segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Slavoj Zizek é o socialista que resume os outros socialistas

O filósofo esloveno Slavoj Zizek é uma autêntica celebridade acadêmica internacional. Se me perguntarem a razão de tamanho sucesso, eu diria que está no fato de ele resumir, levando ao paroxismo, todas as características comuns à grande maioria dos intelectuais socialistas dos dias de hoje. Mas não que eu já tenha lido algum dos diversos livros dele. Não li e nem pretendo ler, por uma simples razão: quando leio alguma entrevista ou texto desse autor, ou ainda uma resenha qualquer de seus livros (tanto favoráveis quanto desfavoráveis), fica claro que os escritos dele só servem para exemplificar toda a teia de imposturas a que costumam se entregar os intelectuais "críticos" da atualidade.


O primeiro truque é ficar o tempo todo defendendo utopias radicais sem se dar ao trabalho de explicar direito como deveria ser uma sociedade socialista ou simplesmente "pós-capitalista". É o mesmo que fazem autores como Ana Fani A. Carlos, Boaventura de Souza Santos, Ruy Fausto e vários outros que eu avaliei no livro Por uma crítica da geografia crítica. Diante do fracasso do modelo de economia planificada, o ponto de partida para qualquer reflexão séria sobre alternativas ao capitalismo é responder à seguinte questão: o socialismo deve continuar sendo pensado como uma sociedade em que inexistem propriedade privada e mercado ou um sistema em que esses elementos estão presentes, mas operam de uma forma mais controlada do que nos modelos social-democratas? (Diniz Filho, 2013). Seguindo a visão dos autores mais radicais, Zizek reafirma a oposição radical à instituição da propriedade privada, mas não esclarece se a economia planificada seria ainda a alternativa ou se haveria algum outro caminho a tomar.

Essa falta de clareza quanto à utopia a ser perseguida se revela mesmo quando Zizek rejeita as experiências anticapitalistas ou antiliberais do passado, como o nazismo, o terror jacobino e a Revolução Cultural. Ele afirma que esses foram "passos certos na direção errada" (sic!) e atribui o fracasso de tais experiências ao fato de não terem constituído novas formas de vida coletiva  (Gray, 2012). Como seria essa nova coletividade e as estratégias para estabelecê-la é algo que ele não explica.

Segue-se a tal indefinição um segundo truque que ele e outros socialistas usam, qual seja, apelar para linguagem ambígua e embromações retóricas a fim de justificar eticamente qualquer ação com teor anticapitalista, antiliberal ou anti-americanista, como ditaduras comunistas ou o terrorismo. No caso de Slavoj Zizek, lemos o seguinte em uma resenha favorável de seu livro Em defesa das causas perdidas:
[Para Zizek] é preciso retomar a virulência e a radicalidade desse passo de Heidegger, de Mao Tse-tung e sua Revolução Cultural na China, da defesa que Robespierre fez do Terror durante a Revolução Francesa, do humanismo de Stalin na União Soviética, e assim por diante. Entre humanismo e terror, é preciso reconhecer como a forma conhecida de humanismo no capitalismo globalizado já é, ela mesma, o terror. Portanto, a verdadeira falsa escolha deveria ser renomeada: qual terror? (Dunker, 2011, p. 79 - itálico no original).
Sim, é isso mesmo que está escrito aí: "humanismo de Stalin" (sic!). Mas o principal é indagar o seguinte: o que haveria de tão intrinsecamente terrível no capitalismo globalizado que o tornaria eticamente comparável ao terrorismo e às ditaduras nazi-fascistas e socialistas, que mataram para lá de 100 milhões de pessoas em poucas décadas? É aí que entra o terceiro truque retórico, que consiste em acusar o capitalismo por tudo o que acontece de ruim no planeta sem explicar qual seria a suposta relação de causa e efeito que justificaria tal acusação.

Exemplo recorrente desse truque é quando os intelectuais socialistas, incluindo Zizek, atacam o capitalismo por meio de uma crítica cultural e apelam para menções superficiais à tese da exploração econômica entre países com o fim de explicar o enorme sucesso social das nações desenvolvidas, mas sem enfrentar os problemas teóricos que embaralharam essa tese (até entre os economistas marxistas), durante os anos 1960 e 1970, conforme mostrei aqui. O mesmo se dá quando intelectuais como Boaventura de Souza Santos e Slavoj Zizek falam de "crise ambiental", discriminações raciais e sexuais, e assim por diante. Mas a grande verdade é que, bem ao contrário do que eles afirmam, o capitalismo vem produzindo redução da pobreza e elevação da qualidade de vida em quase todas as regiões do globo, conforme discuto no livro já citado.

Mas os truques retóricos de Zizek não acabam por aí, não. Em outro momento, mostro mais alguns.

Postagens relacionadas:
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DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.

DUNKER, C. I. L. Contra as falsas escolhas. História Viva, São Paulo, ano VIII, n. 90, p. 16-18, 2011

GRAY, J. As visões violentas de Zizek. Piauí, n. 71, ago. 2012.

2 comentários:

  1. A propósito: Geógrafo marxista argumenta pela "imaginação pós-capitalista": http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=9&id_noticia=222552. Destaque para a frase dele: “você não precisa poupar para os dias de chuva, porque você sempre receberá essa renda básica, não importa o que aconteça”.

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    1. Essa entrevista do David Harvey merece um post, ou até vários! Vou ver se arrumo um tempo para comentar essa e outras passagens da entrevista na forma de postagem.

      Abraços

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