Já li diversos textos em que são citados estudos de Pedro Demo, mas, até estes dias, nunca tinha me disposto a ler nada desse autor. O que me desanimava a ler sua obra era que, pelas citações, já ficava claro que ele se alinha com as ideias básicas dessa "pedagogia progressista" que anda por aí. Ainda assim, resolvi me dar ao trabalho de atravessar as 54 páginas do seu texto Outra universidade para ver se havia ali alguma coisa que valesse a pena ser lida. Uma ideia ou outra são interessantes, mas nada que não seja encontrado em outros trabalhos muito melhores.
Para começo de conversa, esse artigo de Demo prova que os teóricos próximos da pedagogia progressista são como os pesquisadores alinhados com a teoria social crítica quando tentam discutir planejamento: gastam muitas e muitas páginas para malhar sem dó o que está aí, mas, na hora de propor alternativas, não conseguem ir além de algumas sugestões bastante superficiais e, via de regra, equivocadas.
Demo começa a fazer isso quando diz que "a universidade é como o sarcófago. Por fora, pode até brilhar, mas dentro contém um cadáver". Uau! Por que será isso? Segundo ele, é porque a nossa universidade continua dominada pelo velho "instrucionismo", ou seja, pelo ensino meramente reprodutor de conhecimentos já estabelecidos, que não ensina a pensar com a própria cabeça, não ensina a construir conhecimentos, não forma pessoas com capacidade para fazer pesquisa científica. Essa crítica atravessa o texto do começo ao fim, numa repetição incessante! Mas o engraçado é que se trata de um diagnóstico sem um pingo de originalidade, não se justificando martelar tanto na mesma tecla. Toda essa conversa de que o professor não deve transmitir acriticamente conteúdos prontos, e tornar-se um "pesquisador professor", desenvolveu-se no rastro daquela crítica de Paulo Freire à "educação bancária". Basta pesquisar na internet a expressão "professor-pesquisador" para constatar que já há diversos livros sobre esse assunto, voltados para professores de áreas como geografia, história e matemática.
Daí que, embora Demo critique muito a universidade brasileira por ser "verbosa" e "hipócrita", nada melhor do que o texto dele como exemplo de prolixidade inútil. Repete o tempo todo esse discurso que os professores já estão carecas de ouvir, mas, na hora de dizer como se faz para transformar professores e alunos em "autores", vem com esta:
Neste capítulo pretendo "ensaiar" algumas ideias do que seria "outra universidade", tendo como referência principal "outro professor". Não se trata de receitas, também porque não as tenho. Trata-se de ideias que poderiam inspirar outra configuração da universidade, para que atenda adequadamente aos dois desafios maiores: pesquisar e educar. Assumo que universidade deve ser "de pesquisa", não de ensino, porque ensino sem pesquisa é plágio e ninguém se prepara para a vida plagiando (Demo, 2010, p. 27 - negrito no original).
Chamar ensino sem pesquisa de "plágio" não passa de picaretagem retórica, pois consiste em ampliar o sentido original de uma palavra de conotação negativa para convencer o leitor de que professor que não pesquisa é uma espécie de ladrão. A verdade é que só pode haver plágio quando alguém se apresenta como autor de uma ideia ou trabalho que não é seu, algo que não ocorre numa aula porque os alunos sabem muito bem que os conteúdos não foram descobertos e/ou inventados pelo professor. Nem poderia ser diferente, já que os materiais usados nas disciplinas universitárias são livros didáticos ou obras de referência produzidas, na maior parte, por terceiros!
Depois desse truque, o autor ensaia a ideia de não usar apostila como "cartilha obrigatória", mas sim como "material de pesquisa". E acrescenta ser essencial que "cada professor elabore – em processo de pesquisa – seu material didático, transformando seus cursos em processos de incessante produção própria de conhecimento".
Os fatos não autorizam o diagnóstico e a proposta, pois os resultados da Prova Brasil mostram que os alunos que estudam com apostilas obtém resultados melhores! E basta olhar outras experiências para ver que no ensino superior não é diferente. Nos cursos de economia das universidades americanas, como Harvard, são usados manuais com conteúdos bastante abrangentes e apresentados de forma tão mastigada que os alunos simplesmente podem aprender por si mesmos (Mankiw, 2006; Krugman; Wells, 2007).
