Neste feriadão, vou responder a um comentário feito ao post Festival Charles Chaplin nas férias, conforme segue:
Achei excelente a sua crítica do filme [Monsieur Verdoux], sendo que recomendo que se conheça a história de Henri Désiré Landru, assassino base para Chaplin compor seu personagem.Quanto a filmografia de tal ator, gostaria de saber a sua opinião sobre o uso do filme "Tempos Modernos", assim como sua noção quanto este contexto e sua interpretação ideológica.
De fato, o assassino interpretado por Chaplin nesse filme era baseado numa pessoa real, um francês chamado Henri Landru (1869-1922), o qual seduzia mulheres para matá-las e roubar seus bens, exatamente como o personagem do filme. Foi guilhotinado pelo assassinato de várias mulheres e também do filho de uma delas.
Mas é claro que esse barba-azul de verdade não era tão reflexivo ou "filosófico" quanto o Verdoux do filme de Chaplin (os bandidos reais não são tão inteligentes quantos os da ficção). O que Chaplin fez, a partir de uma ideia de Orson Welles, foi construir um assassino serial para explorar o veio do humor negro e também para poder criticar a moral das instituições em termos que só um personagem assim poderia fazer sem ficar com cara de pacifista ingênuo ou rebelde sem causa. É o que se vê no fim do filme, quando o personagem diz: "Quanto a ser um assassino em massa, o mundo não encoraja isso? Não fabrica armas de destruição com a finalidade de matar em massa?". E depois: "Um assassinato faz um vilão, milhões fazem um herói. Os números santificam, meu amigo".
E havia outra diferença importante entre o verdadeiro assassino e o personagem: é que, no filme, Verdoux tem uma esposa inválida e um filho pequeno. Ao perder o emprego no banco, depois de muitos anos de trabalho, é que Verdoux começa a aplicar golpes para ganhar dinheiro. Até ali, ele era uma boa pessoa. E, depois que a mulher e o filho morrem, mesmo tendo perdido tudo com a Grande Depressão, Verdoux não volta ao crime. Ele diz que, ao se ver só, foi como se tivesse acordado de um pesadelo. Essa história, conforme o próprio Chaplin explicou numa entrevista, servia como metáfora da sociedade quando se encontra em situações desesperadoras, pois é então que aflora a barbárie mais terrível. Não por acaso, a história do filme começa na década de 1920 e termina após a Segunda Guerra, o período mais negro da história recente da humanidade.
Era da festiva, mas pagou o preço
Isso tudo é sobre esse filme, mas e sobre as concepções ideológicas de Chaplin? Paulo Francis, que o reputava como gênio do cinema, afirmava que ele era "da festiva, como o nosso Chico Buarque". Seria ele, então, um simpatizante do comunismo? Chaplin nunca afirmou tal coisa, mas é perfeitamente legítimo supor que era, sim. No início dos anos 1920, ele anunciou que sairia em viagem pela Inglaterra, França e Rússia, e justificou essa última parada dizendo que estava "imensamente interessado nesse grande país e em seus esforços na reconstrução social depois do caos" (Carlos, 2012, p. 31). Todavia, acabou indo para Berlim no final da viagem. Tudo bem, é possível que ele estivesse apenas entusiasmado com uma experiência que ainda não se sabia aonde ia dar. Mas, já em 1942, ele participou de um evento político que procurava convencer os aliados a abrir um segundo front na Europa, cujo objetivo seria defender os soviéticos da invasão nazista. No mesmo ano, ele proferiu várias palestras em apoio aos russos na Segunda Guerra.
Uma simpatia ideológica pelo socialismo real podia muito bem justificar essa preocupação em salvar a experiência soviética, não? Sendo assim, posso até concordar que chamem de "histeria anticomunista" ao tratamento hostil que Chaplin recebeu, a partir dos anos 1940, por conta de suas manifestações políticas - embora o contexto da época também não possa ser ignorado. Mas atitudes como essas mostram que não era delírio paranoico suspeitar que ele fosse simpatizante do socialismo e do regime soviético.
Nesse sentido, é pertinente ver o filme Tempos modernos como uma crítica ao capitalismo. A cena inicial, em que os operários indo em fila para a fábrica são comparados a um rebanho de ovelhas, me parece bem eloquente. Ainda assim, seria um erro reduzir esse filme a propaganda anticapitalista. Como em todo artista de verdade, há sempre muito mais em suas obras. Isso fica bem claro, por exemplo, quando lemos o ensaio A tela perfurada, de Michel Chion (2012): a quantidade de significados que podem ser extraídos da obra de Chaplin, inclusive quando se atenta para o uso de elementos técnicos, é realmente digna de um grande artista.
Uma simpatia ideológica pelo socialismo real podia muito bem justificar essa preocupação em salvar a experiência soviética, não? Sendo assim, posso até concordar que chamem de "histeria anticomunista" ao tratamento hostil que Chaplin recebeu, a partir dos anos 1940, por conta de suas manifestações políticas - embora o contexto da época também não possa ser ignorado. Mas atitudes como essas mostram que não era delírio paranoico suspeitar que ele fosse simpatizante do socialismo e do regime soviético.
Nesse sentido, é pertinente ver o filme Tempos modernos como uma crítica ao capitalismo. A cena inicial, em que os operários indo em fila para a fábrica são comparados a um rebanho de ovelhas, me parece bem eloquente. Ainda assim, seria um erro reduzir esse filme a propaganda anticapitalista. Como em todo artista de verdade, há sempre muito mais em suas obras. Isso fica bem claro, por exemplo, quando lemos o ensaio A tela perfurada, de Michel Chion (2012): a quantidade de significados que podem ser extraídos da obra de Chaplin, inclusive quando se atenta para o uso de elementos técnicos, é realmente digna de um grande artista.
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CARLOS, C. S. Dia de pagamento e outros 4 curtas. In: CARLOS, C. S.; GUIMARÃES, P. M. Monsieur Verdoux. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2012.
CARLOS, C. S. Histeria anticomunista corrói a imagem do ídolo. In: CARLOS, C. S.; GUIMARÃES, P. M. Monsieur Verdoux. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2012a.
CHION, M. A tela perfurada. In: CARLOS, C. S.; GUIMARÃES, P. M. O grande ditador. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2012.
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