sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Um "movimento" que nunca muda


Como era de esperar, muitos estudantes publicaram comentários na página da internet em que saiu a matéria do jornal Gazeta do Povo sobre a falta de legitimidade do tal “movimento estudantil”. Vários desses comentários mostram que o “movimento” continua parado no mesmo lugar em que estava na segunda metade dos anos 1980, quando eu participei da política universitária. Durante um ano, fiz parte da diretoria do centro acadêmico, na FFLCH-USP. Participei de diversas reuniões, assembleias e discussões informais, mas o saldo dessa experiência foram três conclusões que me levaram a abandonar a militância para sempre. Vejamos:


  1. Os universitários ativistas, na sua imensa maioria, não lutavam contra a ditadura militar por serem a favor da democracia, mas apenas porque desejavam substituir uma ditadura capitalista por uma ditadura comunista.
  2. A política estudantil era apenas uma caixa de ressonância de conflitos partidários. Em toda assembleia havia debates de correntes que espelhavam as divisões entre partidos e tendências de esquerda, geralmente as mais radicais: MR8, PCdoB e, sobretudo, o PT com suas muitas facções, cada uma mais autoritária do que a outra. Mesmo aqueles muitos simpatizantes do PT que eram independentes de qualquer tendência do partido possuíam um modo de pensar igualmente pautado por conceitos como “Estado burguês”, “luta de classes” e “imprensa burguesa”, numa espécie de revivescência do século XIX.
  3. As entidades que deveriam representar os estudantes, já então, eram desconectadas do modo de pensar da maioria. Quase nenhuma assembleia organizada pelo Diretório Central dos Estudantes – DCE, atingia o quórum mínimo definido pelo seu estatuto para ser considerada válida. Quando as entidades estudantis decidiram apoiar uma greve de professores que estourou no meio do curso, ouvi muitos alunos reclamarem que não desejavam isso, em conversas informais. Naquele tempo não havia internet para que os descontentes fizessem mais barulho.

E hoje, como as coisas estão? Basta avaliar alguns comentários feitos por estudantes no site da Gazeta do Povo (em itálico):

O DCE decidiu aderir a greve, sendo que a Assembléia realizada não tinha nem 2% dos alunos da UFPR, enquanto o estatuto exige no mínimo 5%, ou seja, não respeitam nem seu próprio estatuto. E em outra Assembléia uma das alunas declarou abertamente que eles buscam o socialismo, então, a luta é política, e alunos sem aula pra eles fazerem politicagem...”.

Bem, a comparação entre esse comentário e o que escrevi acima mostra que nada mudou em mais de vinte anos!

se os estudantes que não concordam com os rumos tomados pelo dce não conseguem se mobilizar nem para ter mais de 5% de presença numa assembléia importante como essa acho que não tem direito de reclamar de nada”.

Esse comentário confirma que a assembleia que decidiu a favor de uma greve dos estudantes não tinha legitimidade para deliberar nada, pois não atingiu o quórum mínimo necessário. Portanto, se o autor do comentário acha mesmo que aqueles contrários à greve não têm direito de reclamar porque não compareceram à assembleia, deveria também ter a coerência de concluir que ninguém pode reclamar quando a Gazeta do Povo acusa a falta de legitimidade das entidades estudantis, já que estas também não conseguiram mobilizar nem 5% dos estudantes para votar a favor da greve...

Além disso, o jornal citou uma entrevista com o estudante Felipe de Oliveira, da UnB, para exemplificar que muitos alunos desistem de participar da política estudantil porque a pauta ideológica das entidades não abre espaço para que as questões ligadas à excelência acadêmica sejam priorizadas. Portanto, os estudantes contrários à greve não vão às assembleias simplesmente porque não se sentem representados pelas lideranças do tal “movimento”.

Concordo com o Erivaldo, matéria extremamente tendenciosa. Questiona a representatividade do movimento estudantil e a legitimidade da UPE [União Paranaense dos Estudantes], uma entidade de 70 anos de luta pelo povo paranaense!, com base em quê? Numa pesquisa de opinião? Por que a Gazeta não cobre os congressos, o dia-a-dia de luta das entidades, suas pautas? O movimento estudantil - e o movimento social em geral - só tem espaço na grande mídia quando é pra ser atacado através de textos tendenciosos como esse. Lamentável!”.

Se a matéria baseia suas conclusões numa pesquisa de opinião feita com jovens, então é por isso mesmo que não pode ser acusada de “tendenciosa”. A única maneira de saber como os estudantes pensam é perguntar para eles, ora bolas! Só teria cabimento acusar a matéria de tendenciosa se a pesquisa em questão tivesse alguma falha de metodologia que enviesasse o resultado. Mas o autor do comentário descarta a pesquisa mesmo sem nem saber como ela foi feita!

Além disso, o autor do comentário cobrou que a matéria tivesse feito uma cobertura do “dia-a-dia de luta das entidades” sem nem levar em conta que o texto também apresentou os argumentos de líderes estudantis que contestam as acusações de partidarização e de falta de legitimidade das entidades que dirigem. E nem foi capaz de perceber que, se o jornalista fizesse a tal cobertura que ele cobrou, acabaria confirmando a pesquisa! De fato, o que o autor do comentário diria se, ao fazer a cobertura da assembleia do DCE que decidiu pela greve, o jornalista assinalasse que o quórum mínimo exigido não foi alcançado?

Portanto, esses comentários críticos da matéria da Gazeta acabam involuntariamente por confirmá-la. No próximo post, finalizo essa avaliação com mais uns comentários que chamam atenção pela incoerência e fragilidade dos argumentos que expõem.

OBS.: Publicado originalmente em 25 de agosto de 2011 no site Geografia em Debate

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