quarta-feira, 24 de maio de 2017

A responsabilidade da imprensa e a nossa

Assim que eu vi a Globo noticiar de forma categórica que uma gravação comprovava que Michel Temer ofereceu suborno para calar Eduardo Cunha e que pediu propina para a JBS, acreditei de pronto. Como a minha avaliação de Michel Temer e do PMDB é bastante negativa (ver abaixo), fiquei imediatamente a favor do impeachment. Contudo, os fatos recentes mostraram que:

1. A gravação que compromete Temer não é confiável, pois há cerca de 50 cortes nela, segundo os especialistas. Além disso, o nome do arquivo foi alterado, o que impossibilita saber em qual aparelho de gravação aquele arquivo foi gerado. Logo, não há como dizer se os cortes são falhas do aparelho ou produto de uma montagem fraudulenta. Considerando que o autor da gravação é um criminoso confesso (Joesley) a gravação acaba sendo tão suspeita quanto uma nota de R$ 3,00.

2. Mesmo com uns 50 cortes, o conteúdo da gravação não autoriza dizer que Temer anuiu com o pagamento de suborno a Eduardo Cunha, tal como a imprensa noticiou sem nem sequer ter escutado a gravação. Na verdade, essa interpretação foi a que Rodrigo Janot fez da gravação. E a imprensa vendeu essa interpretação subjetiva (para não dizer forçada mesmo) sem checar nada!

3. A própria operação que levou à gravação é de legalidade questionável. E uma vez que Rodrigo Janot divulgou uma interpretação imprecisa da gravação sem antes solicitar uma análise técnica para checar a autenticidade desta, então temos aí mais um argumento muito forte para justificar o cancelamento da delação de Joesley ou, no mínimo, para retirar dos autos o que proveio dessa gravação. 

Mas isso não significa que estou inocentando Temer. Na verdade, eu nunca engoli a história de que a candidatura dele à vice-presidência não foi beneficiada pelo dinheiro do petrolão e/ou que ele não sabia de nada sobre isso. E é possível que novas informações o deixem realmente comprometido (uma possível delação de Jorlei, por exemplo). Mas, só com base na gravação, não há dúvida de que impedir Temer é uma injustiça e um atentado contra o Estado de direito. Se ele merece o impeachment, que isso seja feito por conta de crimes que ele realmente tenha cometido e com base em provas obtidas por meio de investigações sérias e ao cabo do devido processo legal, não por conta de investigações possivelmente ilegais, interpretações questionáveis e provas duvidosas.

Contudo, meu objetivo não é dizer se o considero culpado ou inocente, mas apenas chamar atenção para um ótimo editorial d'O Estado de São Paulo, como segue:
A tarefa primária da imprensa consiste em fornecer ao leitor informações que lhe permitam formar opinião acerca do mundo em que vive. Da qualidade das informações processadas pelos jornalistas depende, em grande medida, a formação de consensos em torno do que é realmente melhor para o País, muitas vezes a despeito do que querem aqueles que estão no poder ou que lá querem chegar. O jornalismo que, por açodamento, se baseia no que está apenas na superfície e se contenta com o palavrório de autoridades para construir manchetes bombásticas se presta a ser caixa de ressonância de interesses particulares e corporativos, deixando de lado sua missão mais nobre – jogar luz onde os poderosos pretendem que haja sombras (Cf.: A responsabilidade da imprensa).
"O país da impunidade"

Desde que me entendo por gente eu conheço a visão, bastante disseminada entre a opinião pública, de que o Estado brasileiro é profundamente contaminado pela corrupção e de que "o Brasil é o país da impunidade". Nesse sentido, é compreensível o afã das pessoas em ver figurões da política e do empresariado pagando por seus crimes. Mas o problema é que, ciente disso, a imprensa noticia qualquer bomba que confirme tal percepção (ao meu ver, correta) para ganhar cliques, visualizações, assinaturas, para vender mais revistas e jornais impressos. E assim a imprensa falha em sua responsabilidade e engana os leitores mesmo inadvertidamente, conforme afirma o Estadão.

E qual seria a responsabilidade de nós, leitores? Por mais frustrante que seja descobrir que o Ministério Público falhou e que esta e aquela denúncia não se sustentam, nossa responsabilidade é, diante de informações novas e mais precisas, ter a coragem de rever nosso ponto de vista e parar de fazer o jogo de quem tem interesses econômicos e políticos na sedimentação da mentira. 

No caso em tela, devemos dizer em alto e bom som que a gravação não justifica o impeachment de Temer e que, sendo assim, é preciso proceder a mais investigações. Temos também o dever de não nos deixar levar quando a esquerda radical cobra que as pessoas saiam às ruas para exigir o impeachment de Temer só com base em notícias sem fundamento. Por fim, temos o dever de acusar a lógica de um peso e duas medidas usada pela esquerda, a qual, hipocritamente, dá razão à Globo e à Lava-Jato com o fim de exigir, com a violência e autoritarismo de sempre, que um presidente seja apeado do cargo sem provas concretas de que ele tenha cometido crime. Por sinal, a mesma esquerda hipócrita que, mesmo diante das provas inequívocas do crime de responsabilidade cometido por Dilma, continua a contar mentiras sobre "golpe"...

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Um comentário:

  1. Bom, creio que a imprensa, assim como a perspectiva indicada pelo professor, tenha revisto a abordagem após a euforia das primeiras horas posteriores ao conhecimento do conteúdo das gravações. Tais considerações devem sim ser ponderadas por quem não seja movido pelos partidarismos e paixões político-ideológicas. Independente das muitas interpretações que possam ser feitas acerca do que foi gravado, convenhamos a extrema infelicidade e furtividade do fato em questão, onde um megaempresário é recebido pelo presidente em sua residência, em horário não usual, sem registro em agenda, num contexto em que alguns crimes são relatados perante o chefe do executivo.
    Entrementes, cai por terra o argumento da esquerda de que a Operação é enviesada e voltada para a punição daqueles que pertencem ao PT, de modo que mais uma vez a demagogia é escancarada, na fragilidade sem fim de um ideário capenga e apaixonado.
    As relações entre Estado e corporações deve ser melhor avaliada, visto que nosso modelo de intervenção estatal tem contribuído, com dinheiro recolhido via espoliação dos impostos, a fomentar os oligopólios. Isso a esquerda não tem condições de fazer, pois a fé no Estado interventor não lhes permite, de forma que negam cabalmente os efeitos colaterais do Estado providência.

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