As outras ideias que Demo apresenta para mudar a universidade (páginas 36 a 45) tratam de: a) alterar o espaço físico para estimular os estudantes a pesquisar em bibliotecas e na internet e a fazer trabalhos em grupo; b) flexibilizar os currículos (seja lá o que isso signifique); c) tornar possível que cada aluno avance no curso segundo seu próprio ritmo; d) utilizar as novas tecnologias para combinar as modalidades de ensino presencial e à distância e usar plataformas como o Moodle para a produção de textos interativos e baseados em atividades de pesquisa.
O que Demo não leva em conta é que o melhor método para levar o aluno a refletir criativamente sobre os conteúdos já existe há tempos nos cursos profissionalizantes. Voltemos ao exemplo das universidades norte-americanas. Em cursos como os de direito e administração, os alunos aprendem o conteúdo teórico por meio de livros-textos, ao passo que a sala de aula é usada apenas para analisar e debater a solução de problemas práticos. O estudante tem de analisar em casa uma série de exemplos hipotéticos de problemas com os quais ele irá se defrontar no seu dia a dia de trabalho, propor soluções para eles e, depois, debater suas propostas com o professor e os outros alunos na aula! É por isso que, como já notou Stephen Kanitz (que estudou administração em Harvard) as salas de aula das universidades americanas costumam ter forma de anfiteatro, de modo a estimular essa troca de ideias. Mas Pedro Demo só consegue ver o ensino como estando atrelado à pesquisa científica, o que nada tem a ver com a natureza de cursos profissionalizantes como esses mencionados.
Há mais alguns equívocos a assinalar no texto dele, mas não quero me estender demais. Encerro dizendo que, embora as propostas de uso das novas tecnologias sejam interessantes, o extenso blá-blá-blá do autor contra o "instrucionismo", suas críticas equivocadas ao "mercado neoliberal" e as considerações sobre a "dinâmica não linear do conhecimento, rebelde, interminável, provocativa, crítica e criativa", nada mais são do que enfeites retóricos para velhas teses freirianas e construtivistas e para a visão, absolutamente dominante entre os professores universitários brasileiros, de que ensino e pesquisa têm de ser inseparáveis. Seu discurso parece ser atraente pela forma como ele, do mesmo modo que Paulo Freire, usa adjetivos bonitos para justificar propostas vagas e equivocadas. Nesse sentido, a “outra universidade” de que Demo trata é apenas ouro dos tolos.
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DEMO, P. Outra universidade. Disponível em: <http://www.prograd.ufscar.br/PedroDemo_OutraUniversidade.pdf> Acesso em: 30 abr. 2012.
KRUGMAN, P.; WELLS, R. Introdução à economia. Rio de Janeiro: Campus, 2007.
MANKIW, N. G. Introdução à economia. São Paulo: Thomson Learning Edições, 2006.
Já repararam como o discurso do professorado é que tem que se investir em educação, mas que não raro, como bem mostrado neste post, os acadêmicos dizem que o prioritário é a pesquisa? Dentre minhas dúvidas está como se forma bons pesquisadores, com um ensino fraco ou secundário? Ora, o ensino superior deve contemplar as duas atividades, mesmo que haja profissionais especializados para ambas, como aquele que se concentra no laboratório e o que (até para perceber como sua pesquisa tem sido assimilada) enfrenta a sala de aula.
ResponderExcluirParece que este argumento "demoniano" não passa de desculpa para que não se invista no mais importante em se tratando de ensino, a sala de aula e por investimento não me refiro ao seu significado meramente financeiro, que é o menor, mas sim a disciplina e metodologia, para que tenhamos alunos com domínio da matéria - o que vai na contramão da tendência atual... Também me soa estranho que um dos principais "metodólogos" do país escreva tanto sobre isto há tanto tempo, mas, até onde sei, não tenha aplicado sua própria pesquisa em algo concreto. Daí fica muito difícil ratificá-la, sem o compromisso de prova ou alguma mínima validação empírica.
Analogamente, esta retórica é tão pobre e destituída de conteúdo prático quanto o discurso freireano sobre a educação em que o aluno deve ser o protagonista. Exceto se por protagonizar se referir a estudar, pois ser "protagonista da educação" sem nenhuma base prévia é tão inócuo e improdutivo quanto dizer que a universidade "deve ser outra", enquanto que ela está aquém do desejado por reflexo da ação militante de alguns profissionais que relegam a própria pesquisa e avaliação séria de seus alunos ao segundo ou terceiro plano.
