domingo, 11 de dezembro de 2011

Vesentini cometeu erro grosseiro ao tratar da fome

Os livros didáticos de geografia adoram falar sobre a "questão da fome", e as obras de Vesentini não fogem à regra. O problema é que, como já é sabido desde a publicação da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 - POF, a desnutrição deixou de ser um problema nacional e de grandes dimensões há muitos anos (e o Fome Zero nada teve a ver com isso). 

Diante desse quadro, a saída dos autores de livros didáticos que teimam em distorcer a realidade para fazê-la encaixar nos pressupostos e preconceitos da teoria social crítica é ignorar os dados da POF e fazer inferências descabidas sobre desigualdade de renda para levar os estudantes a acreditar que o Brasil é um país repleto de famintos. 

No livro Geografia: geografia geral e do Brasil (2005, p. 249), Vesentini chega a cometer o erro grosseiro de dizer que, segundo uma pesquisa publicada em 2004 – só pode ser a POF –, o número de pessoas com excesso de peso ou com obesidade é bem maior do que “os 4% da população que o IBGE considerou subnutridos”. Como a POF não consta da bibliografia do livro, essa afirmação só pode ter sido reproduzida de uma fonte secundária e, o que é pior, uma fonte com erro grave de informação, já que essa pesquisa nem sequer trabalha com o conceito de “subnutrição”. O que a POF mostrava é que cerca de 4% da população adulta tinha déficit de peso, o que está dentro dos 5% de indivíduos que, em qualquer grupo populacional, segundo estudos da Organização Mundial de Saúde, são constitucionalmente magros! 

E antes que alguém venha a pensar que a alimentação dos pobres é rica em calorias, mas deficiente em proteínas ou vitaminas, nada melhor do que ler as conclusões da POF elaboradas com base no acompanhamento da disponibilidade de alimentos dentro dos domicílios. Segundo essa pesquisa, a alimentação das pessoas de baixa renda é variada e saudável, possuindo características semelhantes àquelas verificadas na alimentação dos estratos de rendimentos mais elevados (IBGE, 2004, p. 39-40). 

Mas como isso pode acontecer, se o Brasil possui uma desigualdade de renda tão grande? Porque, ao contrário do que pensam Vesentini e os demais geocríticos, concentração de renda é uma medida de pobreza relativa, não absoluta! É por isso que a frequência dos casos de déficit de peso declinou de forma rápida a partir de meados da década de 1970, quando começaram as pesquisas sistemáticas sobre estado nutricional: a elevação do valor dos rendimentos das pessoas mais pobres, somada à queda relativa dos preços da comida (efeito da modernização agrícola), tornou cada vez mais fácil comprar alimentos. 

O Brasil dos livros didáticos de geografia pouco ou nada tem a ver com o país real. 

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003: análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.

VESENTINI, J. W. Geografia: geografia geral e do Brasil, volume único: livro do professor. 1. ed. São Paulo: Ática, 2005.

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