Donald Trump e Jair Bolsonaro são duas caricaturas vivas de tudo o que pode haver de mais populista, oportunista e ridículo na política. E a ascensão eleitoral de ambos (muito maior no caso de Trump, na verdade) chama atenção para alguns fenômenos bastante irônicos. Neste post, vou tratar apenas do bufão norte-americano, deixando o fascistoide tupiniquim para o próximo.
O caso de Trump é interessante porque, embora a intelligentsia esquerdista aponte a xenofobia como um dos elementos definidores do pensamento conservador e suponha que este é uma expressão dos preconceitos das classes abastadas, o eleitorado de Trump mostra uma realidade muito diferente. De fato, embora Trump tenha cerca de 23% das intenções de voto no segmento mais rico da população, sua força eleitoral reside principalmente no grupo formado por homens brancos casados, sem diploma universitário, pertencentes à classe média e que trabalham no setor industrial (talvez não seja demais lembrar que, nos países desenvolvidos, mais do que no mundo em desenvolvimento, trabalhadores industriais integram a classe média).
Nesse sentido, duas das principais bandeiras de Trump, que são o controle de imigração e a imposição de barreiras tarifárias às importações de produtos chineses, atendem aos anseios desse grupo social em crise. Tal crise resultou da combinação de modernização tecnológica com transferência de empregos industriais desqualificados para a China e outros países em desenvolvimento, processos que, embora positivos para a elevação da produtividade da economia (e com ganhos evidentes de competitividade e crescimento econômico), geraram um forte desemprego nesse segmento do operariado norte-americano. A alternativa que sobrou para muitos desse grupo tem sido a de migrar para atividades de serviços de baixa qualificação, as quais pagam salários menores do que os encontrados na indústria.
Assim, Donald Trump, um populista de direita e inimigo do livre comércio, jamais poderia ser classificado como "neoliberal" e é o preferido dos operários sem ensino superior, os quais vêm nas barreiras comerciais e no controle de imigração salvaguardas para seus empregos. Mas o estilo cafajeste que ele usa para propagandear tais bandeiras e para criticar os movimentos negro e feminista acaba também atraindo a Ku Klux Klan e outros grupos políticos cuja aversão aos imigrantes está apoiada no preconceito e num nacionalismo fascistoide que remonta ao final do século XIX e início do XX - nacionalismo que, por sinal, nunca prosperou o suficiente para levar o fascismo ao poder nos EUA, ao contrário do que aconteceu na Europa.
Portanto, como Trump não repudiou o apoio da KKK (se chegou a fazê-lo, não foi num primeiro momento), então não podemos dizer que sejam injustas as críticas que associam ele e seus eleitores a grupos racistas e fascistas de classe média baixa. Mas podemos ponderar, sim, que reduzir as motivações dos eleitores dele a essas ideologias obscurantistas é fazer uma generalização falsa, pois a verdade é que a força da candidatura Trump reside principalmente na capacidade de suas propostas de responder (embora só aparentemente) à insegurança econômica do operariado de baixa qualificação.
Realmente, nada poderia estar mais distante da realidade do que a tese, defendida por Marx, de que o socialismo haveria de eclodir nos países de capitalismo mais avançado. Nos EUA, em que pese a animação da esquerda com a já abortada candidatura de Sanders - que foi vista com bons olhos por David Harvey, numa entrevista à Caros Amigos - a classe operária em dificuldade prefere recorrer a... Donald Trump!
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