Em tempo, como tem sido ensinadas e utilizadas as ferramentas estatísticas, sociométricas em cursos de humanas? Afinal, já que é para enfatizar a pesquisa, estas são recursos imprescindíveis. E, diga-se de passagem, difíceis de serem dominadas sem um bom ensino.
Por incrível que pareça, os nossos pedagogos, inspirados em gente como Freire e Demo, são os primeiros a negar a validade dos testes e dos métodos estatísticos como meios de avaliação da qualidade do ensino. O texto do Demo que eu critiquei usa estatísticas oficiais, como número de professores de IFES com doutorado, número de professores efetivos, entre outros, para provar que a universidade brasileira é "instrucionista". Mas ele foge de avaliar, por exemplo, os resultados da Prova Brasil, que, conforme eu comentei, mostram que os alunos com melhores notas são os que estudaram com apostilas. Como ele diz que o professor tem que produzir seu próprio material didático, deixa de lado essa evidência que contraria suas conclusões. Em suma, não há mesmo nada que seja mais hipócrita do que gente como o Demo, que fala na importância da produção de conhecimento científico mas não usa ferramentas científicas para comprovar o que diz sobre educação!
ExcluirPara considerar os resultados da Prova Brasil como dado relevante nesse contexto, seria preciso estar de acordo com o formato da prova, sua elaboração, enfim, considerar que trata-se de um instrumento de avaliação legítimo. Mais ainda, seria preciso considerar que aquilo que é objeto de avaliação por esse instrumento é digno de consideração. E é por estar em desacordo com o próprio "conteúdo" do que é ensinado e avaliado que o autor não pode confrontar dados como esse que você propõe com a tese que ele apresenta.
ExcluirOla professor, que bom ler seu comentário. Pelo menos tive a certeza de que não merece atenção ler nada do VOCE escreve. Deve adorar o "sarcofogo" da UFPR!
ResponderExcluirEsse comentário anônimo confirma as críticas que faço a essa "pedagogia progressista" inspirada em gente como Paulo Freire e Pedro Demo. Eles dizem formar pessoas com pensamento autônomo, mas fazem doutrinação política baseada em dogmas ideológicos, rotulações desonestas de pessoas e ideias e em visões de mundo maniqueístas. Rejeitar uma crítica fundada em argumentos, como a que eu fiz, e afirmar a concordância com o ponto de vista oposto sem nem se dar ao trabalho de tecer qualquer argumento para justificar essas posições é a mais pura expressão desse modo de (não) pensar próprio de Freire, Demo e de seus admiradores.
ExcluirCaro Luis,
ResponderExcluirvocê diz que o texto não apresenta propostas efetivas para a solução do problema levantado. Tenho para mim que a apresentação do diagnóstico e a reflexão sobre as motivações das circunstâncias nele encontradas já são indicação bastante útil na construção "coletiva" de soluções - pois essas seriam contextuais, particulares, de acordo com cada caso.
Você acredita na possibilidade de um estudioso propor uma "receita", acredita que uma proposta com esse caráter poderia ser eficaz de alguma forma?
Aguardo suas considerações.
Minha resposta às suas considerações ficaram muito longas, então acabei de publicar um post sobre o assunto. Ver: Comentários de uma leitura ilustram a fragilidade da pedagogia "progressista".
ExcluirConcordo plenamente com a sua crítica ao Demo. Trabalho na Educação Básica a 28 anos (História e Geografia) e coisas não são fáceis mesmo. o meu estado (MS), a partir de 2016 tem Pedro Demo como consultor, e ele está tentando implantar o que ele chama de "educar pela pesquisa", mas ha muita resistência as suas ideias aqui, É muita conversa e muito resultado.
ResponderExcluirConcordo plenamente com a sua crítica ao Demo. Trabalho na Educação Básica a 28 anos (História e Geografia) e coisas não são fáceis mesmo. o meu estado (MS), a partir de 2016 tem Pedro Demo como consultor, e ele está tentando implantar o que ele chama de "educar pela pesquisa", mas ha muita resistência as suas ideias aqui, é muita conversa e muito pouco resultado.
ResponderExcluirÉ impressionante como alguém que escreve textos vazios de propostas como esse que eu critiquei conseguem ganhar dinheiro com consultoria! Francamente...
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