Os estudos de geografia que tratam do rural já receberam várias denominações, como geografia agrária, geografia rural, e assim por diante. Sob a influência da geocrítica, o rótulo mais utilizado tem sido geografia agrária, a qual, de modo semelhante ao que ocorre com o conceito de sistema agrário, põe ênfase nos elementos econômicos envolvidos pela atividade agropecuária, tais como estrutura fundiária, renda da terra e relações de trabalho no campo.
Nos últimos anos, a expressão geografia rural tem ganhado força, acompanhando uma tendência manifesta também na sociologia rural, desde meados da década de 1990, que é a de contemplar a multidimensionalidade do espaço rural. Hoje, muito mais do que no passado, o espaço rural não se associa exclusivamente às atividades agropecuárias, mas também a diversas atividades econômicas e funções que passam pelas modalidades de turismo rural e ecológico, serviços de lazer, local de moradia e até atividades industriais. Daí que a expressão geografia rural, por sua conotação menos estritamente econômica, torna-se mais apropriada para classificar estudos que, nos últimos anos, vêm dando maior atenção aos elementos culturais e sociais da vida no campo, como a relação com a natureza, relações de gênero e outras.
Mas então por que eu venho utilizando indistintamente as expressões geografia agrária e geografia rural em meus posts? Por uma razão muito simples: mesmo quando o rótulo muda, a carga ideológica dos trabalhos de geografia que tratam do rural continua a mesma desde o final dos anos 1970 ou início dos anos 1980, e é isso que engessa a visão que os geógrafos têm da agropecuária. Trabalha-se o tempo todo com a dicotomia agronegócio versus campesinato, a qual é totalmente falseadora da realidade.
Vejamos uma pequena lista de ideias falsas sobre a agricultura brasileira que começaram a se disseminar entre os geógrafos com o advento da geocrítica e que continuam sendo reproduzidas em textos acadêmicos, livros didáticos e salas de aula:
- A grande propriedade só produz matérias-primas industriais e commodities para exportação
- Vivemos no Brasil o paradoxo da fome em meio à abundância de produtos agropecuários
- A modernização agrícola é excludente
- O êxodo rural produzido pela modernização piora a qualidade de vida no campo e na cidade, pois o camponês é obrigado a viver em favelas desassistidas e continua sem trabalho
- O agronegócio destrói a natureza, ao passo que os sistemas produtivos praticados pelos camponeses tendem a ser ecologicamente sustentáveis
- Para resolver todos esses problemas econômicos, sociais e ambientais, o Brasil precisa de uma reforma agrária ampla, rápida e maciça, nos moldes exigidos por organizações como o MST
Qualquer um que já tenha lido trabalhos recentes de geografia agrária ou rural e/ou participado de eventos dessa área sabe que são essas as ideias mais repetidas. Mas então, se é para continuar a repetir essas falsas verdades que vêm sendo ditas há cerca de trinta anos, qual a grande diferença entre escrever geografia agrária ou geografia rural? Nenhuma!
Os dados estatísticos que demonstram o que há de errado nas afirmações listadas acima podem ser encontrados no artigo (um tanto longo) intitulado Agricultura e mercado no Brasil: revendo as visões da geografia sobre os condicionantes da produção agrícola no capitalismo. Os problemas lógicos contidos naquelas afirmações também são tratados no artigo, mas falarei um pouco sobre isso em outro post.
Entre outros equívocos, os geógrafos em questão afirmam taxativamente que a pequena propriedade é menos impactante, mas (a) não avaliam o impacto somado de n-pequenas propriedades de igual área a um latifúndio para comparação e, (b) se toda e qualquer "técnica alternativa" é mesmo menos impactante ou que permite maior resiliência ambiental do que outras, com maior aporte de capital.
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