O sociólogo Francisco de Oliveira, que foi também um dos fundadores do PT, e hoje milita no PSOL, é uma dessas figurinhas carimbadas em trabalhos acadêmicos de geografia, urbanismo e nas páginas da Folha de São Paulo. É um daqueles "sábios" que, como diz Alain Caillé, nunca se demitiram da função de pensar nosso tempo e de dizer “o possível e o desejável”.
Bem, se olharmos para os muitos equívocos teóricos e práticos de Oliveira, acho que ele já deveria ter tido o bom senso de pedir demissão! Para começar, no final dos anos 1970, ele começou o livro Elegia para uma re(li)gião – obra que tem lá alguns méritos na análise da "questão regional brasileira" (Diniz Filho, 2002) – fazendo digressões sobre planejamento. No meio dessas digressões, ele usou suas interpretações da teoria do valor trabalho para concluir que era falsa a acusação de que o planejamento soviético seria ineficiente em virtude de sua excessiva rigidez burocrática (Oliveira, 1977). Embora ele deplorasse o totalitarismo vigente no socialismo real, enxergava virtudes no planejamento econômico centralizado.
Não vou gastar tempo explicando quais eram os argumentos dele para chegar a tão brilhante conclusão. Menciono apenas que, entre a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da URSS, Oliveira participou de um debate sobre a crise do socialismo no qual as críticas ao burocratismo soviético foram abundantes, mas em nenhum momento ele se deu ao trabalho de retornar às suas teses anteriores para defender o sistema moribundo. Mas pelo menos ele teve honestidade intelectual e lucidez para reconhecer que o verdadeiro "desafio teórico" que se colocava diante dos marxistas não era tanto explicar a derrocada socialista, e sim o de entender porque "o capitalismo avançou no sentido daquilo que supúnhamos premissas teóricas do socialismo" (Singer, 1991, p. 13).
Poucos meses depois, entretanto, foi publicado o texto Prefaciando com audácia, redigido por Chico de Oliveira (1991) como prefácio para o livro Audácia: uma alternativa para o século 21, do ex-marxista e atual regulacionista Alain Lipietz. Ali, o autor do prefácio alinha-se com a conclusão do marxista Istán Mészarós de que o socialismo fracassou por não ter sido capaz de superar a lógica da acumulação de capital. Bingo! O socialismo fracassou por ser apenas uma outra forma de capitalismo... Mas por que então os países capitalistas onde continuou existindo propriedade privada dos meios de produção e economia competitiva de mercado avançaram socialmente ao invés de entrarem em colapso? Oliveira não teve a audácia de fazer essa pergunta em seu prefácio.
Mas, tudo bem, podemos dizer que, embora as coisas andassem mal para o socialismo onde ele foi implantado, Oliveira ainda podia sentir-se confiante no futuro por ser fundador e militante de um partido socialista, o PT, que não parava de crescer. Mas aí Lula venceu a eleição presidencial e, quando esse autor percebeu que o novo governo não seria nada do prometido, desfiliou-se do partido com a seguinte justificativa pública:
Afasto-me porque não votei nas últimas eleições presidencial e proporcional no Partido dos Trabalhadores, reiterando um voto que se confirma desde 1982, para vê-lo governando com um programa que não foi apresentado aos eleitores. Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço – o ‘triunfo da razão cínica’, no dizer de César Benjamin –, uma política de alianças descaracterizadora, uma ‘caça às bruxas’ anacrônica e ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza – enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato de FHC (Oliveira, 2003).
Essa justificativa é uma louvável demonstração de coerência e de honestidade intelectual – tanto que ele até se recusou a indicar pessoas para ocupar cargos no governo Lula, algo que teria lhe trazido influência e poder. Mas essas inegáveis qualidades éticas não desobrigam a que se faça uma indagação importante: como é que, em vinte anos de militância no partido, ele nunca se tocou de que o PT não tinha nada de socialista? Aos seguidos erros teóricos, somam-se fracassos monumentais no domínio prático.
