Um leitor fez um comentário crítico ao post Aziz Ab'Saber defende ideia medieval, conforme citado logo abaixo. Achei que a resposta ao comentário merecia um post, pois as ideias ali expostas são bastante representativas do nacionalismo que impera na geografia e nas ciências sociais brasileiras.
Você retirou um trecho minúsculo de uma entrevista que aborda vários tópicos - afinal é uma entrevista não um artigo - e faz muitas extrapolações sem justifica-las. Em nenhum momento Ab`Saber defende a teoria do preço justo no texto, você que afirma isto. Ele usa um exemplo menor para exemplificar um problema mais amplo: o Brasil ao assumir o papel de exportador de matérias primas se coloca numa posição subordinada no cenário global. Os minérios - recursos não-renováveis - são enviados para o exterior onde são usados em atividades que demandam alta tecnologia. Países como os EUA possuem grandes reservas de recursos naturais não-renováveis mas adotam posturas muito distintas. Preferem não explora-las em rítimos significativos, optando por importá-las mesmo quando ostentam grandes reservas internas. Eles raciocinam que o valor estratégico destes recursos é alto em cenários de escassez potencial no futuro. É este o potencial econômico que esta sendo perdido, que afinal foi a pergunta do entrevistador.
- Esse negócio de dizer que exportadores de commodities estão em posição subordinada no cenário mundial é nacionalismo sem sentido. O objetivo de qualquer atividade econômica é produzir bens e serviços que satisfaçam necessidades dos consumidores, além de gerar emprego e renda. Assim, não importa muito se um país exporta isto ou aquilo. Esse tipo de nacionalismo fez muito sucesso nos anos 1960 e 1970, tendo sido formulado de maneira mais elaborada pela Cepal e alguns teóricos da dependência. Só que essas concepções estavam erradas! Um erro crucial da teoria do subdesenvolvimento foi não ter levado devidamente em conta que o aumento da produtividade rebaixa muito os preços dos produtos industrializados, levando as multinacionais a industrializar a dita "periferia" em um nível que eles não previram. Esse equívoco já se evidenciou na América Latina das décadas de 1950 a 1970, como se viu na trajetória brasileira de JK até o "milagre econômico". Não bastasse isso, a China jogou os preços dos produtos industrializados para baixo ao mesmo tempo em que elevou os preços das commodities, invertendo todo o raciocínio da Cepal. Finalmente, temos os exemplos do Canadá e Austrália para ver que as exportações de commodities auxiliam em muito quando se trata de atingir altos níveis de renda per capita e, portanto, de bem-estar social.
- Ab'Saber disse que a privatização da Vale foi um "crime", afirmação que é uma sandice. O Estado brasileiro ganha muito mais com os dividendos recebidos da Vale privatizada do que recebia no tempo em que detinha o controle acionário da empresa. E isso simplesmente porque a privatização fez os lucros da Vale se multiplicarem por dez! É muito melhor ser dono de uma fatia de uma empresa grande e altamente lucrativa do que proprietário de uma empresa pequena e que dá pouco lucro. E a privatização ainda aumentou a produção e exportação de minérios, além de transformar essa empresa numa das maiores mineradoras do mundo, capaz de comprar concorrentes no exterior. Sua última grande aquisição foi uma mineradora de níquel no Canadá, o que permite à Vale trazer dólares ao Brasil sob a forma de remessas de lucros, como qualquer multinacional.
- Para justificar a crítica à privatização, Ab’Saber disse textualmente que o ferro de Carajás é vendido a preços "aviltantes", mas não diz qual é o critério que deveria ser usado para definir o que seria um preço não-aviltante sem passar pela relação entre oferta e demanda. Nesse sentido, ele, do mesmo modo que todos os nacionalistas e populistas da América Latina, monta um raciocínio que remete à concepção medieval de preço justo, sim.
- Celso Furtado, na década de 1970, já refletia sobre a possibilidade de estender a estratégia de controle de preços internacionais que a OPEP praticava em relação ao petróleo para outras commodities minerais, mas não chegou a uma conclusão. E a ideia nunca foi adiante, realmente, pois a maioria dos minérios não tem reservas tão concentradas geograficamente quanto o petróleo. Ademais, como ele mesmo percebia, a elevação dos preços do petróleo, ferro, cobre e outros produtos traria prejuízos tão grandes para a "periferia" quanto para os países desenvolvidos. Ora, não são apenas ingleses e franceses que compram nosso minério para fazer túneis! Se o Brasil fizesse subir os preços internacionais do minério de ferro, por exemplo, o que seria da indústria da construção civil na China? E o que seria do Brasil se o Chile jogasse os preços do cobre para a estratosfera? Por fim, vale notar que as oscilações dos preços do petróleo nas últimas décadas foram determinadas pela relação entre oferta e demanda, não sendo controlada politicamente do modo como se viu nos anos 1970. Mas Ab’Saber nem chegou a seguir a linha de raciocínio de Celso Furtado: ficou no nacionalismo populista mais rasteiro.
