quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Aziz Ab'Saber defende ideia medieval

Não há dúvida de que Ab'Saber é um dos melhores cientistas brasileiros, com merecido reconhecimento nacional e internacional. Mas a sua excelência como estudioso da natureza não faz dele uma autoridade em assuntos políticos e socioeconômicos. Assim, do mesmo modo que acontece com Noam Chomsky e outros cientistas importantes em suas respectivas especialidades, Ab'Saber acaba sendo instado por jornalistas a falar de assuntos sobre os quais tem apenas convicções ideológicas, e nada mais do que isso.

Em uma de suas entrevistas (que pode ser lida na íntegra aqui), ele qualifica a privatização da Vale do Rio Doce como um crime (sic!) e justifica tal afirmação com o seguinte exemplo:
Quando estive na França, algumas pessoas correram para mim e disseram: "professor, diga aos seus colegas que é muito triste saber que o minério de Carajás, comprado a preços aviltantes, serviram para fazer o túnel do Canal da Mancha". Fiquei abismado, não sabia disso. Hoje ainda não temos uma boa ponte para atravessar da margem direita para a região de Manaus. Temos o aço, temos tudo, mas não temos a ponte, ainda. É um problema sério. 
Engraçado, ele parece supor que, se a Vale continuasse estatal, nosso minério teria sido exportado a preços bem mais altos e o governo teria recursos para fazer a tal ponte. Por que isso não aconteceu durante as décadas em que a Vale foi estatal mesmo? E ele fala como se o preço internacional do minério de ferro fosse definido pela empresa exportadora a seu bel prazer, e não pela relação entre oferta e demanda, como qualquer outra commodity. Ora, se fosse assim, seria uma grande burrice uma empresa privada como a Vale vender a preços aviltantes o que podia ter vendido por muito mais.

Mas o pior mesmo é constatar que, à semelhança de Eduardo Galeano e de todos os nacional-populistas da América Latina, Ab'Saber pensa o comércio internacional com base numa doutrina defendida pela igreja durante a idade média, a saber, a teoria do preço justo (*). Trata-se da ideia, moralista e bastante simples, de que os preços dos produtos não devem ser estabelecidos por livre negociação no mercado, mas sim de acordo com a "justiça".

Mas qual seria o critério a ser usado para calcular o preço justo de cada mercadoria e qual mecanismo institucional deveria ser usado para estabelecer esse preço? Isso, os populistas nunca dizem. Apenas supõem que as matérias-primas sempre valem mais do que o preço pelo qual elas são vendidas, e ponto final.

Apesar disso, é certo que Aziz Ab'Saber, assim como o sociólogo Chico de Oliveira, preza a coerência e a honestidade intelectual. Tanto que, assim como este último, desembarcou do projeto de poder do PT e aderiu ao PSOL logo que percebeu o estelionato eleitoral praticado por Lula. Dali para frente, o PT passou a ser uma segunda opção de voto para ele, um partido no qual votar quando a outra opção for o PSDB ou o DEM. Abaixo, pequenos trechos da entrevista em que ele manifesta sua decepção com o PT no poder.
O setor econômico, certamente, tem resultados consistentes. Isso porque o Palocci obedece rigidamente às indicações do Fundo Monetário Internacional. Em relação à educação, à preservação ambiental e a outros pontos, os erros são bárbaros. [...] Na área social, nota zero. No planejamento, para atender a áreas críticas do País, também nota zero. E há as falácias, como ‘a transposição das águas do São Francisco vai resolver o problema do semi-árido’. Nota zero, zero, zero.
Devemos pensar em um desenvolvimento que não agrida a continuidade da floresta. Lula assinou comigo essa idéia. Agora diz que a Amazônia não deve ficar intocada.
No começo do atual governo, quando se falou em Fome Zero, pensou-se em alguns lugares do Nordeste para servir de piloto. Um deles foi Guaíba, no Piauí. Tudo de Fome Zero foi então centrado em Guaíba. Acho ótimo do ponto de vista humano, assistencial e social, mas e os outros 750 mil quilômetros quadrados de sertões diferenciados? Se vou fazer um assistencialismo sub-regional, tenho de perceber todos os setores e não focar um só. Outro problema é percorrer as áreas e pensar somente no voto. Isso dá certo para políticos, mas não para o País. Lula fez propaganda do Fome Zero antes da vitória. [...] O programa está fracassando. O próprio presidente disse que é preciso reciclá-lo.
Se todos os geógrafos tivessem a coerência de Ab'Saber, já seria alguma coisa, posto que as ideias simplistas são sempre as mesmas.