Chico de Oliveira deu nova demonstração de coerência ao entrar para o PSOL, um desses partidos socialistas que, justamente por se agarrarem a velhas bandeiras, nunca superam a irrelevância política. Mas então por que esse autor mantém tanto prestígio acadêmico e tanta projeção na imprensa, como se vê nas páginas da Folha de São Paulo? Ao contrário do que acontece na política, quanto mais o intelectual erra, mais credibilidade acadêmica tem?
No Brasil, os "sábios" marxistas são imunes aos próprios erros. Mas o preocupante mesmo é constatar que, embora não seja o caso de Oliveira, esses "sábios" são imunes até às suas demonstrações de desonestidade intelectual. Deixo isso para outro post.
- - - - - - - - - - -
DINIZ FILHO, L. L. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na geografia econômica: um breve balanço. Terra Livre, São Paulo, v. 1, p. 143-160, 2002.
OLIVEIRA, F. Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste, planejamento e conflito de classes. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
OLIVEIRA, F. Prefaciando com audácia. In: LIPIETZ, A. Audácia: uma alternativa para o século 21. São Paulo: Nobel, 1991.
OLIVEIRA, F. Tudo o que é sólido se desmancha em... cargos. Folha de São Paulo, 14 dez. 2003.
SINGER, P. et al. Adeus ao socialismo? Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 30, 1991.
O que vou dizer parece uma bobagem perante teu post, mas conheci uma Sra. que perante uma infecção na unha insistia em um tratamento meramente tópico para tratá-la. E pior, não era nem uma dessas pomadas que se compra na farmácia, mas um tipo de unguento que se compra em barraquinha de feira alternativa ou "lojas especializadas em produtos naturais". Resultado óbvio, a unha caiu e a infecção piorou se alastrando para o dedo até que familiares, um pouco mais sensatos, intervieram levando-a para consultar com um dermatologista.
ResponderExcluirSempre há mais dessas histórias conforme tomamos conhecimento das idiossincrasias de alguns membros da espécie humana... Um dos meus vizinhos tem dois cães e a fêmea porta a sarna demodécica, causada pelo ácaro Demodex Canis. Até pouco tempo era considerada hereditária, mas o que é hereditário no caso é uma deficiência do sistema imunológico. Bem... Eu tive uma cadela que morreu por causa disto há uns bons 25 anos atrás, e há cerca de 5 anos um outro filhote que achei na rua tinha o mesmo problema, só que hoje está firme e forte. Qual a diferença? O tratamento atual disponibilizado pela evolução científica através de uma droga chamada ivermectina. Por sua vez, o que faz meu vizinho? Um tratamento homeopático! E a única veterinária deste meu bairro coalhado de bicho-grilos é homeopata! Logo, se seu cão estiver muito enfermo ou morrendo, o máximo que conseguirá será uma solução de ervas aromáticas, chás ou sabe-se lá mais o quê... Bem, por que toda esta conversa? Para te responder a tua pergunta no post:
"Chico de Oliveira deu nova demonstração de coerência ao entrar para o PSOL, um desses partidos socialistas que, justamente por se agarrarem a velhas bandeiras, nunca superam a irrelevância política. Mas então por que esse autor mantém tanto prestígio acadêmico e tanta projeção na imprensa, como se vê nas páginas da Folha de São Paulo? Ao contrário do que acontece na política, quanto mais o intelectual erra, mais credibilidade acadêmica tem?"
Justamente porque há uma necessidade humana, tal qual lemingues a beira de um precipício de seguirem marchando e se acotovelando até que ocorra um suicídio coletivo. Por sorte, nós temos um mercado de ideias em que há espaço para divergência, para quem não quer seguir nem roedores na Escandinávia, nem veterinários homeopatas e tampouco militantes marxistas.