O
escritor russo Nikolai Gogol é autor de um conto fantástico muito
original e divertido, intitulado O nariz. Há mais de um
enredo no conto, mas o que interessa aqui é a história de um
burocrata russo com o pomposo cargo de "oficial de colegiatura" que, numa dada manhã, acorda completamente sem nariz! Ele então sai à procura do dito cujo, pois ficar apenas com um espaço liso no
lugar do nariz era uma indignidade. Num dado momento, ele
afirma: "qualquer vendedora de laranjas descascadas na ponte
Voskresênski pode ficar ali sentada sem nariz, mas um rosto que
aspira ao cargo de governador [...]".
Essa
passagem mostra que uma das várias ideias contidas no conto é
satirizar a burocracia russa do século XIX, com seus ares de
fidalguia. Mas o que isso tem a ver com os petistas? Bem, até a
chegada de Lula à presidência, o PT cultivou com grande sucesso a
imagem pública de "partido da ética". Quem não se lembra do
primeiro filme Os normais, em que Fernanda Torres canta "Lula
lá..." ao rejeitar um pedido de propina feito por um policial?
Daí que os políticos e intelectuais petistas andavam sempre de dedo
em riste e nariz empinado a denunciar todas as falcatruas da política
brasileira (tanto as reais quanto as inventadas por petistas para
atacar a reputação de seus adversários). Quem não se lembra do
nariz empinado de Marilena Chaui ao arguir filosoficamente contra a
aliança entre PSDB e PFL (hoje DEM), no governo FHC? Quem não se
recorda de Renato Janine Ribeiro criticando esse governo por dar
apoio ao líder do senado, Humberto Lucena, quando se descobriu que
este usava a gráfica do senado para imprimir seu material de
campanha? E isso para não falar dos políticos petistas que viviam a
denunciar roubalheira e a pedir o impeachment do presidente, fosse
qual fosse.
Só que os
narizes dos petistas se descolaram parcialmente de seus rostos já no começo dos anos
1990, quando estourou o escândalo CPEM. No governo Lula, os
petistas perderam seus narizes de vez com a CPI dos Bingos e, sobretudo, com o caso do "mensalão". E isso para não
falar que vieram a público inúmeras outras histórias
escancaradamente relacionadas a corrupção sistêmica ou, no
mínimo, bastante suspeitas: sanguessugas, "aloprados", a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, o enriquecimento relâmpago de Fábio Luiz da Silva, o Lulinha,
e assim por diante. O governo Dilma mantém a tradição, pois, em
apenas alguns meses, pipocaram escândalos envolvendo dezenas de pessoas em vários ministérios.
Apesar de tudo isso, os petistas continuam com a mesma arrogância de
sempre. Combinando a expressão popular com a criativa imagem de Gogol, podemos dizer que eles continuam a andar de nariz empinado, mesmo tendo perdido seus narizes! Lula fez isso ao dizer, em pleno escândalo do "mensalão",
que ninguém tinha moral para dar lições de ética a ele e ao PT. Marilena Chaui não teve o menor pudor de atribuir o "mensalão" a uma farsa que teria sido montada pela imprensa! Não bastasse isso,
os petistas continuam a forjar dossiês para poderem acusar seus
adversários de crimes que eles não cometeram, e lançam acusações
falsas contra os outros com aquele ar de superioridade moral que eles
nunca mereceram exibir.
O
personagem de Gogol, ao descobrir que havia acordado sem nariz, saiu
pelas ruas para procurá-lo e, assim, restaurar sua dignidade. Mas a
realidade brasileira é muito mais fantástica do que qualquer escritor poderia conceber: ao invés de tentarem
recobrar a aparência de dignidade, os
petistas agem como se nunca a tivessem perdido e ainda empinam os
narizes que não possuem!
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GOGOL, N.
V. O nariz. In: CALVINO, I. Contos fantásticos do século XIX:
escolhidos por Ítalo Calvino. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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