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(*) MENDOZA, P. A.; MONTANER, C. A.; LLOSA, A. V. A volta do idiota. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.

5 comentários:

  1. Diniz, não sei se o que queria Ab'Saber era que a Vale cobrasse mais pelo minério. Acho que ele supunha que se não fosse privatizada, o minério seria utilizado no território nacional. Como se já não o fosse... Sabe, quando leio essa gente me dá a nítida impressão de que são crianças, pois os argumentos são similares. "Há sem-teto? Façamos casas para eles." Simples! Tudo muito simples. É como se não houvesse orçamento, como se não houvesse custos, como se não houvesse demandas diferenciadas, cadeias produtivas que as "malditas empresas" que eles tanto criticam, mantém para geração de milhares de empregos etc. etc. Óbvio que eu não sou favorável a alteração indiscriminada da paisagem natural, mas é por demais ingênuo, para não dizer tolo mesmo, que se queira desenvolvimento e geração de empregos, mesmo os ambientalmente sustentáveis, sem o mínimo de trabalho e alteração do quadro natural. Tenho várias críticas ao marxismo, mas este pessoal que bebe sem saber da fonte marxista precisa, urgentemente, lê-lo. Eles ficariam muito surpresos ao ver que o velho não tinha pudor algum em colocar seu antropocentrismo no norte de seu pensamento. Imaginemos a seguinte embromação retórica humanística: "superadas as contradições entre 1ª e 2ª naturezas, não haverá mais destruição ambiental". Quem não vê que esta sentença é vaga e abrange qualquer coisa, assim como inventa que na natureza existem 'contradições', enquanto que na verdade, nós temos ora associações, competições etc. Então, o que fazem muitos "cientistas sociais" é se esmerar na arte da metáfora.
    Mas, certamente alguém aqui já viu proeminentes físicos, biólogos, médicos se definindo como 'marxistas', pois Popper explica isto muito bem em A Miséria do Historicismo, o marxismo passa uma falsa impressão de cientificidade e como estes cientistas são das ciências naturais e/ou exatas, eles procuram algo similar nas humanas que, diga-se de passagem, não existe da mesma forma, com o mesmo grau de exatidão. Portanto, acabam encontrando é um corpo teórico que, aceitadas suas premissas, porta uma lógica. Mas, não passa de embromação marxiana. Por outro lado, gente inteligente nas ciências humanas é raro e, raramente é de esquerda.

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  2. De fato, ele chama a privatização de crime, mas, quando cita a Vale como exemplo que justificaria a afirmação, não esclarece nada. Não fica claro se o problema estaria no suposto preço "aviltante" do ferro, ou se na exportação de um minério que deveria ser usado no país, ou ainda se ele pensa que, caso a empresa continuasse do Estado, haveria mais recursos para investimento em infraestrutura. O discurso dele sobre questões políticas e econômicas parece misturar marxismo de quinta categoria com o nacional-populismo típico do idiota latino-americano. Até a visão ambientalista dele cheira a coisa de "melancias". Parece criança mesmo...

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  3. Luis,

    Você retirou um trecho minúsculo de uma entrevista que aborda vários tópicos - afinal é uma entrevista não um artigo - e faz muitas extrapolações sem justifica-las. Em nenhum momento Ab`Saber defende a teoria do preço justo no texto, você que afirma isto. Ele usa um exemplo menor para exemplificar um problema mais amplo: o Brasil ao assumir o papel de exportador de matérias primas se coloca numa posição subordinada no cenário global. Os minérios - recursos não-renováveis - são enviados para o exterior onde são usados em atividades que demandam alta tecnologia. Países como os EUA possuem grandes reservas de recursos naturais não-renováveis mas adotam posturas muito distintas. Preferem não explora-las em rítimos significativos, optando por importá-las mesmo quando ostentam grandes reservas internas. Eles raciocinam que o valor estratégico destes recursos é alto em cenários de escassez potencial no futuro. É este o potencial econômico que esta sendo perdido, que afinal foi a pergunta do entrevistador.

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    1. Acabei de publicar um post com minha resposta ao seu comentário. Ele pode ser lido no seguinte endereço: http://tomatadas.blogspot.com.br/2012/08/exportar-commodities-e-bom-negocio-e.html

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  4. Olá Luis,

    Vi seu comentário somente hoje. Irei ler sua resposta assim que puder - agora infelizmente estou correndo com várias coisas.

    Acho extremamente positivo o debate e a troca de ideias com pessoas de opiniões divergentes das nossas. Nestas ocasiões podemos aprofundar nossos argumentos e abordar múltiplos aspectos que não fariamos se nos limitássemos a conversa com os de posições afins. Logo continuaremos a discussão.

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