensam que seja uma boa ideia continuar concedendo aumentos reais para combater a pobreza e a desigualdade. E assim o país segue desperdiçando dinheiro público e entravando o crescimento econômico com aumentos irrealistas de um salário mínimo que não é mínimo!
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BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: Ipea, v. 1, 2006

GIAMBIAGI, F. Brasil: raízes do atraso; paternalismo versus produtividade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

GIAMBIAGI, F.; SCHARTSMAN, A. Complacência. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

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