quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Festejar condenações é cair em armadilha

Já encontrei muitos comentários em sites de notícia manifestando alegria e surpresa com as condenações de alguns réus no caso do mensalão, especialmente Marcos Valério e João Paulo Cunha. Mas, com base no que escrevi em post anterior (aqui), não vejo motivo para acreditar que tenhamos avançado institucionalmente ou mesmo na capacidade de punir corruptos. Mais ainda, avalio que comemorar essas condenações implica cair na armadilha montada por cientistas politiqueiros como Fernando Abrucio, para quem o simples fato de o STF condenar alguns dos 37 réus (algo que já era mais do que previsível que iria acontecer) seria indicativo de "amadurecimento da democracia".


E talvez a armadilha não esteja só na retórica desses intelectuais que usam a imprensa para distorcer fatos históricos sempre que isso for conveniente para Lula e o PT, mas também na própria peça de acusação montada pelo Ministério Público Federal - MPF! Quem diz isso não sou eu, mas sim o Procurador da República Manoel Pastana. Em um longo artigo (disponível aqui), ele afirma que o MPF é dominado por um grupo de promotores que chantageiam os poderes públicos para impor seus interesses corporativos e carreiristas e que dificultam a investigação e punição de criminosos com vistas a ficarem bem aos olhos dos políticos no poder. Ele mostra, por exemplo, que Lula ficou de fora da denúncia elaborada pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, porque este agiu deliberadamente para impedir que se obtivessem provas da participação de Lula no comando do esquema. Vou citar alguns trechos do texto de Manoel Pastana que tratam disso:
Entre os vários atos praticados por Lula que beneficiaram o esquema criminoso, consta o envio, em 2004, de mais de 10 milhões de cartas (assinadas por Lula) a aposentados, incentivando-os a tomar empréstimos consignados em folha de pagamento, que proporcionaram lucros fantásticos ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma das instituições financeiras que participou da “sofisticada organização criminosa”.
Só para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas 10 agências e em curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados, faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa Econômica Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização do convênio que beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo, inclusive, exoneraram uma servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento convênio celebrado em tempo recorde.
A ausência de Lula na peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a denúncia, pois o que também deveria ser atribuído a ele foi imputado exclusivamente a José Dirceu. Ocorre que este, ao contrário de Lula, não assinou documento algum, sequer um bilhete. Assim, não há nenhuma prova no processo que aponte a participação do ex-chefe da Casa Civil.
[...] Antonio Fernando, além de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação, inviabilizou a produção de provas efetivas (e não meras conjecturas), aptas a comprovar a existência da “sofisticada organização criminosa”. Vou indicar alguns itens (são muitos) que apontam nessa direção:
1. Marcos Valério destruiu provas (queimou notas fiscais), 19 membros da CPMI (tinha 20 membros) solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a prisão dele. Antonio Fernando não o fez, alegando que não havia elementos e nem necessidade da prisão. Nos meus 16 anos de atuação no MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado tanto motivo para ser preso e não foi.
2. A esposa de Valério foi flagrada tentando sacar milionária quantia junto a um banco em Belo Horizonte. Desesperado, o “operador do Mensalão” procurou Antonio Fernando e se colocou à disposição para colaborar nas investigações, objetivando os benefícios da delação premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente com a esposa).
Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que a delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria que Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do DF (José Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval Barbosa (operador do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação premiada, entregou provas que derrubaram o ex-governador. Se não fosse isso, Arruda jamais teria caído.
3. Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de grande circulação, disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele (Valério) falasse o que sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio Fernando propor delação premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido na denúncia 50 vezes, propôs a ele suspensão do processo em troca de prestação de serviço à comunidade o que, obviamente, foi prontamente aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não tendo que prestar depoimento. Para um bom entendedor… 
4. Para sepultar de vez a possibilidade de produzir provas efetivas que demonstrassem,  juridicamente, a existência da “sofisticada organização criminosa”, Antonio Fernando, em vez de arrolar Roberto Jefferson como testemunha, uma vez que foi quem levou a público o esquema criminoso, ou então propusesse a ele a delação premiada, preferiu apenas acusá-lo. Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para incriminar José Dirceu. [...] Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo para não produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas, eles [os procuradores] cantarão vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao trabalho deles. Contudo, se o STF mantiver a sua jurisprudência e absolver, [...] dirão que a culpa é do Supremo que não pune. 
Vou parar por aqui a fim de não esticar demais este post. Faço essas citações apenas para mostrar que, se apenas metade de tudo o que Manoel Pastana afirma for verdade (e não dá para negar que seus argumentos se baseiam em fatos), fica muito claro que comemorar as condenações de alguns integrantes do esquema é cair na armadilha de achar que a história do mensalão significou um momento de avanço institucional para o país, quando, na verdade, foi um retrocesso em relação ao que se viu no impeachment de Collor. O grande articulador do "esquema PC" foi preso por sonegação de impostos e Collor foi a impeachment por quebra de decoro. Por sua vez, Marcos Valério era apenas o operador do esquema do mensalão no setor privado, enquanto João Paulo Cunha estava muito longe de ser o chefe da quadrilha ou mesmo o principal articulador do esquema junto aos políticos. Finalmente, Lula não foi investigado pela CPMI dos Correios e, como se lê acima, é no mínimo duvidoso que o MPF tenha tentado produzir provas contra ele. Aliás, é bom lembrar que Duda Mendonça confessou publicamente que o dinheiro que recebeu para trabalhar na campanha de Lula à presidência era ilegal, mas nem assim o Congresso se animou a mover um processo de impeachment contra Lula. Collor caiu por muito menos do que tudo isso. 

Amadurecimento da democracia? Luz no fim do túnel? Contem outra...

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