quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vesentini entregou o jogo sem querer

José W. Vesentini afirma que, ao contrário do que geralmente se pensa, a origem da geocrítica brasileira não se deu nas pesquisas universitárias, mas sim no ensino médio e fundamental. Ele procura justificar tal avaliação por meio de um testemunho pessoal, afirmando que, já em 1969, participou de seminários num cursinho em que foram discutidas obras como Panorama do mundo atual, Capitalismo e subdesenvolvimento na América Latina, Formação do Brasil contemporâneo e Formação econômica do Brasil, entre outras. Ele também confere grande importância ao livro Geografia do subdesenvolvimento, de Lacoste, e acrescenta que a discussão das relações centro/periferia incorporava também autores como Paul Baran, Paul Sweezy, Harry Magdoff, Teotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e André Gunder Frank, entre outros (Vesentini, 2001). 

Nesse sentido, a geocrítica só teria sido introduzida na academia pelo encontro de docentes de ensino médio e fundamental engajados, como era o caso dele, com alguns professores universitários descontentes com a geografia produzida até aquela época, a qual, mesmo no Departamento de geografia da USP (o mais avançado do país, então), continuava prisioneira dos postulados clássicos da disciplina (2001). 

Bem, não vou discutir aqui se as origens da geocrítica estariam nas pesquisas universitárias ou no ensino, pois o essencial é destacar que, à luz da interpretação de Vesentini, o advento dessa corrente se deve à adesão de muitos geógrafos a determinadas bandeiras político-ideológicas, não a questionamentos teóricos ou metodológicos! Mais do que isso, fica evidente que as opções ideológicas precederam e determinaram aquelas propriamente científicas, pois funcionaram como critérios para a seleção das leituras realizadas com o fim de encontrar instrumentos para o estudo de novos objetos. Afinal, é isso o que demonstra a lista de autores e obras que Vesentini destaca como importantes para os geógrafos da sua geração, não é mesmo? Eles partiam do princípio de que as verdades científicas estariam necessariamente circunscritas ao universo da esquerda intelectual, de modo que os autores de outras tendências não precisavam nem ser lidos; bastava reproduzir as críticas dos intelectuais de esquerda a esses autores para descartá-los como ideólogos do capitalismo. 

Essa filtragem irrefletida das teorias que poderiam lhes servir de referência para a renovação da geografia mostra-se especialmente grave quando se considera que esses geógrafos (assim como seus orientadores) não tinham formação em economia e, mesmo assim, lançaram-se a leituras econômicas sem o interesse de conhecer minimamente as principais correntes e debates teóricos dessa ciência para melhor se situar. Tudo o que lhes interessava era descobrir, dentre as teorias sociais e econômicas produzidas por autores de esquerda, aquelas que poderiam servir de base para uma geografia capaz de produzir uma crítica radical ao capitalismo. Daí a importância que concederam a alguns autores que, já nos anos 1970, eram acusados de produzir teorias extremamente simplificadoras e repletas de contradições teóricas e empíricas, tais como Gunder Frank e Rui Mauro Marini – acusações essas que partiam inclusive de dentro do campo marxista (Diniz Filho, 1999). 

Nesse sentido, a interpretação de Vesentini sobre as origens da geocrítica revela muito mais do que ele gostaria. Ela mostra que professores como ele já falavam em subdesenvolvimento, luta de classes e exploração centro/periferia quando ainda davam aulas no ensino médio e fundamental, mas demonstra também que esses conceitos e teorias foram assimiladas pelos professores com pouca reflexão crítica, já que selecionadas com base num critério puramente ideológico. 

E depois Vesentini diz que o objetivo da geografia crítica escolar é fazer do aluno alguém que pensa com a própria cabeça... 

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VESENTINI, J. W. A geografia crítica no Brasil: uma interpretação depoente. Departamento de geografia – FFLCH-USP, out. 2001. Disponível em <http://www.geocritica.hpg.ig.com.br/geocritica04-6.htm> Acesso em: 29 jun. 2006. 

DINIZ FILHO, L. L. Os equívocos da noção de "regiões que exploram regiões": crítica ao conceito de "transferência geográfica de valor" de Edward Soja. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 13, p. 165-186, 1999.

6 comentários:

  1. Sr. Luis, o link para o texto de Vesentini não é mais válido.

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  2. Muito obrigado pelo aviso, Edmilson! Acabei de fazer uma pesquisa no Google e encontrei o artigo do Vesentini neste link: http://www.geocritica.com.br/Arquivos%20ZIP/geoBrasil.zip

    O artigo merece ser lido pelo que revela involuntariamente, mas também pelas críticas do autor ao livro "Brasil: território e sociedade no início do século XXI", de Milton Santos e Maria Laura Silveira.

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  3. Mas pq a surpresa com o fato de professores do ensino médio se anteciparem em buscar relacionar teorias marxistas, criticas ao capitalismo na geografia. Até parece que somente na academia seja possível pensar e renovar teorias e metodologias de ensino. A universidade é totalmente conservadora, bem provável que ele tenha razão, pois só que dá aula sabe que tem que ser dinâmico, rápido e autodidata p acompanhar novas tendências, ao contrário da universidade, que é inflexível, resistente a inovações teóricas ou práticas.

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    1. Você não entendeu o que escrevi no texto. O problema não foi professores como Vesentini saírem em busca de novos referenciais teóricos, mas sim o fato de eles filtrarem aprioristicamente, e com base em critérios puramente ideológicos, quais livros deveriam ser lidos. Vesentini e os demais geocríticos (tanto na universidade quanto no ensino médio e fundamental) têm um pensamento fortemente dogmático, pois acreditam que a verdade já está dada de antemão pelas ideologias, de sorte que os trabalhos científicos só servem para confirmar essa verdade pronta. E, ironicamente, é essa gente dogmática que sai por aí a dizer que a geocrítica ensina o aluno a pensar com a própria cabeça...

      Quanto a dizer que a universidade é inflexível e resistente a mudanças, estou de acordo com você. É exatamente isso o que eu mostro, por exemplo, no texto "Agricultura e Mercado no Brasil" (link na barra lateral do blog). Só que o ensino médio e fundamental é tão avesso a rever seus dogmas ideológicos quanto os acadêmicos. Prova disso é que os livros didáticos de geografia dizem, nos anos 2000, as mesmas bobagens sobre geografia geral e rural que já diziam há cerca de trinta anos atrás, conforme eu explico no artigo citado.

      E não adianta dizer que os professores usam o livro didático só como material de apoio, pois fiz uma pesquisa que demonstra o contrário. Além do mais, meus contatos com os professores do ensino médio e fundamental, no âmbito do PDE e também como palestrante, provam que eles pensam o mesmo que está nos livros, e são ideias defasadas em décadas!

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  4. O problemas dessas analises, é que os doutores como vc, nunca entraram numa sala de aula,( ensino básico) não conhecem o dinamismo que é ensinar, fazer uma transposição didática. Está visão de que os professores do ensino básico são adeptos da geo critica e seguem a risca o material de apoio ( livros didáticos) está totalmente equivocada. Devia concentrar mais atenção p área acadêmica, pois é aí que se concentra a maior parte dos recursos, nessas pesquisas que ninguém lê e de pouca utilidade prática, deixa a analise do ensino básico p quem conhece.

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    1. Minha resposta ao seu comentário ficou muito longa, então eu a publiquei no post "Arrogância dos Professores". Ver aqui: http://tomatadas.blogspot.com.br/2013/04/arrogancia-dos-professores.html

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