Os geógrafos críticos ou radicais sempre tiveram a pretensão de explicar a sociedade pelo estudo do espaço. O problema é que, na ótica da teoria social crítica, "explicar" a sociedade capitalista significa revelar as contradições que a estruturariam e que engendrariam os processos de luta política e de transformação socioeconômica. Nesse sentido, os geocríticos se veem forçados a apelar para um "malabarismo retórico" pseudo-dialético no intuito de provar que esse tipo de explicação não incorre em fetichismo ou determinismo espacial. E a mais explícita e mal fadada tentativa de realizar esse intento foi feita por Milton Santos ao elaborar uma "teoria do Brasil" pelo estudo do "território usado", conforme já comentei em outros posts.
Agora, vou realçar que esse tipo de teorização acaba subordinando a pesquisa à ideologia e, ironicamente, faz os pesquisadores deixarem de lado justamente a importância que o território efetivamente tem para explicar certos processos sociais. Para tanto, basta reproduzir uma nota de rodapé da minha tese de doutorado, conforme segue:
[Na segunda metade dos anos 1990] a combinação de abertura comercial com valorização do câmbio despertou um temor difuso de que o Brasil pudesse se tornar uma espécie de Bélgica dos Trópicos, isto é, um país com grande presença de montadoras de veículos, mas desprovido de uma indústria de autopeças significativa, a qual seria sucateada pela incapacidade de concorrer com os importados. Mas as características do território brasileiro inviabilizariam a destruição extensiva da indústria de autopeças, uma vez tendo sido efetuadas grandes inversões no segmento de montadoras. Se a Bélgica possui um território diminuto e encravado entre países altamente industrializados, o Brasil possui um território continental situado num relativo "vazio" de indústrias. Tal fato, no contexto das tendências locacionais da indústria contemporânea, obriga forçosamente à manutenção de um nível considerável de fornecimento local, especialmente em se tratando de produtos "populares". Não por acaso, a unidade da Renault na Região Metropolitana de Curitiba foi construída já com um espaço reservado para a instalação de quatro fornecedores de sistemas de componentes no próprio terreno da fábrica, sendo que outros fornecedores estão se instalando nas imediações (Diniz Filho, 2000, p. 193).
Milton Santos não viu isso devido ao desejo de pintar um quadro no qual as desigualdades sociais e regionais seriam sempre agravadas como produto da lógica de estruturação do "território usado" sob a égide da acumulação de capital. Vale dizer, no afã de provar que o espaço seria importante como objeto de estudo por explicar as "contradições" e conflitos sociais, esse autor deixou de ver a importância que o tamanho e localização do território brasileiro efetivamente tiveram na explicação de um componente importante da reestruturação industrial ocorrida sob a égide das reformas dos anos 1990.
O território é menos importante do que os geocríticos gostariam que fosse para justificar seus pressupostos teóricos e ideológicos, mas muito mais importante para a economia do que eles são capazes de enxergar.
O território é menos importante do que os geocríticos gostariam que fosse para justificar seus pressupostos teóricos e ideológicos, mas muito mais importante para a economia do que eles são capazes de enxergar.
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DINIZ FILHO, L. L. A dinâmica regional recente no Brasil: desconcentração seletiva com "internacionalização" da economia nacional. São Paulo, tese de doutorado em Geografia, FFLCH-USP, 2000.
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