sábado, 7 de julho de 2012

Caio Prado Júnior já havia cometido o erro de Milton Santos

Expliquei num post anterior que Milton Santos fracassou no esforço de elaborar uma teoria do Brasil, entre outros motivos, porque sua análise da história territorial brasileira não é capaz de mostrar em que esse país seria distinto dos outros a ponto de demandar uma teoria específica para explicá-lo. Para dar base à minha crítica, citei Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda como exemplos de autores que, ao tomarem o Brasil como objeto de teorização, teriam procurado mostrar que havia uma originalidade brasileira dada pela miscigenação, segundo Freyre, e pelas mudanças sócio-culturais trazidas pela urbanização pós-1880, segundo Holanda.


Eu poderia ter citado também Caio Prado Júnior, mas deixei isso para depois a fim de não me alongar demais em um só post. Agora é o momento de contar que, se existe um historiador brasileiro que merece ser qualificado como ídolo de pés de barro, esse alguém é Prado Júnior. Ele vem sendo incensado há muitas décadas por ter formulado a primeira interpretação do Brasil derivada da aplicação do método marxista, mas a verdade é que sua obra nunca foi coerente nem com o método, nem com as teorias econômicas marxistas. Por incrível que pareça, a principal fonte do seu primeiro grande livro Evolução política do Brasil, publicado em 1933, é o conservador Oliveira Vianna, autor que pesquisei na minha dissertação de mestrado (Diniz Filho, 2002). Já na década de 1940, Prado Júnior "desenvolveu" as teses do livro anterior ao introduzir o conceito de "sentido da colonização", ou seja, a tese de que as regiões de clima tropical estavam destinadas a se tornarem "colônias de exploração", de sorte que as raízes do subdesenvolvimento atual dos países da América Latina estariam no "latifúndio agrário-exportador". Mas, como bem aponta Jorge Caldeira, essa explicação acaba sendo contraditória. Vejamos o que diz Caio Prado Júnior.
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, dos trópicos americanos (Prado Júnior, 1994, p. 31 citado por Caldeira, 2009, p. 132).  
É exatamente o mesmo erro que Milton Santos cometeu ao se lançar à elaboração de uma "teoria do Brasil". Mas vejamos as palavras do próprio Caldeira sobre a passagem acima:
"Brasil" aparece na frase como uma entre muitas colônias tropicais com o mesmo sentido. É ainda gênero, definido pelo "sentido", não espécie, o objeto particular cuja formação contemporânea se descreverá. Se fosse só isso, haveria contradição à vista: definir "Brasil" como um objeto particular que não tem características particulares. Caio Prado Júnior evita isso acrescentando algo mais, para distinguir espécie de gênero, tornar "Brasil" diferente de "uma das resultantes de colônias tropicais".
Isso é feito num curto parágrafo. Curiosamente, tal distinção é feita à custa da citação literal de outro expoente do pensamento conservador. Para definir o pouco que seria específico do Brasil, distinguindo-o do caso geral das colônias tropicais, Caio Prado recorre às palavras de Gilberto Freyre (Caldeira, 2009, p 132).
Em seguida, Jorge Caldeira cita o referido parágrafo do livro de Prado Júnior, no qual está dito que o Brasil se diferencia do restante das colônias de exploração porque, conforme Freyre, construiu-se aqui "'uma sociedade com características nacionais e qualidades de permanência', e não se ficou apenas nesta empresa de colonos brancos distantes e sobranceiros". Como se vê, uma citação bem vaga e ligeira. Logo depois disso, para piorar, o livro de Prado Júnior qualifica essa particularidade brasileira como um simples resíduo do processo geral de colonização dos trópicos americanos, repondo a contradição que havia tentado resolver!

Bem, a interpretação de Brasil construída por Prado Júnior, além dessa mal-disfarçada contradição lógica, carrega erros empíricos e teórico-metodológicos monumentais. Mas vou ressaltar apenas que, se compararmos Prado Júnior com Milton Santos, não há como negar que o primeiro ainda sabia melhor do que estava falando. Afinal, tendo percebido o erro de explicar um objeto particular com uma teoria geral que nega sua particularidade, Prado Júnior se preocupou em citar um autor que já havia trabalhado com a tese da originalidade brasileira no intuito de dar coerência às suas conclusões. Já Milton Santos nem ao menos se tocou desse erro, pois os processos históricos e relações de poder que ele considera explicativos do objeto "Brasil" poderiam ser empregados para explicar qualquer país do mundo, tal como demonstrei no outro post citado. Milton Santos nem sequer estava ciente de que uma "teoria do Brasil" precisa, antes de mais nada, demonstrar a especificidade do seu objeto!

Se Caio Prado Júnior é um ídolo de pés de barro, Milton Santos, então... nem se fala!

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CALDEIRA, J. História do Brasil com empreendedores. 1. ed. São Paulo: Mameluco, 2009.

PRADO JÚNIOR., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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