terça-feira, 12 de julho de 2016

Viva os transgênicos! Abaixo o Greenpeace!

Já fui abordado na rua, umas três vezes, por militantes do Greenpeace doidos para me arrancar doações de dinheiro. Eu podia responder que estou com pouca grana (o que nem seria mentira), mas prefiro cortar logo a conversa dizendo a verdade: não tenho simpatia pelo Greenpeace.

Mas como alguém pode não simpatizar com uma organização que defende tão belas causas? Simples: repudio organizações que tentam me enganar com mentiras descaradas e que, ao defender causas inegavelmente belas, propõem "soluções" que, quando aplicadas, geram efeitos contrários aos prometidos.


Dos alimentos geneticamente modificados

Um pequeno exemplo de como o Greenpeace se encaixa nessa avaliação está no artigo 107 Nobel laureates sign letter blasting Greenpeace over GMOs. O artigo, publicado no The Washington Post, mostra os argumentos dos dois lados da  questão, isto é, dos cientistas e dos militantes do Greenpeace. Um dos cientistas que organizou a campanha, Richard Roberts, afirma apoiar muitas atividades do Greenpeace, mas, quanto aos alimentos geneticamente modificados, diz taxativamente: 
Nós somos cientistas. Nós entendemos a lógica da ciência. É fácil ver que o que o Greenpeace está fazendo é danoso e anti-científico. O Greenpeace, inicialmente, e depois alguns dos seus aliados, deliberadamente saíram da linha [went out of their way] para amedrontar as pessoas. É um meio para eles conseguirem dinheiro para sua causa.
Adiante, a reportagem reproduz passagens da carta que afirmam, entre outras coisas, o seguinte:
Agências científicas e regulatórias do mundo todo repetida e consistentemente descobriram que culturas e alimentos melhorados por biotecnologia são tão seguros quanto, se não mais seguros que aqueles derivados de qualquer outro método de produção. Nunca houve um único caso confirmado de consequência negativa para a saúde de pessoas e animais proveniente do seu consumo. Seus impactos ambientais mostraram recorrentemente ser menos danosos para o ambiente, e um benefício para a biodiversidade global.
E por que os cientistas decidiram fazer essa campanha contra o Greenpeace? Por dois motivos: a) porque, embora o Greenpeace seja praticamente a única organização que se opõem aos transgênicos, tem um impacto significativo na opinião pública  mundial; b) por causa da luta dessa organização contra o Arroz Dourado (Golden Rice), uma variedade de arroz geneticamente modificado que tem potencial para reduzir ou eliminar doenças (até cegueira!) e mortes causadas por deficiência de vitamina A nas regiões pobres da África e do Sudeste da Ásia. E a carta cita números: segundo a OMS, cerca de 250 milhões de pessoas no mundo sofrem de deficiência de vitamina A, incluindo 40% das crianças de menos de 5 anos nos países em desenvolvimento.

O outro lado do debate

Vou tratar dos argumentos usados pelo Greenpeace em outro post, para não estender demais este aqui. Assim, faço apenas mais duas observações sobre esse debate, antes de encerrar.

A primeira delas diz respeito à alternativa proposta pelo Greenpeace ao Arroz Dourado, que é a "agricultura ecológica", a qual poderia resolver problemas de desnutrição pela oferta de alimentos diversificados aos agricultores familiares de países pobres, além de ser uma "solução escalável [scaleable solution] para a adaptação à mudança climática".

Bem, conforme eu já discuti em alguns trabalhos (Diniz Filho, 2011 e Diniz Filho, 2013), a sustentabilidade econômica e ambiental das várias formas de agricultura alternativa ainda está em construção, como reconhecem até agrônomos entusiastas desses sistemas - se é que algum dia essas formas serão mesmo sustentáveis. E isso ocorre porque a produtividade da agricultura orgânica e de outras modalidades ecológicas é muito baixa. Nesse sentido, a agricultura ecológica não é uma solução escalável de jeito nenhum! 

Por outro lado, é certo que países como o Brasil resolveram seus problemas de desnutrição e de acesso à alimentação saudável sem usar o Arroz Dourado. Isso se deu graças à elevação da produtividade em todas as lavouras e criações, o que permitiu à população de baixa renda ter acesso a uma alimentação diversificada comprando produtos no supermercado (aqui). 

Se o Greenpeace rejeitasse o Arroz Dourado, mas ao menos defendesse a modernização da agricultura mediante o uso de sementes convencionais, vá lá! Em vez disso, como informa The Washington Post, prefere reivindicar dinheiro de governos e de entidades filantrópicas para financiar a prática da agricultura ecológica junto aos agricultores familiares das Filipinas... Ora, se a agricultura ecológica fosse economicamente viável, não precisaria de dinheiro estatal e nem de filantropia!

A segunda observação a fazer diz respeito a esta afirmação do biólogo Randy Schekman, publicada na mesma matéria:
Acho surpreendente que os grupos que são muito favoráveis à ciência quando se trata de mudança climática global, ou mesmo, em sua maior parte, na apreciação do valor da vacinação na prevenção da doença humana, possam ter tanta desconsideração pelas visões gerais dos cientistas quando se trata de algo tão importante como o futuro agrícola mundial.
Bem, eu não vejo nada de surpreendente nessa hipocrisia. Os grupos ambientalistas, como quaisquer organizações políticas, usam todo e qualquer argumento que interesse à causa, sem se importarem com coerência. Quem se importa com coerência acima de tudo (ou ao menos deveria ser sempre  assim...) são os cientistas. 

Para finalizar, uma pergunta: se os grupos ambientalistas se opõem ao consenso científico no intuito de angariar dinheiro para suas causas, devemos então acreditar quando essas organizações políticas juram de pés juntos, e esfregam na cara de todo mundo, que os cientistas são quase unânimes em afirmar que a ação humana está mudando o clima da Terra? 

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