terça-feira, 20 de maio de 2014

Locavore: produção local de alimentos é questionável até em termos ambientais

Uma agropecuária baseada na policultura e voltada para o atendimento de mercados locais é antieconômica porque reduz a produtividade média da terra e, por conseguinte, aumenta os custos de produção, diminui a oferta de alimentos e pressiona os preços ao consumidor para cima. E essas perdas são muito maiores do que a redução dos custos de transporte esperada com a implantação desse modelo, conforme demonstrei noutro post (ver aqui). Nesse sentido, as políticas que privilegiam o fornecimento local na compra de comida para merenda escolar, como é o caso do nosso Programa Nacional de Alimentação Escolar (IBGE, 2010, localização 77), são prejudiciais para a economia e também um desperdício de dinheiro público, pois estimulam produções familiares de baixa eficiência e ainda encarecem a merenda.


Mas eu não condeno as pessoas que integram o chamado "movimento locavore", as quais optam por consumir apenas alimentos produzidos a uma distância máxima de 258 Km e a comprá-los diretamente dos produtores rurais, não nos supermercados. Esse movimento é acusado de "ingênuo e elitista" pelo fato de que os alimentos comprados por seus adeptos são geralmente orgânicos e, portanto, mais caros do que os convencionais  (Cf.: Comida com fronteira). 

De fato, a produtividade da agroecologia é baixa, o que implica aumento dos custos de produção e dos preços ao consumidor final, de sorte que o locavore não é mesmo para os mais pobres. E é certo que seus adeptos são ingênuos se acreditam que esse padrão de consumo seja generalizável, visto que, quanto mais pessoas optarem por alimentos orgânicos de produção regional, mais vão criar demanda por alimentos produzidos com baixa produtividade, processo esse que, no limite, tenderia a elevar os preços dos alimentos cada vez mais e a exigir a incorporação de mais terras à produção agrícola, o que inviabilizaria novas adesões e anularia os benefícios ambientais esperados. Ainda assim, parto sempre do princípio de que cada um sabe o que faz com seu dinheiro. Se querem pagar mais caro por uma comida orgânica e de produção regional, que assim seja. Contanto que não venham exigir que os outros paguem por suas escolhas de consumo, ao reivindicar subsídios para a produção regional - como já ocorre no caso da merenda escolar -, tudo bem. 

Produtividade é a chave

Não condeno a opção individual pelo locavore, mas é certo que todo consumidor precisa dispor de boas informações para decidir com conhecimento de causa. Ocorre que os adeptos do locavore acreditam que a opção por produtos regionais implica contribuir para "salvar o planeta", ideia essa que, mesmo para os crentes na tese do aquecimento global antropogênico - AGA, pode ser um tiro pela culatra.
Estudo recente de dois pesquisadores de Carnegie Mellon, Christopher Weber e H. Scott Mathews, descobriram que a compra de alimentos de produção local na realidade aumenta as emissões de gases do efeito estufa. Por quê?
Mais de 80% das emissões associadas a alimentos se concentram na fase de produção, e os grandes agronegócios são muito mais eficientes que os  pequenos produtores. O transporte representa apenas 11% das emissões associadas a alimentos, cujo componente relacionado com a entrega do produtor ao varejista gera somente 4% (Levitt; Dubner, 2010, p. 153). 
Os autores dessa pesquisa parecem estar entre aqueles que dão crédito à tese AGA, visto que recomendam diminuir o consumo de carne vermelha e de laticínios com o fim de reduzir as emissões de metano, gás que é 25 vezes mais potente na geração de efeito estufa do que o dióxido de carbono (Idem, ibidem). Logo, os ambientalistas, agricultores familiares e produtores orgânicos podem guardar suas convenientes teorias conspiratórias para si mesmos, pois dizer que os resultados da pesquisa foram feitos de encomenda para o agronegócio - que tem grande importância na produção de carne de boi e laticínios - não vai colar.

Mas a questão é que, apesar de os adeptos do locavore compreenderem a ideia intuitiva de que deslocamentos menores implicam reduzir custos de transporte e também emissões de CO2, não conseguem enxergar que a questão mais decisiva é a produtividade, ou seja, o uso eficiente dos fatores de produção, tais como terra, trabalho e energia. É bom que estejam cientes disso para avaliar se a opção por produtos regionais ajuda a salvar o planeta ou contribui para destruí-lo. 

Para encerrar, acrescento dois comentários. O primeiro é que devemos repudiar as críticas que os defensores da agroecologia lançam contra o lógica "produtivista" da agricultura convencional, pois, ao contrário do que essas críticas fazem crer, não existe uma contraposição entre eficiência econômica, qualidade de vida e desenvolvimento sustentável, mas sim uma complementaridade. O segundo é que eu estou entre os céticos quanto à validade da tese AGA, conforme os textos indicados abaixo, razão pela qual não vejo motivo para diminuir o consumo de carne vermelha e laticínios.

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IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

LEVITT, S.; DUBNER, S. Superfreakonomics: o lado oculto do dia a dia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

2 comentários:

  1. Isso me lembrou o trabalho deste cara https://www.youtube.com/watch?v=5k1X3ZUmCew . Acho que vale a pena estudar o estudo que ele aponta.
    Obg
    Bruno Frank

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    1. Muito bom vídeo. Os dados da pesquisa que Pierre Desrochers apresenta são idênticos aos dos pesquisadores citados acima: 83% das emissões vêm da fase de produção de alimentos, e a distribuição ao varejo responde por apenas 4% do total. E os argumentos econômicos dele também são perfeitos: a agricultura de subsistência, por sua baixa produtividade, sempre foi sinônimo de fome, deixando as populações que dependem dela sujeitas a insegurança alimentar. Basta uma colheita ruim para que faltem produtos.

      Eu realmente não tenho nada contra a opção individual pelo Locavore, mas não posso aceitar que os adeptos desse sistema saiam por aí fazendo proselitismo dele com base em argumentos econômicos e ambientais completamente idiotas e descolados dos fatos. Os consumidores precisam escolher com conhecimento de causa, e os militantes não devem sair por aí dizendo besteiras sem serem corrigidos.

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