- A Vale do Rio Doce explora minérios em países desenvolvidos, como no já citado caso do Canadá, por exemplo. A lógica desses investimentos por lá é a mesma da que se encontra aqui: exploração intensiva. Os governos dos países desenvolvidos proíbem as empresas privadas de minerarem certas reservas em seus territórios? Ou eles obrigam as empresas privadas a operar com alta capacidade ociosa, de modo a extrair menos minério do que poderiam das minas já em exploração? Se agirem assim para garantir a autossuficiência da indústria bélica num hipotético caso de guerra mundial, trata-se de uma estratégia geopolítica, mas, economicamente, isso torna o seu raciocínio contraditório, leitor. Afinal, restringir a produção no presente tem o efeito de elevar os preços dos minérios, já que se está reduzindo a oferta. Mas, se é assim, então como é que os preços das commodities minerais pode ser "aviltante"? E o discurso nacional-populista sempre foi o de que os países desenvolvidos têm interesse em comprar commodities a preços baixos e vender bens industrializados a preços altos, não? Pelo menos é isso o que muitos professores de geografia ensinam...
De fato, não tem sentido dizer que exportar commodities é mau negócio para um país, simplesmente porque não há duas alternativas, a de exportar commodities ou produtos industrializados. Os EUA são um país que exporta as duas coisas, e muito bem.
ResponderExcluirMas, atenção! O que não se pode é desenvolver-se exclusivamente à base de commodities; basta ver que não há um só país desenvolvido que não tenha uma base industrial importante,a não ser produtores de petróleo. A Vale, por exemplo, queria atuar pela via comoda, exportando minério, sem beneficia-lo. Bom para ela, que evitava entrar em briga com muitos mais cachorros grandes, quando no minério só há um concorrente, que é a Austrália.
Mas o minério não é dela,mas do país,ale tem direito de lavra, e bem fez o governo em pressiona-la para montar uma siderúrgica, como de fato está montando.
O governo não deve interferir por poca coisa,mas acreditar que o que é bom para uma empresa sempre é bom para o país é um ato de fé indemonstrado, tanto quanto o inevitável caminho para o socialismo o é.
O interesse das empresas e dos países onde as empresas atuam converge na medida em que a elevação da produtividade do trabalho ocorrer no ritmo mais elevado possível. Isso já está mais do que demonstrado, posto que os países desenvolvidos são aqueles cujas empresas exibem trajetórias de elevação rápida da produtividade. Nesse sentido, interesses de governos e de empresas não são sempre convergentes, mas, quando se trata da produtividade, que é o essencial, eles convergem, sim.
ExcluirDe outro lado, fica a pergunta: quem é que decide o que é "bom para o país" em se tratando do funcionamento de uma economia de mercado? Políticos e burocratas do governo? Isso já é questionável, mas sobretudo quando se trata de governos marcados pelo aparelhamento de estatais e até de agências reguladoras na base do mais rasteiro "toma lá, dá cá", e cujas consequências nefastas para a eficiência da economia estão muito bem demonstradas no setor aeroportuário, na má administração dos correios e na perda de qualidade dos serviços de telefonia.
Além disso, acreditar que os burocratas de um governo sabem avaliar melhor do que empresários e administradores privados em quais atividades as empresas podem alcançar competitividade internacional é uma suposição que a história brasileira e internacional desautoriza completamente. Empresas exportadoras de commodities têm interesse em industrializar seus produtos quando estão aptas a fazer isso com eficiência comparável a dos competidores em potencial. Nesse sentido, o governo não tem nada que pressionar politicamente para que essa industrialização aconteça, pois, se a empresa puder fazer isso com produtividade elevada, ela o fará, já que é do seu interesse. E se o responsável por essa pressão política é um politiqueiro incompetente e autoritário como o Lula, então... aí é que temos razões para temer mesmo!
Em suma, devemos rezar para que a Vale não se saia mal nessa empreitada, mas, por todas as razões que apontei acima, os prognósticos são bem ruins.