Poucos geógrafos atuais são tão festejados quanto Marcelo Lopes de Souza. E poucos são tão simplificadores quanto ele. Ao discutir a violência nas grandes cidades brasileiras e as contribuições do planejamento urbano para combatê-la, esse autor começa dizendo, corretamente, que não existe uma causa única para a criminalidade, pois mesmo a pobreza não opera de forma determinista, conforme demonstra a conhecida comparação entre Brasil e Índia. Pouco adiante, porém, reproduz as concepções da geocrítica sobre a lógica do capitalismo, desqualifica a democracia representativa e, ato contínuo, afirma a necessidade de realizar uma utopia radical:
Resta, claro, saber se e em que condições a espécie humana sobreviverá ao binômio capitalismo/‘democracia’ representativa, que não apenas é profundamente criminógeno mas também antiecológico... No mais, cabe reiterar que uma sociedade pós-capitalista, fundamentalmente mais justa, [...] reduziria incrivelmente a chance de que a motivação do assassinato tivesse algo a ver com fome ou opressão social sistemática (Souza, 2005, p. 139).
Vou me ater apenas à tese de que o capitalismo é “criminógeno”. O autor supõe que esse sistema produz necessariamente fome e opressão social, de sorte que, logicamente, teria de produzir também assassinatos causados por esses fatores. Bem, se isso for mesmo verdade, deveríamos supor que as taxas de criminalidade tendem a aumentar ou ao menos se manter ao longo do desenvolvimento do capitalismo, certo? Mas onde estão as evidências disso no texto de Souza? Em lugar nenhum!
Vejamos então uma evidência de quanto a conclusão de Souza tem de gratuita e equivocada. O livro Freakonomics (Levitt; Dubner, 2007) apresenta uma tabela com os índices históricos de homicídio elaborados pelo criminologista Manuel Eisner para cinco regiões europeias. Mas três exemplos devem bastar: na Inglaterra, o número de homicídios para cada 100 mil habitantes declinou de 23,0, nos séculos XIII e XIV, para apenas 0,9 nos anos 1950-1994; na Holanda e Bélgica, a queda foi de 47,0 para os mesmos 0,9 nesse período; por fim, na Itália, a redução dos índices foi de 56,0 para 1,5.
Portanto, à medida que o feudalismo cede lugar ao capitalismo, e este se desenvolve, os homicídios vão sendo reduzidos expressivamente! Mas como isso pode acontecer, se o capitalismo engendra fome? Acontece porque o capitalismo, ao contrário de produzir fome, elimina o problema. Isso aconteceu na Europa, EUA, Japão, mas também vem acontecendo na maior parte do mundo subdesenvolvido. Exemplo claro disso é o Brasil, onde o problema da desnutrição já é meramente residual há vários anos (ver aqui).
Souza acusa o capitalismo de gerar fome e assassinato em virtude do que seria a lógica intrínseca de funcionamento desse sistema. Só que acontece tudo ao contrário. Mas esse tipo de equívoco faz sucesso na geografia porque já é uma falsa verdade estabelecida. Quem joga para a galera sempre ganha aplausos.
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(*) LEVITT, S.; DUBNER, S. J. Freakonomics: o lado oculto de tudo o que nos afeta. 1. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 20.
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