segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Retórica de Lopes de Souza não disfarça a banalidade das suas explicações

Os intelectuais de esquerda são movidos pela convicção de que o capitalismo responde pelos males do mundo, raciocínio ao qual certos volteios dialéticos conseguem, às vezes, dar um verniz de sofisticação, mas sem eliminarem seu teor determinista monocausal. Diante da criminalidade, essa tendência de pensamento costuma eximir os bandidos da responsabilidade por seus atos, já que a pobreza, a desigualdade e a "opressão capitalista" seriam as verdadeiras causas do problema.

Marcelo Lopes de Souza é um bom exemplo da impossibilidade de sustentar os dogmas anticapitalistas sobre as causas da criminalidade sem cair em incoerências disfarçadas por retórica relativizadora. Ele supõe que o capitalismo é “criminógeno” porque produz fome e opressão sistemática, mas, contraditoriamente, afirma que a pobreza não opera como fator determinante. Vemos isso quando ele aborda a expansão do tráfico de varejo nas favelas cariocas: 
Uma juventude pobre, em boa parte desempregada ou subempregada, carente de perspectivas melhores, desesperançada quanto a grandes chances de mobilidade social pela via do "trabalho honesto" e ansiosa por consumir e ser respeitada (ou temida), vê no negócio das drogas um caminho para a satisfação das suas expectativas – um caminho arriscado, mas aos seus olhos de algum modo compensador. Difícil falar em determinismo, já que muitos jovens, ainda que desempregados e subempregados, nem por isso optaram e optam pelo ingresso na "carreira criminosa". Mais difícil ainda, porém, falar de "escolha", diante de um leque de opções objetivamente tão restrito. Uma estratégia de sobrevivência – não a única, mas uma das poucas (Souza, 2005, p. 113).
Bem, eu já apontei a falsidade do pressuposto de que o capitalismo é "criminógeno" em outro texto (ver aqui). Agora, cabe acrescentar que a afirmação segundo a qual "muitos jovens" desempregados e subempregados se recusam a enveredar pelo crime nada mais é do que uma relativização falseadora. A verdade é que a grande maioria desses jovens não opta pelo crime! De fato, o Brasil possui dezenas de milhões de pobres, mas o número de pessoas com passagem pela polícia fica na casa das centenas de milhares. Como já disse alguém, é fácil provar que a maioria dos criminosos é pobre, mas muito difícil explicar o motivo pelo qual a vasta maioria dos pobres não entra para a vida de crimes. 

Outra observação a fazer é que, se a grande maioria dos pobres não se torna criminosa, que cabimento tem afirmar que é difícil falar em escolha? Dizer que o "leque de opções" é muito restrito implica admitir que as opções existem e, se a grande maioria dos pobres e desempregados não entra para a vida de crimes, então está claro que a suposta restrição das escolhas não explica coisa nenhuma! O mesmo vale para a assertiva de que a criminalidade é uma das poucas "estratégias de sobrevivência" à disposição dos pobres. Uma vez admitido que há mais de uma estratégia de sobrevivência, e uma vez verificado que a maior parte dos pobres opta por estratégias que não passam pelo crime, então estamos diante de mais uma relativização retórica que visa disfarçar o determinismo contido na tese de que o capitalismo é "criminógeno"! 

Explicar as causas da criminalidade implica reconhecer que se trata, sim, de uma questão de escolha individual. Mas isso não significa que tenhamos de pensar tais escolhas como absolutamente livres de qualquer influência do contexto socioeconômico e até cultural em que os indivíduos estão inseridos. Concordo que não se pode pensar a questão em termos moralistas, mas sim pela análise do sistema de incentivos positivos e negativos que influenciam a opção pelo crime. 

Todavia, colocar a questão nesses termos pode conduzir a explicações que nem passam pela cabeça de intelectuais esquerdistas como Souza, para os quais o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. O economista Steven D. Levitt (2007), por exemplo, destaca que o tráfico de drogas deve ser interpretado como uma das "profissões glamourosas", tais como a de jogador de futebol e de modelo. São profissões nas quais a maioria não ganha muito, mas em que sempre existe uma pequena chance de ficar milionário. O mesmo ocorre com o tráfico de drogas, segundo os dados que esse pesquisador utiliza. Os "soldados do tráfico", que ficam vendendo pedras de crack na esquina, ganham muito mal, geralmente menos do que o salário mínimo; mas, pela oportunidade de ganhar milhões, se arriscam...

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LEVITT, S.; DUBNER, S. J. Freakonomics: o lado oculto de tudo o que nos afeta. 1. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 

SOUZA, M. L. Clima de guerra civil? In: ALBUQUERQUE, E. S. (org.). Que país é esse? : pensando o Brasil contemporâneo. 1. ed. São Paulo: Globo, 2005.

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